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31 julho 2021

Nas cruzadas da vida - Edgard Armond

 
NAS CRUZADAS DA VIDA

Quase no final do período das Cruzadas, quando as expedições militares para o pró-cristianismo já estavam se rareando, um rapaz europeu resolveu aventurar-se numa viagem para o Oriente Médio, em busca de dinheiro, fama e glória. Ele abandonou a família e, sozinho, partiu rumo ao desconhecido.

Havia, no coração do antigo Oriente, reminiscências pouco verdadeiras de um culto aos militares que, décadas atrás, havia sido agraciados com feitos heroicos, a maioria na verdade covardes, pela defesa da cristandade. Mas tudo não passava de folclore, propagação de guerra para atrair jovens para a defesa das Cruzadas cujo objetivo inicial nem existia mais.

E esse nosso jovem se dispersa de seu comboio, da sua caravana militar, pois não havia mais nada a ser feito. Por conta de um período de trégua as batalhas já haviam cessado e só restava a todos os militares o retorno à pátria. Mas o jovem não queria voltar para casa sem os louros da glória, sem as riquezas prometidas, sem as provas de sua coragem. Sua ambição era tornar-se um cavaleiro templário; então, voltar pra casa sem nada seria para ele falta de grandeza.

Mas não havia nada na missão falida, apenas um pequeno grupo de soldados cansados que teriam que retornar pra casa e torcer para não morrer no caminho de volta. Assim, o jovem resolve ficar no Oriente, perto de onde fora a casa do templo. Ele se separa de seu grupo e perambula pelas redondezas, pensando no que faria dali pra frente.

A mendicância, porém, bate à sua porta. Sem um lugar para ficar, para tomar banho, ou comer, sem moedas, ele se perde, sem rumo, nas ruas da cidade santa. Passa frio, fome, e está prestes a pegar doenças pela falta de higiene.

E assim ele fica por muito tempo.

Havia, ali por perto, um cachorrinho que também perambulava pelas ruas em busca de comida. Um vira-lata, um ser invisível. Ninguém o notava, ninguém o enxergava. Na verdade, uma criança da redondeza o percebia, mas tratava-se de uma criança pobre, cuja família não aceitava mais uma boca para alimentar. Sempre que podia a criança pegava do seu próprio pão e alimentava o cãozinho às escondidas. Mas nem sempre o cão se aproximava, pois era sempre enxotado. Então, ele aguardava sempre que o menino o chamasse e, assim, tinha do que comer. Ninguém, ninguém na cidade percebia que aquele cão existia. Somente aquele menino dividia com ele o pouco que tinha.

O mesmo acontecia com o nosso jovem, aprendiz de soldado, que agora esmolava a atenção das pessoas. Os únicos que lhe davam atenção eram os tão pobres quanto ele. Acima destes, não havia autorização para que, sequer, chegassem perto daquele novo mendigo. Os ricos da redondeza eram cercados de proteção contra o que eles definiam como “os de classe inferior”.

E foi nesse cenário que o cãozinho se aproximou do nosso jovem e ficou ali, por perto, nem muito longe, nem muito distante; deitado, esperando o dia acabar. Nosso jovem, porém, sentiu a presença do cão e, ao amanhecer, pensou:

“— Esse animalzinho deve estar com fome, ele se deitou aqui comigo e desde ontem não saiu mais!”

Então, o jovem se levantou pela primeira vez, depois de sentir exaurida de suas forças, e pensou em buscar algo para dar de comer ao menos ao animalzinho. O cão o acompanha apenas com a cabeça e o olhar; já não tinha mais força para se mover, de tanta fome. Nosso jovem faz um gesto simples, com o olhar, com as mãos ou com a cabeça, enfim, alguma coisa que o cão compreendeu e voltou sua cabeça para o chão, a deitar-se e a esperar.

Qual não foi a surpresa quando o jovem retornou com o que comer e dividiu com o cão. Foi assim que o jovem encontrou seu primeiro amigo na cidade santa. E foi assim também que o cão passou a segui-lo pelas estradas de Jerusalém. De tantos outros que se sentem privilegiados por viver na terra onde pisou Jesus, o jovem foi o primeiro a fazer companhia para o cão.

Certo dia, houve chuva, vento e frio. Nosso jovem ficou preocupado mais com o cão do que consigo mesmo; então buscou um lugar coberto para se abrigarem, o que seria hoje, se pudéssemos comparar, uma marquise. Chegou a um lugar onde já havia outro mendigo morando que, sentindo a presença do jovem e do cão, apenas tirou o pano grosso que cobria a cabeça, olhou o jovem de cima a baixo, avistou o cão, cobriu a cabeça novamente e voltou a dormir.

Para o jovem aquele gesto era um sinal de que eles poderiam ficar. Então ele se acomodou ali com o cãozinho aguardando a chuva, o frio e a noite findar e a fome, sempre presente, passar.

Pela manhã, o jovem se levantou e saiu em busca de algo para comer. O cão, já confiante de seu novo dono, ficou aguardando ali, em seu conforto.

Para surpresa de todos, dessa vez o jovem, além do pão, trazia duas xícaras de sopa, quentes e novas. Ele acordou o mendigo e ofereceu a comida sem dizer uma única palavra. E foi assim como tudo começou, até o dia em que os três já estavam acostumados naquela rotina de não dizer nada um ao outro e buscar apenas pelo o alimento do dia.

Um dia, acostumado com a rotina da cidade, o jovem se aproxima de uma moça que, de tanto ajudá-lo de alguma forma, convence ao pai de arrumar um trabalho aquele mendigo em troca de alguma moeda.

Numa bela manhã de sol, depois de ter vivido tanto tempo com a amargura da própria vaidade e do próprio orgulho, deixado de lado há muito tempo, o jovem acorda, finalmente, bem disposto. O cãozinho, acostumado com a rotina desconfia, mas o jovem avisa:

— Vou trabalhar, fique aqui até eu voltar!

O cãozinho tentou, por diversos dias, seguir seu dono na preocupação de perdê-lo de vista, mas o jovem não tinha autorização do pai da moça para trabalhar acompanhado de um cão. Então, o jovem alertou ao outro mendigo:

— Você precisa, ao menos, cuidar do cão. Ele não pode me seguir; vou ao trabalho, se não, não teremos o que comer.

O mendigo acordava pela manhã e já não colocava o pano grosso sobre a cabeça, pois agora tinha que cuidar do cãozinho. Em hipótese nenhuma aquele cão poderia se perder nas ruas da cidade santa. E foi a primeira vez, depois de muito tempo, que aquele outro mendigo se sentiu útil e importante, porque cuidar dos animais é uma das coisas mais importantes que o homem pode fazer perante os olhos de Deus.

Para a moça, por sua vez, havia no jovem uma determinação que ela não enxergava em nenhum outro homem da região por quem ela pudesse se interessar. Todos eles eram muito interessados nas coisas da matéria. Ela não via nenhuma garra, nenhum brilho nos olhos, nem mistério, como via naquele jovem que buscou ajudar. E ele contou a ela que estava vindo com as batalhas das Cruzadas e que o orgulho o cegou. Disse que sentia saudade da terra natal, de seus pais e irmãos, mas que não voltaria para Europa sem primeiro vencer na vida.

Naquele dia, o jovem volta para seu acampamento improvisado com seu ânimo restaurado. Há muito não tinha com quem conversar e falar de sua história, isso quase tirou dele uma mágoa. Ao chegar na marquise, dividiu a sopa boa e o pão novo com o cão e mendigo e aconselhou a ele:

— Veja, eu consegui fazer algo em troca de moedas, não é muito mas é um pouco, dá pra recomeçar minha vida; você precisa se levantar e fazer o mesmo.

Ao que o mendigo respondeu:

— Mas eu já tenho o meu trabalho, eu cuido do cão.

O tempo passou, o jovem e a moça se apaixonaram.

Caro leitor, quem me contou essa história foi um amigo querido, assim que eu cheguei aqui no espaço onde me encontro hoje, um hospital de passagem numa colônia espiritual próxima do litoral. Essa história ecoou em minha cabeça durante muito tempo. E confesso que pensei bastante nela, pois ela me guardava algo de familiar. E agora quero dividi-la com você, pois o amigo que me contou essa história, verídica, disse ainda que chegou o dia em que o jovem daquela história iria se casar com a moça que o havia ajudado e ele tinha que tomar uma decisão muito importante.

A decisão mais importante de sua vida, ele sabia desde que resolvera guerrear nas Cruzadas.

Ele finalmente se casaria com a moça e viveria uma vida nova. E levaria seu cão, claro, afinal, nenhuma família é mesmo feliz sem um animalzinho por perto.

Mas, ao fazer isso, o jovem, agora um ex-combatente das Cruzadas, deixaria o amigo mendigo sozinho, sem ninguém para auxiliá-lo no encorajamento para uma mudança da própria vida e, pela lógica daquele, sem trabalho. Afinal, cuidar dos animais, aos olhos de Deus, também é um trabalho.

Mas haviam outras saídas para aquela situação? Nosso jovem também poderia, por exemplo, deixar o cão com o mendigo e seguir sua própria vida; mas, se fizesse isso, ele teria, para sempre, saudades do amigo mendigo e do cão que o ajudou a se levantar na vida.

Caro leitor, peço que pense profundamente nessa história e, colocando-se no lugar do jovem central de nossa história, respondam:

No lugar dele, o que você faria naquele momento?

Ao responder a essa questão, e ao descansar seu coração de toda angústia que o próprio jovem sentia naquele momento, você poderá também responder a si mesmo as questões que estão te deixando inquieto.

Faça isso para si próprio, no íntimo, pois Deus não abandonaria aquele jovem europeu à mercê da fome, numa terra estrangeira; nem deixaria o cãozinho à mercê da invisibilidade humana; nem mesmo o mendigo da falta dos dois amigos que o fez se sentir de novo vivo.

E se sentir vontade de dividir com a gente sua reposta, o nosso e-mail é editor@editoradufaux.com.br.

