OS IMIGRANTES DE CAPELA
Talvez uma das indicações do caráter de religião do Espiritismo seja o grau de passionalidade que atingem as polêmicas entre seus adeptos.
Uma dessas, gira em torno das migrações planetárias, mais especificamente de uma “tese” que ousou localizar com exatidão a origem de uma leva de refugiados que teriam aportado em nosso planeta na infância da humanidade (hoje estaríamos da adolescência? ou na decrepitude?).
Sem dúvida, não é digna de ser levada a sério, como se fosse expressão de uma realidade passada, a historinha do Emmanuel (“A Caminho da Luz”) ou as teorizações racistas do Edgard Armond (“Os Exilados de Capela”). Mas, por outro lado, a rápida evolução das pesquisas na questão dos exoplanetas tornam temerária qualquer negação da possibilidade de vida num sistema múltiplo, por mais instável nos pareça.
Há uns três anos, sites espíritas festejavam a opinião de alguns cientistas de que estrelas múltiplas dificilmente gerariam planetas; no entanto, há alguns meses descobriram um planeta no sistema de Alfa Centauri, um sistema triplo de estrelas. E, ainda, há vários sites de divulgação científica que dão conta da possibilidade de existência de uma zona habitável em torno de Capela A e Capela B.
É, realmente, temerária a atitude desses médiuns e espiritos que detalham coisas que o homem ainda não tem condições de verificar. Chega a ser um tiro no escuro. Mas, eles já faziam isto desde os tempos de Kardec, detalhando vida em tudo quanto é pedra do Sistema Solar. Kardec dizia que eram opiniões, teorias sem comprovação, e tal, mas… publicava! Inclusive os desenhos das casas de celebridades! O resultado é que, se ele e seus seguidores mais equilibrados não recebiam como verdade, a maioria dos leitores, esperando apenas um gatilho para suas fantasias, o faziam. Como hoje em dia, no caso dos exilados de Capela. Se alguns acham muito detalhamento sem meios de comprovação para que se acredite, outros já tomam como verdade por ter sido “revelada”.
Daí a responsabilidade na análise. Se faço afirmações considerando “dados positivos” o que não o seja, e, dois ou três anos depois, tais “dados positivos” são enfraquecidos por novas descobertas, eu acabo é reforçando as crenças. O crédulo diz: “Viu, você disse que era impossivel, e agora estamos vendo que é possível!” E usa isto para reforçar sua crença.
Voltando ao Sistema Capela, os conhecimentos que hoje vão se acumulando vertiginosamente — graças aos telescópios em órbita, como Hubble, Chandra, Kepler e outros, associados a outros enormes da superfície — e disseminados pelos sites de divulgação científica, nos permitem imaginar um modelo aproximado desse sistema. Recentemente vi no site da NASA um professor mineiro perguntando ao diretor que coordena os projetos de exoplanetas, e este informava que não houve, até agora, nenhum programa voltado para Capela. Os projetos de busca são caros, envolvem participação de vários cientistas em vários observatórios, são planejados criteriosamente e, claro, acabam cobrindo uma área muito pequena do céu. O homem não atingiu ainda uma época de fartura que lhe permita encontrar planetas em todo canto ou onde queira.
O modelo aproximado seria este: colocamos duas bolas de basquete, a três metros uma da outra, e temos a imagem das duas gigantes amarelas Capela A e B (ou, também, Aa e Ab). Pegamos duas bolinhas de gude (no interior a gente dizia, “de vidro”), colocamos ambas a trinta quilômetros das duas primeiras e, numa distância de cem metros uma da outra — teremos as Capela C e D, duas anãs vermelhas. Segundo ainda sites e publicaçoes de divulgação, há possibilidade de uma zona habitável numa órbita em torno das duas gigantes amarelas, uma outra zona habitável em torno de Capela C, e outra em torno de Capela D. Os cientistas envolvidos nas buscas de exoplanetas ainda não se interessaram em localizar planetas nessas zonas; e, talvez eles nem existam. Não temos elementos, no estágio atual dos conhecimentos, nem para afirmar, nem para negar a existência deles. Por enquanto, temos apenas as pretensões de Emmanuel e Armond, e a ficção de Camile Flammarion compartilhada por Kardec na Revista Espírita.
João Donha
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