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08 novembro 2021

A Reencarnação na Visão Espírita - José Passini


A REENCARNAÇÃO NA VISÃO ESPÍRITA

A volta do Espírito ao mundo corpóreo é conhecida desde tempos remotos. Os Egípcios, os Hindus e os Gregos sabiam que a alma poderia voltar à Terra, usando um novo corpo. Esses povos acreditavam que, por efeito de determinada punição, essa volta à vida física poderia dar-se até num corpo animal.

Também os Judeus sabiam da volta do Espírito ao mundo corpóreo, mas não há referências que admitissem pudesse esse retorno dar-se num corpo que não fosse humano. A reencarnação, para eles, ocorria em algumas situações um tanto especiais: ou para concluir o que não tivessem conseguido terminar numa vida, ou para serem punidos, face a males praticados. Quando o doutor da lei perguntou a Jesus: “Mestre, que farei para herdar a vida eterna”? (1), não estaria ele querendo que Jesus lhe ensinasse alguma fórmula especial, uma espécie de atalho, que o desobrigasse de voltar à Terra, numa nova encarnação? É difícil imaginar que o doutor da lei estivesse se referindo à obtenção da imortalidade, pois os Judeus tinham convicção profunda a esse respeito. Tudo indica que ele pretendia lhe ensinasse Jesus um procedimento que o livrasse do retorno aos trabalhos do mundo, como acontece ainda hoje com pessoas que, ao se inteirarem da reencarnação – sem levarem em conta a necessidade evolutiva –, solicitam expedientes que lhes possibilitem não terem mais que voltar à Terra...

Há outra situação em que os Judeus julgavam ser possível a reencarnação: o cumprimento de missão. O exemplo mais claro é o da esperada volta do Profeta Elias para a preparação dos caminhos do Messias, conforme atesta o próprio Mestre: “E, se quereis dar crédito, é este o Elias que havia de vir” (2), referindo-se a João Batista.

Coube ao Espiritismo trazer o conhecimento da reencarnação ao mundo ocidental, e o fez dando uma visão muito mais ampla e profunda, demonstrando que todos os Espíritos reencarnam, não apenas para a solução de equívocos de uma vida passada, ou para o cumprimento de determinada missão, mas pela necessidade inerente a toda a criação: o imperativo do progresso, da evolução.

Em verdade, ainda que não houvesse nenhuma afirmação a respeito da pluralidade das existências, ela seria depreendida como necessidade absoluta, face à amplitude do programa de aperfeiçoamento da alma apresentado por Jesus, através do Evangelho.

De quanto milênios vamos necessitar para pormos em prática, integralmente, um ensinamento como esse: “Eu, porém, vos digo: Amai os vossos inimigos; fazei o bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos perseguem e caluniam” (3)? De quantos milênios vamos necessitar, nós Espíritos ainda vacilantes entre o bem e o mal, que não sabemos amar plenamente nem os amigos? O Codificador demonstra sua visão lúcida a respeito do assunto, quando inquire os Espíritos: “Como pode a alma, que não alcançou a perfeição durante a vida corpórea, acabar de depurar-se?” (4).

A Reencarnação – opondo-se frontalmente à salvação gratuita pela fé – dignifica o Espírito imortal, que vai galgando os degraus do aperfeiçoamento ao longo dos milênios sucessivos, crescendo em sentimento e intelectualidade, num trabalhoso processo de exteriorização da herança divina, concedida igualmente a todos os Espíritos. No nascedouro, todos absolutamente iguais. As diferenças individuais, portanto, não decorrem de capricho divino, mas sim do empenho de cada Espírito no sentido de promover o seu próprio progresso. Nesse caminhar, vai recebendo, por justiça, os frutos de todo o bem semeado, e, em função dessa mesma justiça, é compelido a reparar os males praticados, mas não em igual medida, graças à misericórdia divina. O Espiritismo, ao revelar ao mundo ocidental a Reencarnação, prova que a verdade religiosa não é incompatível com a verdade científica, explicando que a evolução do Espírito caminha pari passu com a evolução física demonstrada por Darwin, ao tempo em que resgata diante da consciência humana um dos atributos básicos de um Ser Perfeito: a Justiça. Tudo provém de uma mesma fonte, todos partimos de um mesmo ponto, dotados da mesma potencialidade evolutiva, conforme ensinaram os Espíritos: “É assim que tudo serve, tudo se encadeia na Natureza, desde o átomo primitivo ao arcanjo, que também começou por ser átomo.” (5). Por conhecer essa luz divina imanente em toda a criação, é que Jesus lançou o desafio evolutivo: “Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens (...)”. (6). A evolução do Espírito fica muito evidente nas palavras de Jesus, quando se declara, ele também, um Espírito em evolução: “Na verdade, na verdade vos digo que aquele que crê em mim também fará as obras que eu faço, e as fará maiores do que estas (....).” (7). É verdade que no dia em que chegarmos a fazer o que o Mestre fazia à época em que pronunciou essas palavras – daqui a alguns milhões de anos –, pensando que nos igualamos a ele, ele estará ainda à nossa frente, pois ele disse que poderíamos fazer obras maiores do que as que ele fazia, mas não disse que nós o ultrapassaríamos. Ultrapassaremos o ponto evolutivo em que ele se encontrava naquele dia, mas ele estará ainda à nossa frente, de vez que a evolução é infinita. E nós nem sabemos o que é infinito, a não ser através de uma definição terrivelmente circular: “aquilo que não tem fim”! Kardec, em brilhante ensaio (8), defende, com argumentação irretorquível, o imperativo da reencarnação sob a ótica da justiça e da misericórdia de Deus. É um trabalho monumental, até hoje não contestado por filósofo ou teólogo algum. Muitos livros foram escritos tendo como tema a reencarnação, mas não se conhece nenhum trabalho sério que rebata os argumentos ali apresentados.