Deus nos une, irmãos, para que, juntos, possamos vencer na vida!

Irmão Edgard Armond*
Fonte: Dufaux Editora

*Mensagem do Irmão Edgard Armond, do Complexo de Hospitais de Passagem da Irmandade da Luz (situado no plano astral da cidade de Santos).

30 julho 2021

Comida e egoísmo - Marcelo Teixeira

 
COMIDA E EGOÍSMO

Em um artigo escrito anteriormente (“Nem pera, nem uva, nem maçã”), prometi que voltaria a tratar do assunto comida/fome. Eis-me aqui novamente.

Decidi abordar a questão pelo viés do egoísmo porque comida e egoísmo, como diz o título, parecem andar de mãos dadas. Muito do que tenho observado e presenciado, seja nos assuntos mais complexos (fome no mundo, exportação de alimentos, alta de preços de produtos como arroz e leite) como nos mais triviais (“Farinha pouca, meu pirão primeiro”) tem sua origem na mais humana de todas as imperfeições. A mais difícil de ser desenraizada, já que “deriva da influência da matéria, influência de que o homem, ainda muito próximo de sua origem, ainda não pôde libertar-se e para cuja manutenção tudo concorre: suas leis, sua organização social, sua educação” como bem evidencia Allan Kardec na questão 917 de “O Livro dos Espíritos”.

Uma educação voltada para o egoísmo é uma educação em que meus interesses e necessidades vêm primeiro. E quando falo de interesses, enfatizo, englobo tanto fatos que envolvem a economia mundial quanto trivialidades da vida cotidiana. Vou começar por uma escandalosa e terrível questão complexa: a exploração de mão de obra para produção de chocolate.

O site Repórter Brasil, em matéria publicada em 20 de agosto de 2020, denunciou que pelo menos 148 pessoas foram resgatadas, entre 2005 e 2020, de trabalho escravo em fazendas de cacau, boa parte delas na Bahia e no Pará. Além da suprema violação ao direito humano – trabalho escravo –, os agentes do Ministério Público do Trabalho encontraram, no rastro, outras tantas – e igualmente revoltantes – violações: ameaças dos patrões, condições degradantes de moradia e higiene, servidão por dívidas, salários que não chegam à metade do mínimo, falta de acesso à água potável e, infelizmente, trabalho infantil. Tudo isso para favorecer uma cadeia de negócios que envolve fazendeiros, atravessadores, gigantes do agronegócio, além dos fabricantes dos bombons e barras de chocolate que adoramos consumir.

As fronteiras dessa grave realidade se expandem até a África, onde a Costa do Marfim se vale da exploração de mão de obra infantil vinda de um país vizinho e bem empobrecido: Burkina Fasso. “Essas plantações constituem a maior fonte mundial de cacau e servem como cenário a uma epidemia de trabalho infantil que as grandes companhias mundiais de chocolate prometeram erradicar quase 20 anos atrás”, diz reportagem publicada pelo jornal “Folha de São Paulo” em 17 de julho de 2019. Nela, Abou, um menino de 15 anos, declara que foi para a Costa do Marfim há cinco anos para poder ir à escola, mas está pelo mesmo período sem frequentar uma. É o cacau que ele e outros meninos colhem que irá abastecer as grandes marcas europeias de chocolate. Um chocolate que Abou e seus colegas têm muito pouca chance de provar. Até quando essa avidez incessante por lucro e alimentos fará o dito Primeiro Mundo esmagar o Terceiro Mundo? Egoísmo entranhado em nossa viciada organização social, como bem aponta Kardec. Gente sendo explorada, vilipendiada e passando fome para que chocolates sejam consumidos e saboreados tanto na mesa de uma família de classe média como em sofisticadas lojas de países como Bélgica, França e Suíça.

Saio do complexo e entro no trivial, ou seja, no egoísmo na hora de, digamos, encher o próprio prato (ou o próprio bucho). Sou doceiro. Adoro ir para a cozinha preparar bolos e sobremesas variadas. E publico as fotos nas redes sociais, o que costuma causar furor. Alguns amigos do centro espírita do qual faço parte viviam me cobrando levar um bolo para a cantina, que sempre funciona nos dias de reuniões públicas doutrinárias. Um dia, sem avisar, apareci com um bolo de manga numa terça-feira à noite, horário em que também há grupos de estudos. Em três tempos, o bolo acabou. Algumas pessoas compraram um ou mais pedaços para levar para casa, outras consumiram a iguaria ali mesmo. Resultado: dobrei o faturamento da cantina, o que me deixou satisfeito e sem jeito ao mesmo tempo, confesso.

Na terça-feira seguinte, eu não fui ao centro. Quinze dias depois de o bolo de manga ter sido apreciado, mal eu ponho o pé na cantina, ouço do responsável o seguinte: “Marcelo, na semana passada, o povo estava indócil aguardando a tua chegada. Estavam ansiosos para ver se você traria bolo novamente e pedindo para reservar duas, três e até quatro fatias para levarem para casa.” Fiquei mais chateado que lisonjeado. Alguns colaboradores do centro gostaram tanto do bolo que queriam levar para casa boa parte de um provável segundo exemplar. Mas e a pessoa que quer comer apenas um pedaço no balcão da cantina? Como ela ficaria? Comida, para mim, tem muito a ver com partilha e congraçamento. Eu não havia assado um bolo para ser loteado por quatro ou cinco companheiros de ideal, mas para que o máximo possível de pessoas pudesse provar das suas cerca de 20 fatias. Confesso que não liguei mais de levar bolo para a cantina depois desse fato.

Constrangimento semelhante causou um companheiro de centro a quem chamarei de Vitório. Foi planejado um almoço beneficente com o objetivo de angariar fundos para um evento. Eu, Vitório e outros amigos ficamos encarregados da organização. Por força da profissão (sou publicitário, além de jornalista), estou acostumado a captar patrocínio. Por isso, consegui, com as confeitarias locais, cerca de 10 tortas para o buffet de sobremesas. Pouco antes de o centro abrir as portas para o público, Vitório disse o seguinte para a esposa: “Melinda, separa quatro fatias da torta da confeitaria XYZ para levarmos para casa! Vamos aproveitar que aqui, o preço é mais em conta!”

Eu e os demais integrantes da equipe organizadora olhamos para ele, entre atônitos e incomodados. Felizmente, ele percebeu e cancelou a reserva. Não teria o menor cabimento o público chegar e já encontrar uma torta mutilada. Detalhe: Vitório é da alta classe média; mora numa belíssima casa. Tem dinheiro de sobra para comprar uma torta inteira e levá-la para casa. Além disso, as tortas que foram doadas não estavam lá para serem consumidas primeiramente por nós, mas pelos que pagaram para almoçar. Quando chegasse a nossa vez de comer, nos serviríamos do que ainda lá estivesse. Simples assim. Só que o egoísmo sempre dá um jeito de aparecer e tentar estragar a festa confraternativa. Afinal, nossa educação (ou falta de) também concorre para isso, como bem explicita Kardec na já citada questão de “O Livro dos Espíritos”.

Termino esta crônica voltando à produção de chocolate na Costa do Marfim, país que é um dos maiores exportadores de cacau do mundo. Trata-se de uma indústria milionária, que movimenta bilhões por ano e divide o mundo entre glutões e pedintes por um motivo bem lamentável: as pessoas que trabalham nas plantações de cacau daquele país nunca haviam comido chocolate, ou seja, nunca haviam provado do produto que ajudam a fabricar.

Uma emissora de TV da Holanda, ao saber disso, enviou uma equipe de reportagem à Costa do Marfim. E com dezenas de barras de chocolate na bagagem. É tocante ver aquela gente extremamente simples e mal cuidada, morando em casas de taipa, secando sementes de cacau ao sol, provando chocolate pela primeira vez. Dá um misto de tristeza, revolta e vergonha. Aquele povo esquecido pelas benesses da sociedade de consumo nem sabia o nome da iguaria que ajuda a produzir. Alguns, inclusive, acreditavam que a semente do fruto era utilizada na produção de vinho. Uns se espantam com o dulçor, outros, ao provarem, concluem que é por causa do chocolate que os brancos são tão saudáveis. Há barras de chocolate na Costa do Marfim? Há. Só que elas custavam, à época da reportagem, o equivalente a R$ 6,00, e um camponês do cacau recebe por dia o correspondente a R$ 14,00 para sustentar a si e à família. Eis por que o egoísmo secular no qual nossa sociedade está estruturada precisa ser substituído por novas bases justiça, amor, caridade, igualdade e outras tantas sobre as quais lemos tanto, mas nem sempre sabemos como praticar ou sequer lutar por elas de forma racional e objetiva.

P.S.: minha fome de escrever sobre este assunto ainda não se esgotou. Aguarde mais crônicas.

Bibliografia

AWEBIC – Produtores de cacau experimentam chocolate pela primeira vez. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=LBdqK8dMJiE

CAMPOS, André; DIAZ, João César – Chocolate com trabalho escravo: as violações trabalhistas na indústria do cacau no Brasil. Repórter Brasil, 27/08/20. Disponível em https://reporterbrasil.org.br/2020/08/chocolate-com-trabalho-escravo-as-violacoes-trabalhistas-na-industria-do-cacau-no-brasil/

KARDEC, Allan – O Livro dos Espíritos, 60ª edição, 1986, Federação Espírita Brasileira (FEB), Brasília, DF.

WHORISKEY, Peter; SIEGEL, Rachel – Boa parte do chocolate que você compra começa com trabalho infantil, Folha de São Paulo, 17/07/19. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/07/boa-parte-do-chocolate-que-voce-compra-comeca-com-trabalho-infantil.shtml?origin=uol

29 julho 2021

A Força do Pensamento - Aryanne Karine

 
A FORÇA DO PENSAMENTO

O pensamento é fonte oculta de direcionamento de nossos passos, sem ao menos percebermos. Através dele temos acesso a inúmeros caminhos, ferramentas e possibilidades que, por vezes, ao aplicarmos o piloto automático em nossa vida, acabamos sendo levados pelas consequências daquilo que pensamos e, por conseguinte, emanamos. E é sobre isso que vamos falar hoje, a força que emana daquilo que achamos estar seguro em nosso íntimo, onde, com a errônea e vaga visão, acabamos limitando que nosso pensar a só nós mesmos pertence, quando, na verdade, o pensamento é energia. Essa energia é emanada através do fluido cósmico universal e recebida ou pela pessoa que estamos a pensar, ou pelos Espíritos desencarnados que são atraídos pela energia de nossos pensamentos e permanecem conosco, por um processo como um ímã que traz, para junto de nós, os afins que vibram na mesma sintonia.

Para exemplificar esse ponto de uma forma bem simplista, quando estamos pensando em festa, bebidas e diversão, iremos atrair, por sintonia, Espíritos que, mesmo após o desencarne, permanecem no vício e na vontade de se deliciar com esses prazeres que tinham enquanto encarnados. Esses Espíritos, por sua vez, fomentam em nós ainda mais vontade e desejo em festas e bebidas, formando uma teia que prende o indivíduo que ainda não aprendeu as armadilhas em que esses desencarnados nos colocam, ou que, mesmo que tenham aprendido, não vigiam seus atos e, principalmente, pensamentos, para assim se manter em equilíbrio. O exemplo pode se estender ainda mais, para pensamentos sexuais, por exemplo, atraindo Espíritos que queiram sugar a energia que puderem, ou, como outros exemplos, Espíritos avarentos que ainda se ligam aos bens materiais, ou os que ainda estão em um estado de evolução primitivo que carregam em si, no plano Espiritual, sentimentos como ódio e revolta, e que se ligam pelo pensamento conosco, encarnados, quando emanamos também esse tipo de pensamento.

Tudo começa por nós e nossos instintos íntimos, começa dentro de nossas cabeças e corações com as intenções que vagam no universo pelo nosso pensar. Apesar de pouco notado, é no pensamento que iniciam todas as ações e é imprescindível que o vigiemos a cada instante, pois através dele é que flui a energia em que estamos mergulhados. Como quando, por exemplo, entramos em algum ambiente onde houve uma discussão, seja qual for o motivo, e sentimos a energia pesada do local, energia essa que começou através daquilo que a pessoa em questão pensou e sentiu, e, por fim, dispersou pelo ambiente, ainda que inconsciente de tal processo. O fluido cósmico universal, que se encontra em todo espaço, é energia primária para criação de tudo que é animado e inanimado, orgânico e inorgânico, material e Espiritual. Tudo parte desse princípio que ocupa o espaço, sendo, então, através desse fluído, a comunicação e força que o pensamento possui para emanar e atrair os afins de nossa vibração. E isso é retratado no quinto livro da codificação Espírita, o livro A Gênese, onde Kardec nos elucida que, apesar de ser o intermediário do pensamento, ele não é o pensamento em si, mas o agente que o transporta e dá vida, onde, mesmo confundindo-os como sendo um só, são distintos entre si:

As propriedades do fluído perispitual dão-nos disso uma ideia. Ele não é inteligente por si mesmo porque é matéria, mas é o veículo do pensamento, das sensações e percepções do espírito. O fluído perispitual não é o pensamento do espírito, mas o agente e o intermediário desse pensamento. Sendo ele o que transmite, fica, de certo modo, impregnado do pensamento transmitido. Na impossibilidade em que nos achamos de isolar o pensamento, parece-nos que ele faz coro com o fluído, dando a entender que são uma coisa só, colo sucede com o som e o ar, de maneira que podemos, a bem dizer, materializá-lo. Assim como dizemos que o ar se torna sonoro, poderíamos, tomando o efeito pela causa, dizer que o fluído se torna inteligente. (KARDEC, 2013, p. 54).

Todavia, muito além de ser o veículo de transmissão do nosso pensamento, transformando-o em energia, é através desse fluido também que nossas preces são sentidas por Deus, ainda quando a proferimos em nosso íntimo, sendo Deus onipresente através do seu fluido perispitual, e, sobre isso, na sequência de A Gênese, Kardec menciona:

Para estender a sua solicitude a todas as criaturas, Deus não precisa lançar o olhar do alto a intensidade. Para que nossas preces sejam ouvidas, não precisam transpor o espaço, nem serem ditas com voz retumbante, porque, estando Deus continuamente ao nosso lado, os nossos pensamentos repercutem nele. Os nossos pensamentos são como sons de um sino, que fazem vibrar todas as moléculas do ar ambiente. (KARDEC, 2013, p. 55).

Não é à toa que Jesus eternizou em seus lábios a frase “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (BÍBLIA ONLINE, 2021), pois é através da vigília e da compreensão da força e poder que carregamos em nosso pensar que deixamos de ser reféns de processos de obsessão, ou de auto obsessão, onde nós mesmos é que entravamos o nosso progresso, e passamos a ser conscientes de tudo que os nossos pensamentos são capazes de fazer.

E, mesmo achando que já é o suficiente, ainda há muitos aprendizados que podemos extrair da doutrina consoladora dos Espíritos, referentes aos nossos pensamentos. Como, por exemplo, a viagem entre tempo e espaço, possível a Espíritos que dominam essa faculdade, mas acessível a todos que querem desenvolvê-la. E, para esclarecer melhor esse tema, trazemos também do livro A Gênese o seguinte trecho:

Ora, digo que o espaço é infinito, pela razão de ser impossível imaginar-se um limite qualquer para ele e porque, apesar da dificuldade com que nos defrontamos para conceber o infinito, mais fácil nos é avançar eternamente pelo espaço, em pensamento, do que parar num ponto qualquer, depois do qual não mais encontrássemos extensão a percorrer. (KARDEC, 2013, p. 90).


E também esse trecho do livro O Céu e o Inferno:

O mundo espiritual está em toda a parte, em torno de nós e no espaço, sem qualquer limite. Por terem natureza fluídica, os seres que compõem o mundo espiritual, em vez de se arrastar penosamente sobre o solo, transpõem grandes distâncias, com a rapidez do pensamento. (KARDEC, 2013, p. 33).

Um exemplo claro sobre essa viagem no tempo e espaço através do pensamento é o desdobramento, que se define por uma faculdade anímica, onde o Espírito se desliga parcialmente do corpo e, com a ajuda da Espiritualidade superior, auxilia em trabalhos diversos, com Espíritos sofredores, suicidas ou também estudando e se desenvolvendo no plano Espiritual.

Além de todas essas explicações pertinentes ao poder do pensamento, podemos ainda acrescentar que é através dele que, ao pensar em determinado Espírito que se encontra desencarnado, conseguimos mandar fluidos necessários para seu refazimento, ou mesmo uma ajuda e luz caso esteja em momento de perturbação. Tudo fruto dessa ligação poderosa que se dá iniciando em nosso pensar. Não só para amparo aos desencarnados, mas é através também das intenções que iniciam pelo pensamento que ocorrem os processos de curas mediúnicas, passes e todo auxílio ao corpo físico que necessita da troca de fluidos, feito pelo médium, que utiliza da força do seu pensamento para manipular as energias necessárias.

Podemos imaginar que, assim como os benéficos, nossos pensamentos sombrios também atravessam a linha de nosso íntimo e vagam no espaço ao encontro daqueles que pensamos, sejam eles encarnados ou não. O sentimento ruim acaba por formar laços ainda maiores e mais embaraçosos de romper quando despertarmos para a necessidade de buscar amor ao nosso próximo. É imprescindível que aprendamos a vigiar e compreender ainda mais sobre o quanto nosso pensamento influencia nas companhias ao nosso redor, assim como na nossa colheita futura, pois, apesar de acharmos que somente nossas ações são sementes que lançamos à espera do colher que estará por vir, também é de nossa responsabilidade a consequência daquilo que emanamos pelo nosso pensar.

E, justamente por isso, os Espíritos nos elucidam que:

A verdadeira pureza não está somente nos atos; está também no pensamento, porquanto aquele que tem puro o coração, nem sequer pensa no mal. Foi o que Jesus quis dizer: ele condena o pecado, mesmo em pensamento, porque é sinal de impureza. (KARDEC, 2002, p. 184).

Ao conseguirmos controlar nossas ações primitivas, que voltemos nosso olhar para aquilo que estamos pensando, que busquemos a pureza nas ações e em nosso pensar, para, assim, estarmos certos de percorrer o caminho da porta estreita, que poucos são os que percorrem, mas que os Espíritos nos mostram ser o único caminho para elevação do nosso próprio Espírito.


Aryanne Karine
Fonte:
Blog Letra Espírita 
 
Referências:

BÍBLIA ONLINE. João 8:32. Disponível em: https://www.bibliaonline.com.br/acf/busca?q=jo%C3%A3o+8%3A32. Acesso em 20 de maio de 2021.

KARDEC, Allan. A Gênese. Tradução de Evandro Noleto Bezerra . 5ª ed. Francesa. Brasília: Editora FEB, 2013.

KARDEC, Allan. O céu e o inferno: a justiça divina segundo o Espiritismo. Tradução de Maria Ângela Baraldi. 2ª ed. São Paulo: Mundo Maior Editora, 2013.

KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Tradução de Guillon Ribeiro. 120ª ed. Rio de Janeiro: Editora FEB, 2002.

27 julho 2021

Desencanto - Joanna de Ângelis

 
DESENCANTO

Por que te dizes frustrado ante os fatos que transcorrem de maneira inesperada, totalmente fora da tua programação e aturdindo-te?

Tens o roteiro seguro, que é a mensagem irretocável do Evangelho de Jesus, para seguir sem a menor margem de equivocação, ao tempo que os benfeitores espirituais te inspiram e socorrem?!

Quaisquer previsões dos técnicos em população e futurologia, cujas informações não têm sido confirmadas por motivos diversos, produzem-te choque emocional.