Aos argumentos alinhados pelo Codificador, pode-se ainda acrescentar uma série de outros, graças aos esclarecimentos trazidos pelo Espiritismo: Se o Espírito fosse criado juntamente com o corpo, como ficaria a justiça divina ante a flagrante diferença que existe entre as oportunidades deferidas ao homem e à mulher, na família, na sociedade e até mesmo nas religiões? Seria o caso de a mulher perguntar – e muitas perguntam – por que Deus as criou mulheres, sem as consultar, para sofrerem, em muitos casos, cerceamento de liberdade por parte dos pais, e depois as exigências e, não raro, a brutalidade dos maridos, enquanto lhes pesam nos ombros as sérias responsabilidades no encaminhamento e na manutenção da saúde dos filhos. O Espiritismo, dentro de uma visão evolucionista, mostra que o Espírito não tem sexo, podendo encarnar-se como homem ou como mulher, segundo o seu livre-arbítrio. De acordo com a doutrina da unicidade das existências, a criação de novas almas não seria decorrente da vontade do Criador, mas estaria sujeita ao arbítrio dos casais, pois que poderiam usar um contraceptivo, impedindo Deus de usar o Seu poder de criar uma nova alma. O Espiritismo nos ensina que, ao usar qualquer recurso anticoncepcional, um casal apenas impede que um Espírito, já criado por Deus, que já encarnou-se outras vezes, volte à Terra para uma nova etapa de aprendizagem. No caso de um estupro, por que se valeria Deus de um ato de violência, de ultraje, de desrespeito, para criar um Espírito? Onde estaria a justiça divina, se outros são criados, ao contrário, em momentos de amor sublime, como filhos altamente desejados? Por que teria esse Espírito, fruto de uma violência, de ficar estigmatizado por toda a Eternidade? Através dos esclarecimentos da Doutrina Espírita, sabe-se que o acontecimento brutal que se deu tem causas anteriores, e que o Espírito que se reencarna, aceitando ou sendo compelido a aceitar uma situação dessa natureza, tem ligações de natureza vária, estabelecidas no passado, principalmente com aquela que lhe será mãe.

Se não houvesse experiências anteriores, como explicar a rebeldia, a brutalidade, o mau caráter de um filho que tem toda uma ancestralidade constituída de pessoas dignas? Alguém poderá objetar, dizendo que é herança genética de um parente longínquo. Mas que culpa têm os pais? Por que Deus permitiria que esses gens danosos entrassem na formação daquela alma? A prosperar essa idéia, chegar-se-ia ao absurdo de, no esforço de impedir Deus de criar Espíritos de mau caráter, dever-se-ia esterilizar todos os que não fossem portadores de virtudes. Seria assim fácil “aperfeiçoar” a raça humana, como pretenderam, no campo físico, os cultores da louca teoria da raça pura.

O Espiritismo esclarece que ninguém herda inteligência, virtudes ou defeitos morais, por serem atributos do Espírito, que os traz como bagagem própria, intransferível quando reencarna. Se um casal tem um filho que lhes nega as linhas morais da família, trata-se de um Espírito que foi por eles adotado, em função do desejo de auxiliá-lo, ou o receberam como conseqüência de um passado comprome-tido com ele, “porquanto o Espírito já existia antes da formação do corpo.” (9).

Dentro dessa linha de raciocínio, chega-se à conclusão que todos os filhos são adotivos, enquanto Espíritos criados por Deus. O casal apenas “fornece o invólucro corporal.” (9).

Diga-se, de passagem, que, para um ajustamento de linguagem, dever-se-ia dizer: filhos consangüíneos e não-consangüíneos, porque todos são adotivos.

A doutrina reencarnacionista é a única que não é racista, pois demonstra que Deus não seria justo se criasse um Espírito imortal dentro de uma raça. O Espírito é criado por Deus e evolui, passando pela humanização, no processo de angelizar-se. Ao humanizar-se, encarna-se inúmeras vezes, nas mais variadas raças, mas seu início, sua criação não está vinculada a grupo étnico nenhum. A bem di-zer, todos os Espíritos pertencemos a uma única raça, pertencemos à raça divina, porque somos filhos de Deus..


José Passini
Fonte: Publicado no Reformador – set. 2004


Bibliografia:

Novo Testamento:
(1) - Lc, 10: 25
(2) - Mt, 11: 14
(3) - Mt, 5: 44
(6) - Mt, 5: 16
(7) - Jo, 14:12

O Livro dos Espíritos:
(4) - item 166
(5) - item 540
(8) - item 222

O Evangelho segundo o Espiritismo:
(9) Cap. 14, item 8


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