A sociedade da tecnologia e da computação tem comportamentos inesperados de acordo com as máquinas que rapidamente deixam de ser controladas e passam a conduzir as mentes para fins adrede estabelecidos.

A fascinante inteligência artificial parece pretender substituir os seres humanos em muitos misteres transcendentes quanto simples, condenando-os ao ócio dourado, à inutilidade, a novos vícios para a sobrevivência.

O excesso de prazeres produz o tédio, e as façanhas antes aterradoras passam a constituir-lhe motivo e estímulo para viver.

As máquinas destituídas de sentimentos fomentam o progresso intelectual e permanecem insensíveis aos efeitos emocionais e morais.

Os longos séculos de castração cultural foram substituídos pela liberação total e o ser humano passou a ser consumidor em processo de consumpção pessoal.

Afirmou com segurança Carl G. Juntg que o ser humano é um animal eminentemente religioso, emocional, que necessita do outro para sentir-se completo.

Esse sentimento religioso não é em torno de uma crença metafísica, um teísmo qualquer ou ausência dele. Trata-se de uma religiosidade em torno dos seus ideais de transformação, de crescimento, de conquista do ser transcendente.

Ele raciocina que a vida, na sua magnitude, não pode finar-se com a morte, com a desintegração celular. Tudo à sua volta fala-lhe de complexidade, de infinitude, porque a ele e ao seu pensamento a fatalidade seria o aniquilamento.

A razão proclama-lhe a perenidade de pensar mediante a presença ou não das funções cerebrais.

Passada a atual crise pandêmica os valores indubitavelmente serão outros e a sobrevivência das massas se dará em gloriosos campos de fraternidade e auxílio recíproco.

Neste período de fragmentação social e de cada qual por si mesmo, na alucinada busca do prazer a qualquer custo, a alegria e a revolta andam juntas, de acordo com os ventos que as conduzem. Passa-se do prazer à violência por qualquer motivo e até mesmo quando esse não existe, por interpretação precipitada de algum gesto ou expressão.

O respeito pelo direito do outro, o dever de ser aquele quem proporciona a bênção, a satisfação de ser útil, cederam lugar ao aproveitar da oportunidade para desfrutar, possuir, mesmo que desonestamente e até por meios escusos e danosos.

Desse modo, é muito fácil passar do entusiasmo de um empreendimento ou de um plano ao desencanto, porque se espera mais do outro, do parceiro do que da própria capacidade de oferecer.

* * *

Não te decepciones com os fatos e pessoas dos quais esperavas muito, na expectativa de diferentes ações e reações.

Afligidos por distúrbios íntimos, neste momento de vanglórias, astúcia e deslealdade, também o amor floresce em incontáveis existências que constituem os biótipos do porvir.

Eles já estão chegando, os mensageiros do Evangelho, sem alarde e com abnegação, chamando a atenção pela grandeza dos seus sentimentos, os ideais de grande envergadura que contrastam com as ocorrências nefárias dos enfermos espirituais.

Empunham a arma do bem em vez da arma de agressão, possuem espírito de persuasão e são nobres sob quaisquer aspectos considerados.

Desde a infância demonstram serem diferentes na estrutura moral e psíquica, optando por valores que os aturdidos agridem, mas que são as bases da harmonia interior e da existência feliz.

Outros parecem vencidos ou fora desta realidade de desperdício e de ultrajes, no entanto, estão despertos para realidades mais significativas com as quais se identificam e lutam pela sua implantação.

Assim, continua aspirando o melhor, e se por acaso a resposta da vida é negativa, tem paciência, porque ainda não é este o momento do êxito, ainda faltam ser expungidos muitos venenos que permanecem nas mentes e sentimentos de ódio, derivados do orgulho ferido, que a dor não alcançou, mas que não será evitado. O tempo é um grande amigo da verdade. Tudo quanto não se consegue em um momento, quando menos se espera, acontece,

Crê sinceramente na vitória do amor, esse hálito de vida que tudo sustenta, e dá-lhe ocasião para que conquiste a área perversa que o aguarda.

Assim, busca a tua alma no labirinto do teu corpo e sonha que virão os dias que anelas e as pessoas que concebes nos seus dignificantes programas traçados pelo Alto.

Neste momento, evita a contaminação do mal, dos céticos e cínicos que desdenham da vida e temem a morte, de que não escaparão, satisfazendo-te com as conquistas que te pertencem.

Como pensas e ages em favor da assepsia do corpo, não postergues a da natureza psicológica, cuidando além do visível e preparando-te para alcançar as estrelas além da tua visão.

Desde que te enganaste em relação ao que está acontecendo, muitos existem que te estão utilizando como paradigma e não tens o direito de decepcioná-los também.

Na tua condição de modelo, deves permanecer irretocável quando outros já não o consigam. Os que te amam e confiam esperam alcançar-te, enquanto laboras por unir-te a Jesus.

Mudanças físicas, emocionais, sociais e sobretudo morais estão acontecendo e a ti cabe a tarefa de adaptar-te como os teus ancestrais em os novos tempos da industrialização.

O ser humano tem realizado incomparáveis conquistas, caminhando agora para a iluminação interior.

* * *

Olha em tua volta com lentes que apresentem as paisagens abençoadas que estão sendo organizadas para o futuro.

Pensa em Jesus e Seu amor, recordando o que Ele afirmou: Antes que vós fôsseis eu já era, equivalendo assinalar que tudo isso Ele sabia que iria acontecer. No entanto, não desanimou, não se frustrou e continua ajudando-nos até hoje.

Joanna de Ângelis
Psicografia de Divaldo Pereira Franco, na sessão da noite de 8.3.2021, no Centro Espírita Caminho da Redenção, em Salvador, Bahia.

Sexo e Espiritismo - Adultério e Prostituição - Fernanda Machado

 
SEXO E ESPIRITISMO - ADULTÉRIO E PROSTITUIÇÃO

Queridos irmãos, neste artigo da série “Falando sobre sexo”, abordaremos os temas adultério e prostituição. Ao longo deste nosso estudo, já pudemos notar que é necessário compreender o sexo sob o ponto de vista espiritual, e não apenas material. Além disso, o assunto deve ser estudado com respeito e sem tabus, de forma clara para que possamos aprender a controlar as nossas paixões.

É interessante notar que Moisés trouxe, em um dos dez mandamentos, o tema adultério. É assim que o sétimo mandamento diz: “não cometais adultério”. Devemos entender, então, que desde muito tempo o homem entende o equívoco existente em tal atitude. Porém, até os dias de hoje, vemos muitos casos acontecerem, o tempo todo.

Nos relacionamentos conjugais em que há afeição verdadeira e recíproca, não há espaço para traição. Aqui, estamos nos referindo à afeição real, duradoura, que ocorre entre almas e que sobrevive à morte do corpo material. Haverá um dia em que os casais entenderão esse conceito e saberão que devem estar unidos, se apoiando mutuamente para que cada um progrida em sua evolução moral.

Já em uma relação adúltera, o infiel atrai a companhia de espíritos mal intencionados, já que encarnados e desencarnados estão sempre ligados por pensamentos parecidos. Em zonas boêmias onde impera a luxúria e a devassidão, é comum encontrarmos muitos espíritos acompanhando os homens e mulheres, pois conseguem participar e gozar de todo o ato sexual em conjunto com os encarnados. Também pode acontecer de um encarnado visitar o plano espiritual durante o sono, buscando lugares em que se concentram espíritos que buscam o sexo.

No livro Sexo Além da Morte, um dos personagens, que é casado, ao dormir acaba frequentando um bordel, em zonas inferiores do plano espiritual. Lá, se entrega ao adultério enquanto está em seu corpo espiritual. Ele justifica sua atitude dizendo que nunca obteve carinho da esposa e que optou por encontrar o prazer sexual dessa forma, já que não iria traí-la publicamente entre os homens da Terra.

Ao acordar, guarda a lembrança dessas orgias, porém acha que foram apenas sonhos ou pesadelos. Essa história deixa um alerta para que estejamos sempre vigilantes, a fim de evitar situações penosas e consequências ainda mais devastadoras.

Há maridos e esposas que, ao invés de traírem seus parceiros, optam por pagar uma ou um garota/garoto de programa. É importante salientar que no comércio do sexo, todos saem perdendo: quem paga, quem se vende e quem produz. Isso vale também para os filmes pornográficos. Em ambos os casos, o materialismo e o desejo de posse imperam.

Pode até ser que, de início, a prostituta se deslumbre com o tão falado “dinheiro fácil”: no entanto, ao longo do tempo percebe que a realidade é perversa e seu coração fica cada vez mais torturado. Mas e nos casos de necessidade financeira? Seria então permitido que a mulher venda seu próprio corpo?

Para esclarecer essa pergunta, vamos citar o livro Esculpindo o próprio destino, em que uma jovem chamada Rosimeire se vê em uma situação complicada. Sua mãe tem câncer de mama, porém elas não têm dinheiro para os tratamentos necessários e muito menos plano de saúde. O ex-chefe de Rosimeire, Rodrigo, se mostra disposto a pagar por todo o tipo de cuidados que a mãezinha precisasse, mas para isso a jovem deveria se entregar a ele fisicamente.

Rosimeire fica em dúvida de qual seria o correto proceder, e em suas reflexões entende que ficar com Rodrigo seria um erro, pois Jesus nos pediu que buscássemos a Ele nos momentos difíceis. Dessa forma, a jovem vence suas paixões, pois quando era ainda mais nova tinha sido garota de programa. Ela age certo ao recusar a oferta de Rodrigo e buscar outras formas de ajudar a mãe tão amada.

Portanto, prezados irmãos, aprendemos que sexo é sublime tesouro e não deve ser tratado com desrespeito. Deus nos concedeu esse corpo material como empréstimo, para podermos viver na Terra e superarmos as provas e expiações. Não devemos descuidar da nossa casa física de forma a aumentar ainda mais nossos débitos com as leis divinas. Que nós possamos ter sabedoria e discernimento para guiar nosso livre arbítrio rumo à evolução!

Que possamos aprender e evoluir juntos, rumo ao Criador!

Fernanda Machado
Fonte: Blog Letra Espírita

Referências:

BARCELOS, W. Sexo e evolução. 3ª ed, FEB, Rio de Janeiro, 1994.

CHAGAS, J. Qual a visão espírita do adultério? 2017. Disponível em: https://radioboanova.com.br/estudo_espirita/qual-visao-espirita-do-adulterio/. Acesso em: 25 jun. 2019.

KARDEC, A. O evangelho segundo o espiritismo. FEB, Rio de Janeiro. Edição em formato digital.

KARDEC, A. O Livro dos espíritos. FEB, Rio de Janeiro. Edição em formato digital.

KÜHL, E. Sexo sublime tesouro, 1ªed, Editora espírita cristã Fonte Viva, Belo Horizonte, 1992.

NEILMORIS, L. Sexualidade sob um olhar espírita. Distribuição em formato digital pelo portal Luz Espírita, 2011.

RANIERI, R. A. O Sexo além da morte, orientado pelo espírito André Luiz. 10ªed, Editora da Fraternidade, Guaratinguetá, 1991.

RUIZ, A. L. Esculpindo o próprio destino, pelo espírito Lucius. 1ª ed e-book, Ide Editora, Araras, 2011.

VIEIRA, W. XAVIER, F. C. Evolução em dois mundos, pelo espírito André Luiz.

VIEIRA, W. XAVIER, F. C. Sexo e destino, pelo espírito André Luiz. 12ªed, FEB, 2008.

XAVIER, F. C. Vida e sexo, pelo espírito Emmanuel. 1ªed, FEB, 1970.

26 julho 2021

Prerrogativas - Joanna de Ângelis

 
PRERROGATIVAS

A existência na Terra, em si mesma, é alta concessão da Divindade, para todos que nos encontramos no afã de conseguir a libertação dos atavismos ancestrais, que nos jugulam, ainda, no primarismo da origem orgânica.

Viver, portanto, no corpo somático, dando curso ao impositivo da evolução, é bênção que não pode ser desconsiderada ou malbaratada inutilmente.

O progresso é lei irreversível, e ninguém consegue evadir-se da sua injunção.

Passo a passo, a criatura avança, conquistando o conhecimento que ajuda a discernir e aprimorando o sentimento que facilita a emoção sublimada.

Na inevitável correnteza da reencarnação, o Espírito ascende atraído pela grande luz do amor de Nosso Pai, que lhe constitui a aspiração máxima.

Esse fatalismo resulta da própria origem do ser, que se encontra ínsita no Psiquismo Divino.

Passando pelos diferentes níveis do processus, superou o entorpecimento no mineral, adquiriu a sensibilidade no vegetal, conseguiu o instinto no animal, despertando, por fim, para a razão hominal e continuando futuro afora, galgando patamares mais elevados, que culminarão na plenitude que o aguarda, quando concluídas as etapas indispensáveis que lhe cumpre vencer.

Direcionado por essa compreensão, obstáculo algum pode impedir-lhe o avanço, antes lhe constituindo desafio que o fascina e aguarda pela superação.

À medida que o Espírito desenvolve as suas aptidões, mais percebe que as dificuldades são testes de avaliação para sua capacidade solucionadora de problemas, porquanto, convidado a novos embates, mais amplia o discernimento e melhor desenvolve os recursos que lhe dormem latentes, jamais lhe constituindo impedimento à marcha.

Quem se resolve pela lamentação ante a montanha que deve galgar nunca desfruta da paisagem imensa, atraente, que se descortina do alto. Assim também, aquele que se compraz com o vale estreito perde a oportunidade de viajar pelos horizontes infinitos que deslumbram.

O estágio prolongado na planície ou a montanha depende de quem aí se instala. A vida propõe sempre a elevação, a conquista de mais felizes patamares, em intérmina luta de valorização do ser. Quem, portanto, propõe-se à libertação dos vínculos com a retaguarda, com a horizontalidade, facilmente alcança as metas plenificadoras.

O ser humano está fadado à glória estelar. No entanto, cumpre-lhe avançar sem descanso, jamais se entregando ao desânimo ou recuando ante as dificuldades. Se para, tem como objetivo recuperar as forças, a fim de da continuidade ao programa estabelecido.

Nenhuma prerrogativa, portanto, de exceção, nesse programa iluminativo, que faculte ao indivíduo honestamente dedicado ao crescimento interior permitir-se ascensão sem as experiências nas fases iniciais do desenvolvimento que lhe cumpre conquistar.

As suas prerrogativas, aquelas que lhe dizem respeito, são assinaladas pelas lutas de superação de si mesmo, nas variadas etapas pelas quais deve passar, assinalando o caminho com as vitórias que são conseguidas.

A própria consciência do dever estabelece os limites de repouso e as diretrizes de trabalho para a empresa encetada, que não pode sofrer solução de continuidade.

Quando o Espírito descobre o real significado da existência, empenha-se na conquista de si mesmo e dos valores que proporcionam o desenvolvimento infinito, não mais se submetendo às circunstâncias limitadoras.

* * *

Certamente existem prerrogativas nem sempre levadas em conta pelo indivíduo, destacando-se a de servir sempre e sem desfalecimento, assim construindo o bem por onde passa, deixando marcas positivas das suas realizações, que equivalem a tesouros que o iluminam por dentro.

Sempre se pensa que, diante de algumas conquistas, credencia-se a merecer prestígio e consideração que, em realidade, são sinais de decadência no cumprimento dos deveres morais abraçados.

Todo aquele que aspira à felicidade labora sem descanso para consegui-la, investindo energia e capacidade intelectual para deslindar-se dos difíceis cipoais da comodidade, do prazer, da ociosidade que espera sempre poder desfrutar privilégios que não merece.

As leis da Evolução funcionam em regime de igualdade para com todos os seres do Universo, abrindo o elenco das possibilidades de triunfo para aqueles que se lhes submetem através do empenho e do interesse por consegui-lo.

Prerrogativas, pois, disputadas pelas criaturas humanas encontram-se fora dos códigos que regem a vida, propondo, em si mesma, a solidariedade que a todos deve unir, o trabalho que não cessa, a alegria de realizar-se, que significa, estímulos para novos avanços.

Uma análise profunda em torno das prerrogativas que devem assinalar o indivíduo no seu processo de crescimento espiritual deve ter em conta a honra de estar consciente das suas responsabilidade e tarefas, o júbilo de encontrar-se desperto para a realidade estrutural, que é transcendente.

Aquele que está consciente do que deve fazer e de como proceder brilha e age em consonância com o grau de entendimento, porque já não crê na sua vitória sobre as paixões dissolventes, mas sabe que o triunfo é inevitável, pois para conquistá-los é que luta. * * *

Empenha-te na vivência da prerrogativa de que és filho de Deus, rumando para o Infinito, e segue intimorato, fazendo o melhor ao teu alcance, sem preocupar-te com os problemas do cotidiano.

Quem se não esforça para atingir o cume da subida, reclama na baixada, vencendo pela comodidade perturbadora.

Somente os heróis sobre si mesmos merecem os lauréis da paz e da plenitude – prerrogativas, estas sim, da batalha sem quartel travada nos campos da consciência.

Joanna de Ângelis
Psicografia de Divaldo Pereira Franco


25 julho 2021

Os Seres Humanos e os Animais - Juliana Procópio

 
O SERES HUMANOS E OS ANIMAIS

A ligação dos seres humanos e os animais em nosso planeta, segundo ás pesquisas científicas, remontam do período neolítico há cerca de doze mil anos quando os homens começaram a aprender a cultivar a terra e plantar, além de criar animais. Essa relação entre homens e animais permitiu que ambos pudessem coevoluir adaptando-se aos novos tempos.

Com o passar do tempo a relação que era meramente de subsistência, vendo o animal como uma fonte de armazenamento de alimentos e força para o trabalho, passou a ter um envolvimento emocional e de respeito.

Atualmente com os movimentos de proteção dos animais esses nossos irmãozinhos estão conquistando direitos à vida e ao respeito à sua existência.

Nas obras básicas espíritas aprendemos que os animais são seres imortais e que assim como os homens estão no processo evolutivo através da Lei de Reencarnação progredindo de estágio em estágio. Espera-se que na relação com os seres humanos eles possam evoluir com nosso auxílio e respeito no caminho ao progresso espiritual de forma fraterna e harmoniosa.

Segundo a questão 595 do Livro dos Espíritos sobre os animais terem livre-arbítrio a espiritualidade responde que:

“Não são simples máquinas, como supondes*, mas sua liberdade de ação é limitada pelas suas necessidades, e não pode ser comparada à do homem. Sendo muito inferiores a este, não têm os mesmos deveres. Sua liberdade é restrita aos atos da vida material”.

Assim, através dessa relação do ser humano com os animais, somos responsáveis por sua educação e pela reeducação de seus instintos agressivos. Se falharmos nesse processo somos responsáveis por suas atitudes.

“O animal atravessa longas eras de provas a fim de domesticar-se, tanto quanto o homem atravessa outras tantas longas eras para instruir-se”… (Emmanuel)

Segundo Ricardo de Melo, em seu artigo “Nós e os Animais”, “nosso compromisso enquanto espíritas é nos conscientizarmos de quem somos. E os animais estão caminhando na sua trajetória evolutiva, assim como todos nós humanos, afinal, somos todas criaturas de Deus. Como o contato dos humanos com os animais produz um efeito muito positivo para ambos, é muito importante entendermos melhor essa relação e como estamos conectados de maneira profunda. Devemos tratar os animais com carinho e respeito. A ideia não é humanizá-los, mas respeitar as necessidades de seu reino”.

Mas será que os animais são apenas instintivos? Na questão 593 do Livro dos Espíritos a espiritualidade nos informa que:

“Ainda nisso há um sistema. É bem verdade que o instinto domina na maioria dos animais: mas não vês que há os que agem por uma vontade determinada? É que têm inteligência, porém ela é limitada”.

Kardec comenta sobre essa resposta:

“Além do instinto, não se poderia negar a certos animais a prática de atos combinados, que denotam a vontade de agir num sentido determinado e de acordo com as circunstâncias. Há neles, portanto, uma espécie de inteligência, mas cujo exercício é mais precisamente concentrado sobre os meios de satisfazer as suas necessidades físicas e prover à conservação. Não há entre eles nenhuma criação, nenhum melhoramento; qualquer que seja a arte que admiremos em seus trabalhos, aquilo que faziam antigamente é o mesmo que fazem hoje, nem melhor nem pior, segundo formas e proporções constantes e invariáveis. Os filhotes separados de sua espécie não deixam de construir o seu ninho de acordo com o mesmo modelo, sem terem sido ensinados. Se alguns são suscetíveis de uma certa educação, esse desenvolvimento intelectual, sempre fechado em estreitos limites, é devido à ação do homem sobre uma natureza flexível, pois não fazem nenhum progresso por si mesmos, e esse progresso é efêmero, puramente individual, porque o animal, abandonado a si próprio, não tarda a voltar aos limites traçados pela Natureza”.

Portanto é a nossa interação com eles que fazem com que muitas vezes demonstrem atitudes quase humanas.

No Livro dos Espíritos nas questões 596 á 610 a espiritualidade nos traz respostas a várias questões, como a espiritualidade dos animais, erraticidade e sua evolução e é uma boa dica de leitura para compreendermos a responsabilidade que temos ao adotar um animal ou conviver com eles.

Nesse momento pandêmico que vivemos podemos observar como a relação com os animais vem se fortalecendo e crescendo. É só dar uma volta nas redes sociais e vemos pessoas que adotaram ou foram “adotadas” por seus pets e a transformação em suas vidas. Infelizmente na mesma linha ainda vemos muita crueldade deferida a eles. Esse processo é longo e sabemos o quanto se paramos para refletir nas informações trazidas pela ciência. Cabe a nós a busca do conhecimento e em nosso caminho evolutivo caminhar lado a lado com nossos irmãos sejam humanos sejam animais.

Que sejamos luz.

Juliana Procópio
Fonte:
Blog Letra Espírita

Referências:

1-Nós e os animais,
https://www.gruposcheilla.org.br/blog/2017/10/25/nos-e-os-animais/ (acesso em 05/05/2021).

2-Uma questão espiritual: O Animal e o Homem. Sueli Ines Arruda Issa. In Jornal IEE Jul/Ago 2013. In http://ieesp.org.br/wp-content/uploads/2017/04/Jornal-IEE-Jul-Ago-2013-final-folheto.pdf (acesso em 05/05/2021).


24 julho 2021

Conversa com os espíritos: na teoria e na prática com Kardec - Izabel Vitusso


CONVERSA COM OS ESPÍRITOS: 
NA TEORIA E NA PRÁTICA COM KARDEC

Neste ano, em janeiro, O livro dos médiuns completou 160 anos, lançado por Allan Kardec, em Paris, como complemento de O livro dos espíritos. Segunda obra da codificação espírita, seu conteúdo está voltado ao ensino dos espíritos sobre a teoria e a parte experimental de todos os gêneros de manifestações, os meios de comunicação com o mundo invisível, o desenvolvimento da mediunidade, as dificuldades e os escolhos que se podem encontrar na prática do espiritismo.

Kardec se referiu à obra como um “repositório de instrução prática”, alertando não se destinar exclusivamente aos médiuns, mas a todos os que estivessem em condições de ver e observar os fenômenos espíritas.

O codificador não cansou de chamar a atenção para o fato de a prática do espiritismo ser um ‘campo vasto’, rodeada de dificuldades, nem sempre isenta de inconvenientes a que só o estudo comprometido e completo poderia auxiliar, não se admitindo experiências levianas ou divertimento. “Dirigimo-nos aos que veem no espiritismo um objetivo sério, que lhe compreendem toda a gravidade e não fazem das comunicações com o mundo invisível um passatempo”, advertiu.

Passados 160 anos e o alerta continua fundamental, uma lição inesquecível, como um código de conduta para quem tem compromisso com o trabalho da divulgação do espiritismo, considerando a interação com os espíritos e a responsabilidade na análise e na publicação do material que deles possa vir, em nome da propagação correta da doutrina espírita.

Expansão da literatura

Pelo crivo da razão é que passaram as incontáveis obras que enriqueceram as bases do espiritismo e auxiliaram no maior entendimento da nova realidade trazida pelos espíritos. Muitos deles, clássicos escritores, como Léon Denis, Gabriel Delanne, Ernesto Bozzano, Camille Flammarion, Albert de Rochas, Amália Domingos Soler, Cesare Lombroso, Gustave Geley, para citar muito poucos, deixaram sua marca na literatura que se seguiu às obras da codificação.

Já no Brasil, nas primeiras décadas do século 20, a produção literária espírita contou com o grande apoio das obras psicografadas, que revelaram nomes de médiuns, como Zilda Gama, Dolores Bacelar, Yvonne do Amaral Pereira, Divaldo Franco, tendo o médium Francisco Cândido Xavier, nesse período, dado grande contribuição, com o legado de mais de 400 obras ditadas pelos espíritos, em grande parte romances históricos, crônicas, coleção de estudos e reflexões sobre mensagens do Evangelho.

Ampliando o diálogo

Numa dessas publicações, de 1941, Chico Xavier psicografa uma obra até então genuína, com respostas de Emmanuel sobre temas propostos, ideia acatada pelo espírito numa das reuniões do Grupo Espírita Luiz Gonzaga, em Pedro Leopoldo, MG, quando os participantes buscavam ampliar o entendimento sobre os três aspectos do espiritismo.

A obra, O consolador1, tornou-se uma das referências na literatura espírita, com mais de 400 perguntas sobre temas doutrinários. Antes de respondê-las, o mentor espiritual precaveu o grupo de que não seria dele a última palavra sobre os assuntos, e com modéstia colocava-se à disposição para cooperar da melhor forma. Também esclareceu Emmanuel que não se deteria em exames técnicos de questões científicas, ou no objeto das polêmicas da filosofia e das religiões, intensamente movimentados “nos bastidores da opinião”.

Sobre o fato de se inquirir os espíritos, Allan Kardec elucida em O livro dos médiuns (questões 286 a 296) que é preciso se ter um fim útil para o intercâmbio e que se deve atentar sempre para “a forma e o fundo”, devendo as perguntas ser redigidas com clareza e precisão, evitando-se questões complexas. Lembrou sabiamente que “é a natureza da pergunta que provoca uma resposta correta ou falsa”.

O codificador também disse que as perguntas, longe de serem um inconveniente, são de grande utilidade, do ponto de vista da instrução, “quando se sabe encerrá-las nos limites desejados”.

Saber questionar

Sobre o fato de se organizar em forma de perguntas uma interação mais direta com os espíritos, a Sociedade Espírita Primavera, de Juiz de Fora, MG, lançou em 2019 um livro – Diálogos espíritas – fruto de um trabalho semelhante ao citado e que teve início através do contato em reuniões espíritas, por muito tempo, com o espírito Ivon. Ele se revelou, durante o extenso convívio, um grande defensor dos princípios filosóficos espíritas, e um expressivo trabalhador, na instrução e no amadurecimento dos grupos em que se fazia presente.

O grupo, que tem à frente os organizadores Daniel Salomão, Humberto Schubert Coelho e o médium Vinícius Lara – todos com sólido conhecimento, vivência doutrinária e apurada formação acadêmica –, propôs à entidade questões e problemas atuais da reflexão espírita, como o rumo do próprio movimento espírita, os embates ideológicos e culturais, a mediunidade aplicada ao trabalho em suas mais amplas acepções, temas filosóficos sobre os postulados espíritas à luz da atualidade, e tantos outros, cuidadosamente pensados e apresentados, seguindo a orientação de que fossem bem trabalhadas, pouco ambíguas e compatíveis com a experiência e competência individuais do espírito.

Leitura crítica

Conscientes da tarefa e com o senso crítico apurado, ao disponibilizar o resultado do trabalho de anos em formato de livro, o grupo faz o convite para que o leitor também exercite a recomendação de uma leitura criteriosa, com o uso do bom senso e da atenção ao ‘método do controle universal do ensino dos espíritos’, que coloca toda informação frente a frente com o conhecimento já consolidado.

Ao falar sobre a necessidade da leitura crítica de qualquer obra, Daniel Salomão lembra também que, se por um lado há os que aceitam indiscriminadamente tudo o que é admitido como mediúnico, há no outro extremo os que rejeitam todo trabalho psicográfico. “Para alguns, tudo estaria pronto em Kardec”, ressalta o pesquisador, complementando ser esse pensamento contrário à proposta do codificador, que nunca se colocou como único apto, nem pretendeu ter em sua obra o esgotamento do assunto.

Salienta também que não há como haver ‘controle universal do ensino dos espíritos’ se textos e possíveis ensinos não forem publicados!

“Não é possível encontrar concordância em mensagens que não são lidas e divulgadas responsavelmente. Não devemos temer a mediunidade nos dias de hoje, pois nunca tivemos tanto à disposição para acolhê-la com segurança”, conclui.

Algumas abordagens do livro

Poder-se-ia dirigir mais frequentemente questões de caráter científico e problemático aos espíritos de modo ainda mais específico do que se tem praticado?

Compreendemos que o desenvolvimento da ciência humana é atribuição dos encarnados, pois que se ancora ao tempo e ao espaço em que se desenvolve, não cabendo aos desencarnados maiores intervenções do que a sugestão intuitiva daquilo que poderia ser mais útil neste ou naquele campo de saber, em relação com o amadurecimento coletivo das populações. Foi assim inclusive, que grandes projetos artísticos e científicos se desenvolveram ao longo da história, mas sempre reservando aos homens a função de protagonistas na evolução do planeta.

De que forma devemos aplicar hoje o princípio do ‘controle universal do ensino dos espíritos’?

Exatamente da mesma maneira que Allan Kardec, Léon Denis e outros pioneiros do espiritismo o faziam. Inicialmente, entre as atividades mediúnicas da própria instituição, para, em seguida, através do contato salutar com as demais agremiações irmãs, expandir o controle das informações espíritas às raias do que chamamos movimento organizado. Para tanto, todavia, cumpre que a mediunidade seja encarada novamente como parte do corpo de práticas e pesquisas, saindo do campo do tabu religioso e adentrando novamente no espaço da ciência natural de consequências morais.

Estando a lei moral escrita na consciência, é da falta de meditação ou da malícia que decorrem os erros dos homens?

Os erros decorrem da inércia reencarnatória. Por séculos a mente acumula camadas e mais camadas de hábitos iludidos ao longo das encarnações sucessivas. O ego, que deve ser entendido enquanto estrutura mental consolidada, aprendeu no tempo quais os meios mais eficazes para supostamente fugir do sofrimento, sendo esta a origem das especificidades psicológicas e psíquicas assumidas por cada indivíduo, em busca da manutenção de sua visão de mundo. Diálogos espíritas, org. Daniel Salomão e Humberto Schubert Coelho, Editora Sociedade Espírita Primeira, 2019.

Controle universal do ensino dos espíritos

Estava nos planos superiores a nova revelação chegar aos homens por um meio mais rápido e autêntico. Eis porque os espíritos manifestaram-se por toda parte, sem dar a ninguém a exclusividade de ouvir a sua palavra, porque um homem poderia ser enganado, mas não aconteceria assim se milhões deles ouvissem a mesma coisa, o que é uma garantia para cada um e para todos. Os espíritos, comunicando-se por toda parte, seriam aceitos por todos, sem nacionalidade exclusiva e independe de todos os cultos particulares. Esta universalidade do ensino dos espíritos faz a força do espiritismo e também encerra uma garantia contra dissidências que poderiam ser suscitadas, quer pela ambição de alguns, quer pelas contradições de certos espíritos. (Baseado na introdução de O evangelho segundo o espiritismo.)

Izabel Vitusso
Fonte:
Correio.News

23 julho 2021

Nem pera, nem uva, nem maçã - Marcelo Teixeira


NEM PERA, NEM UVA, NEM MAÇÃ

Salviano, amigo de uma tia minha, é motorista de ônibus aposentado. Mesmo assim, ainda trabalha. Adélia, esposa dele, é cozinheira de mão cheia. Para reforçar o orçamento doméstico e ajudar a pagar a faculdade do filho caçula, ela já fez sorvete, empadão e afins. Atualmente, cozinha e entrega refeições prontas. Todos os dias, quatro opções de pratos, além de guarnições e bebidas.

Certa vez, Salviano, em conversa com minha tia, declarou, de forma despretensiosa e sorridente: “Aqui em casa tem sempre banana e laranja. As outras frutas, não dá para comprar, mas banana e laranja não faltam!” Já faz um tempo que essa tia me contou isso. À época, Adélia ainda não entregava comida em domicílio e o país não estava o horror que está hoje. Pode ser que a situação da família tenha melhorado, não sei. Mesmo assim, considerando o fato de que Salviano ainda dirige ônibus e Adélia continua se desdobrando no fogão, tudo leva a crer que a fruteira continua pouco diversificada. Se for assim, concluo que se o fato de somente conseguirem comprar dois tipos de frutas me incomodava há alguns anos, hoje, quando me lembro dessa história, o incômodo retorna. E aumenta porque Salviano não tinha consciência da gravidade do que disse, à época.

Nosso país é terra generosa. Temos uma imensa biodiversidade, que vai da Amazônia ao cerrado, passando pela caatinga, os pampas, Mata Atlântica… Aqui, “em se plantando, tudo dá”, como diz a carta de Pero Vaz Caminha, escrita em 1500, quando os portugueses aqui aportaram. É imensa, portanto, a profusão de produtores de frutas, legumes e verduras. Por que, num país tão rico de solo fértil e água abundante, há tanta gente como Adélia e Salviano?

Thiago Lima, professor de relações internacionais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e coordenador do grupo de pesquisa sobre fome e relações internacionais da mesma instituição, é espírita, para nossa sorte. Em 20 de maio de 2021, ele concedeu, ao Coletivo Espíritas à Esquerda, uma entrevista em que aborda temas graves relacionados à fome.

Com vastos dados disponíveis, já que é estudioso da questão (e à luz da doutrina espírita), Thiago mostra que nosso país tem sua história fundamentada na fome, e sob vários aspectos. Um deles evidencia: o Brasil produz mais alimentos para exportar do que para alimentar a população nativa. Dessa forma, quanto menos o brasileiro comer, mais produtos disponíveis haverá para exportação. Assim, os grandes fazendeiros e latifundiários lucram mais. Em contrapartida, encherão menos os cofres se a comida ficar por aqui, já que os lucros oriundos do mercado interno não são tão polpudos se comparados com o que ganham quando vendem comida para outros países. Por isso, muitas vezes, pagamos caro pelos alimentos que compramos no supermercado. Aí, frutas que poderiam estar na mesa de gente como Adélia e Salviano se tornam inacessíveis. Sobram bananas e laranjas; se bem que, na atual conjuntura, creio que, para muita gente, está difícil garantir as duas na fruteira.

Há um agravante na história do casal: Salviano é gordinho e Adélia, obesa. A olho nu, jamais enxergaremos neles pessoas com problemas nutricionais. Afinal, parecem bem alimentados. Pode parecer estranho para muitos, mas houve uma época, no país, em que ser gordo era sinônimo de opulência, saúde e ostentação. Sinal de que a pessoa tinha dinheiro para ter uma mesa farta e se deliciar em lautos cafés da manhã, almoços e jantares. Ao mesmo tempo, ser magro era sinônimo de miséria, principalmente quando o retirante nordestino era retratado em pinturas de artistas como Cândido Portinari e em romances como “O Quinze”, de Rachel de Queiróz; e “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos. A situação se inverteu. Hoje em dia, quem tem dinheiro demonstra isso por meio de um corpo em forma – seja através de exercícios físicos, alimentação balanceada e intervenções como lipoaspiração, cirurgias plásticas e afins. Afinal, manter tudo isso custa caro. Por outro lado, quem tem pouco dinheiro para se sustentar irá optar por alimentos mais baratos; saturados, porém, de gordura, açúcar, sal, sódio etc. e parcos em nutrientes. Estamos falando de biscoitos, farinha branca, frituras, arroz branco, doces variados… É um excesso de peso devido a uma alimentação pobre em zinco, ferro, betacaroteno, iodo, cálcio, vitaminas… O resultado é a obesidade e doenças como hipertensão, insuficiência respiratória, além de variações de humor, contrações musculares e outros tantos distúrbios.

Uma alimentação desprovida dos nutrientes como os já citados provoca uma fome intermitente que os bolos e salgadinhos da vida não conseguem saciar, por mais que sejam consumidos. Dá-se a esse fenômeno o nome de síndrome da fome oculta. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), ela é uma carência “desenvolvida em pessoas que não fazem alimentações variadas em relação aos grupos alimentares. Dessa forma, uma pessoa pode até consumir uma quantidade determinada de calorias por dia, mas se na alimentação não houver diversos nutrientes, ela não provocará saciedade e desencadeará a fome oculta”, conforme explica o site Mundo Educação em texto intitulado “Fome oculta”. Pessoas que comem dessa forma correm o risco, ainda segundo o site, de se tornarem obesas desnutridas, por mais paradoxal que possa ser. É a fome e suas mais variadas facetas, desencadeadas pelo egoísmo dos homens poderosos.

Em “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, Allan Kardec, no capítulo XIX, item 8, transcreve a Parábola da Figueira que Secou. Ela está contida no Novo Testamento. Mais precisamente, no Evangelho de Marcos, 11: 12 a 14, 20 a 23. Diz a parábola que Jesus, ao sair da cidade de Betânia junto com os discípulos, teve fome e se dirigiu a uma figueira. Como não era tempo de figos, só havia folhas. Jesus, então, disse à árvore: “Que ninguém coma de ti fruto algum”. No dia seguinte, ao passarem novamente pelo local, a figueira estava seca.

Jesus, por ser um espírito de escol, não iria amaldiçoar uma pobre árvore porque ela não lhe saciou a fome. Aliás, ele nada amaldiçoaria. Estamos falando de um espírito muito elevado que passou pela Terra. Ele aproveitou o fato de não ser época de figos (e talvez de a figueira já estar em processo de secagem) para mostrar que toda e qualquer pessoa, instituição ou similar que vivem só de brilho e não têm solidez estão fadadas a perecer. Isso diz respeito também, a meu ver, a um sistema político-econômico que empurra para as pessoas uma alimentação profusa em embalagens coloridas, nomes atraentes e milionárias campanhas publicitárias; pobres, porém, de conteúdo. Em suma: uma alimentação bastarda que em nada contribui para a saúde física. Ao mesmo tempo, esse mesmo sistema privilegia o mercado externo em detrimento dos filhos da própria terra. É como se as prateleiras repletas de supérfluos e produtos pobres em nutrientes fossem pomares de figueiras secas a produzir famintos ocultos e potenciais detentores de enfermidades ocasionadas por má alimentação. O tempo se encarregará de secá-las e de fazerem brotar árvores com figos carnudos, ou seja, alimentação rica em nutrientes e acessível a todos.

E a figueira seca, por incrível que pareça, também está presente no colorido da seção de frutas. Por qual motivo? Porque, embora tenras e convidativas, se mostram inacessíveis a grande parte da população, que não tem condições de bancar uma mesa farta. Uma figueira que seca por estar tão perto e, ao mesmo tempo, distante das mãos famintas por uma alimentação saudável. Alguém aqui já parou para pensar como deve ser duro uma pessoa entrar no supermercado, mirar as bancas de frutas e ressentir-se por não ter condições de levar para casa uma boa quantidade do que está à sua frente? Já imaginaram como deve ser duro sentir o cheiro do abacaxi e não ter dinheiro para comprá-lo? Dia virá em que essas figueiras estarão ao alcance de todas as mãos. Afinal, quem tem fome e sede de justiça (social, inclusive) será saciado.

Quando eu era criança, brincava de “Pera, uva ou maçã”. Dependendo da escolha, ganhava um aperto de mão, um abraço ou um beijo de quem havia escolhido de forma aleatória, já que ficávamos de costas para os demais participantes. Fico imaginando Salviano e Adélia entrando no mercado para fazer compras e tendo de pegar apenas o essencial. Na seção de frutas, apesar da abundância de espécimes que há, só irão levar banana e laranja. Garanto a vocês que a visão, o olfato, o tato e o paladar de ambos se aguçam ante a profusão de cores e sabores oferecida pelas demais frutas. Para eles, no entanto, apenas banana e laranja. Nem pera, nem uva, nem maçã. Tampouco mamão, morango, pêssego, abacaxi, melão, abacate, caqui, manga, melancia, figo, tangerina…

Este assunto não se esgotou para mim. Retornarei a ele em breve.

Marcelo Teixeira
 
 
Bibliografia:

ESPÍRITAS À ESQUERDA – Espiritismo e combate à fome. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=EgGfQr95sXU KARDEC, Allan – O Evangelho Segundo o Espiritismo, 2ª edição, 2018, Federação Espírita Brasileira, Brasília, DF. MUNDO EDUCAÇÃO – Fome oculta. Disponível em  https://mundoeducacao.uol.com.br/doencas/fome-oculta.htm

22 julho 2021

O coração do Mundo - Humberto de Campos

 
O CORAÇÃO DO MUNDO

O mundo político e social do Ocidente encontrava-se exausto.

Desde as pregações de Pedro, o Eremita, até a morte do Rei Luís IX, diante de Túnis, acontecimento que colocara um dos derradeiros marcos nas guerras das Cruzadas, as sombras da idade medieval confundiram as lições do Evangelho, ensangüentando todas as bandeiras do mundo cristão.

Foi após essa época, no último quartel do século XTV, que o Senhor desejou realizar uma de suas visitas periódicas à Terra, a fim de observar os progressos de sua doutrina e de seus exemplos no coração dos homens.

Anjos e Tronos lhe formavam a corte maravilhosa. Dos céus à Terra, foi colocado outro símbolo da escada infinita de Jacob, formado de flores e de estrelas cariciosas, por onde o Cordeiro de Deus transpôs as imensas distâncias, clarificando os caminhos cheios de treva. Mas, se Jesus vinha do coração luminoso das esferas superiores, trazendo nos olhos misericordiosos a visão dos seus impérios resplandecentes e na alma profunda o ritmo harmonioso dos astros, o planeta terreno lhe apresentava ainda aquelas mesmas veredas escuras, cheias da lama da impenitência e do orgulho das criaturas humanas, e repletas dos espinhos da ingratidão e do egoísmo.

Embalde seus olhos compassivos procuraram o ninho doce do seu Evangelho; em vão procurou o Senhor os remanescentes da obra de um de seus últimos enviados à face do orbe terrestre. No coração da Umbria haviam cessado os cânticos de amor e de fraternidade cristã. De Francisco de Assis só haviam ficado as tradições de carinho e de bondade; os pecados do mundo, como novos lobos de Gúbio, haviam descido outra vez das selvas misteriosas das iniqüidades humanas, roubando às criaturas a paz e aniquilando-lhes a vida.

— Helil — disse a voz suave e meiga do Mestre a um dos seus mensageiros, encarregado dos problemas sociológicos da Terra — meu coração se enche de profunda amargura, vendo a incompreensão dos homens, no que se refere às lições do meu Evangelho. Por toda parte é a luta fratricida, como polvo de infinitos tentáculos, a destruir todas as esperanças; recomendei-lhes que se amassem como irmãos, e vejo-os em movimentos impetuosos, aniquilando-se uns aos outros como Cains desvairados.

— Todavia — replicou o emissário solícito, como se desejasse desfazer a impressão dolorosa e amarga do Mestre — esses movimentos, Senhor, intensificaram as relações dos povos da Terra, aproximando o Oriente e o Ocidente, para aprenderem a lição da solidariedade nessas experiências penosas; novas utilidades da vida foram descobertas; o comércio progrediu além de todas as fronteiras, reunindo as pátrias do orbe. Sobretudo, devemos considerar que os príncipes cristãos, empreendendo as iniciativas daquela natureza, guardavam a nobre intenção de velar pela paisagem deliciosa dos Lugares Santos.

Mas — retornou tristemente a voz compassiva do Cordeiro — qual o lugar da Terra que não é santo? Em todas as partes do mundo, por mais recônditas que sejam, paira a bênção de Deus, convertida na luz e no pão de todas as criaturas. Era preferível que Saladino guardasse, para sempre, todos os poderes temporais na Palestina, a que caísse um só dos fios de cabelo de um soldado, numa guerra incompreensível por minha causa, que, em todos os tempos, deve ser a do amor e da fraternidade universal. E, como se a sua vista devassasse todos os mistérios do porvir, continuou:

— Infelizmente, não vejo senão o caminho do sofrimento para modificar tão desoladora situação. Aos feudos de agora, seguir-se-ão as coroas poderosas e, depois dessa concentração de autoridade e de poder, serão os embates da ambição e a carnificina da inveja e da felonia, pelo predomínio do mais forte.

A amargura divina empolgara toda a formosa assembléia de querubins e arcanjos. Foi quando Helil, para renovar a impressão ambiente, dirigiu-se a Jesus com brandura e humildade:

— Senhor, se esses povos infelizes, que procuram na grandeza material uma felicidade impossível, marcham irremediavelmente para os grandes infortúnios coletivos, visitemos os continentes ignorados, onde espíritos jovens e simples aguardam a semente de uma vida nova. Nessas terras, para além dos grandes oceanos, poderíeis instalar o pensamento cristão, dentro das doutrinas do amor e da liberdade.

E a caravana fulgurante, deixando um rastro de luz na imensidade dos espaços, encaminhou-se ao continente que seria, mais tarde, o mundo americano.

O Senhor abençoou aquelas matas virgens e misteriosas. Enquanto as aves lhe homenageavam a inefável presença com seus cantares harmoniosos, as flores se inclinavam nas árvores ciclópicas, aromatizando-lhe as eterizadas sendas. O perfume do mar casava-se ao oxigênio agreste da selva bravia, impregnando todas as coisas de um elemento de força desconhecida. No solo, eram os silvícolas humildes e simples, aguardando uma era nova, com o seu largo potencial de energia e bondade.

Cheio de esperanças, emociona-se o coração do Mestre, contemplando a beleza do sublimado espetáculo.

— Helil — pergunta ele — onde fica, nestas terras novas, o recanto planetário do qual se enxerga, no infinito, o símbolo da redenção humana?

— Esse lugar de doces encantos, Mestre, de onde se vêem, no mundo, as homenagens dos céus aos vossos martírios na Terra, fica mais para o sul. E, quando no seio da paisagem repleta de aromas e de melodias, contemplavam as almas santificadas dos orbes felizes, na presença do Cordeiro, as maravilhas daquela terra nova, que seria mais tarde o Brasil, desenhou-se no firmamento, formado de estrelas rutilantes, no jardim das constelações de Deus, o mais imponente de todos os símbolos.

Mãos erguidas para o Alto, como se invocasse a bênção de seu Pai para todos os elementos daquele solo extraordinário e opulento, exclama então Jesus:

— Para esta terra maravilhosa e bendita será transplantada a árvore do meu Evangelho de piedade e de amor. No seu solo dadivoso e fertilíssimo, todos os povos da Terra aprenderão a lei da fraternidade universal. Sob estes céus serão entoados os hosanas mais ternos à misericórdia do Pai Celestial.

Tu, Helil, te corporificarás na Terra, no seio do povo mais pobre e mais trabalhador do Ocidente; instituirás um roteiro de coragem, para que sejam transpostas as imensidades desses oceanos perigosos e solitários, que separam o velho do novo mundo.

Instalaremos aqui uma tenda de trabalho para a nação mais humilde da Europa, glorificando os seus esforços na oficina de Deus. Aproveitaremos o elemento simples de bondade, o coração fraternal dos habitantes destas terras novas, e, mais tarde, ordenarei a reencarnação de muitos Espíritos já purificados no sentimento da humildade e da mansidão, entre as raças oprimidas e sofredoras das regiões africanas, para formarmos o pedestal de solidariedade do povo fraterno que aqui florescerá, no futuro, a fim de exaltar o meu Evangelho, nos séculos gloriosos do porvir. Aqui, Helil, sob a luz misericordiosa das estrelas da cruz, ficará localizado o coração do mundo! Consoante a vontade piedosa do Senhor, todas as suas ordens foram cumpridas integralmente.

Daí a alguns anos, o seu mensageiro se estabelecia na Terra, em 1394, como filho de D. João I e de D. Filipa de Lencastre, e foi o heróico Infante de Sagres, que operou a renovação das energias portuguesas, expandindo as suas possibilidades realizadoras para além dos mares. O elemento indígena foi chamado a colaborar na edificação da pátria nova; almas bem-aventuradas pelas suas renúncias se corporificaram nas costas da África flagelada e oprimida e, juntas a outros Espíritos em prova, formaram a falange abnegada que veio escrever na Terra de Santa Cruz, com os seus sacrifícios e com os seus sofrimentos, um dos mais belos poemas da raça negra em favor da humanidade.

Foi por isso que o Brasil, onde confraternizam hoje todos os povos da Terra e onde será modelada a obra imortal do Evangelho do Cristo, muito antes do Tratado de Tordesilhas, que fincou as balizas das possessões espanholas, trazia já, em seus contornos, a forma geográfica do coração do mundo.

Pelo Espírito Humberto de Campos
Do livro: Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho
Médium: Francisco Cândido Xavier