NA ESFERA DOS BICHOS
Dizem que os macacos contemplavam grande cidade, nela depositando os sonhos para o futuro...
Viviam cansados – clamavam alguns – e queriam repouso. As fêmeas da espécie declaravam-se exaustas. Desde milênios, criavam os filhinhos, amamentavam-nos, sofriam horrores, cobriam-se de humilhações e pleiteavam repouso.
Quem lhes ouvisse as queixas, acompanharia o coro de lágrimas. Os símios mais velhos choravam de meter pena. Afirmavam, sem rebuços, que os conflitos na floresta eram francamente angustiosos e terríveis.
Sem dúvida, a turma despreocupada dos bichos dormia quase o dia inteiro, saboreava os produtos da terra e, quando não via presa fácil, desfrutava a lavoura dos homens com toda a sem-cerimônia.
Se o tédio ameaçava, corriam todos para o arvoredo forte e improvisavam verdadeiro parque de diversões, na ramaria bordada de flores. Comiam o que não plantavam, valiam-se dos imensos recursos do solo, mas, assim que terminavam as brincadeiras, vinha o rosário de lamentações.
– Não suportamos esta vida! – reclamavam os antigos.
– Renovemos tudo! – desafiavam os novos.
Acabavam as reclamações, observando detidamente a cidade enorme que lhes centralizava as esperanças.
Tornando à gruta selvagem, impunham-se comentários alusivos à modificação. A transferência para a Casa do bípede humano era a única medida razoável. Os seres racionais tinham a noite magnificamente iluminada por lâmpadas coloridas. Trajavam roupas brilhantes. Dispunham de residências acolhedoras. Bebiam água gelada, na canícula, e chocolate reconfortante, no inverno. Possuíam palácios de governo, colégios, clubes, imprensa, parques e maquinaria. Gozavam as delícias da inteligência. Respiravam, pois, num céu legítimo.
Urgia, assim, a mudança imediata.
Diante da exigência geral, reuniram-se os chimpanzés mais prudentes e mandaram um macaco velho para fazer os apontamentos locais.
O símio inteligente aproximou-se dos homens e deixou-se prender manhosamente num circo.
Partilhou a experiência dos filhos da razão, durante cinco anos consecutivos. Devorou centenas de bananas, andou por vilas e aldeolas enfeitado de guizos, fez pilhérias notáveis e, certo dia, regressou...
Grande congresso dos companheiros, a fim de ouvi-lo.
As fêmeas da tribo, sustentando os filhinhos, e os monos encanecidos enfileiravam-se à frente de todos.
O emissário apresentou o seu relatório em guinchos solenes. Quase impossível traduzir-lhe a exposição em linguagem humana, todavia, o mensageiro explicou-se, mais ou menos assim, depois das saudações fraternais:
– Vocês pensam que estou voltando de um paraíso e todas aguardam o instante de penetração no reino humano, como se fossem alcançar plena isenção de serviço e responsabilidade. No entanto, laboram em grave erro. Demorei-me cinco anos entre as criaturas que nos são superiores na organização, na conduta e na forma. Realmente, as leis a que se submetem, no continuísmo da espécie e na própria manutenção, não diferem dos princípios que somos constrangidos a obedecer. Criam os filhos com dificuldades análogas as nossas e lutam igualmente com as tempestades e doenças. Quem lhes vê, contudo, o domicílio luxuoso julga-os falsamente, supondo encontrar entre eles o repouso e a alegria sem fim. Os homens, sem dúvida, são superiores a nós e agem num plano muito mais alto. Entretanto, ai deles se pararem de trabalhar! A natureza que no cerca lhes invadirá as cidades, destruindo-lhes o encanto e as benfeitorias. Possuem castelos e universidades, carruagens e granjas. No entanto, para alimentarem os valores educativos que os distanciam de nós, são obrigados a respeitar horríveis disciplinas. Não fazem o que desejam, qual nos ocorre na furna. São submetidos a códigos e decretos, com os quais devem consagrar os próprios brios. A guerra entre eles, a bem dizeis, é um estado natural. Os piores entregam-se a monstros perigosos, conhecidos pelos nomes de egoísmo e vaidade, ambição e discórdia, e começam a praticar violências calculadas, para dominarem as situações... Em razão disso, os melhores são compelidos a viver armados até às unhas, de modo a se defenderem, preservando as instituições de que se ufanam. A residência deles, indiscutivelmente, é maravilhosa, mas são tantos os problemas inquietantes a torturá-los de perto que, de quando em quando, eles mesmos improvisam chuvas de bombas com que inutilizam as próprias obras, a fim de recapitularem as lições que andam aprendendo com os poderes mais altos da vida. Para manterem o brilho da esfera em que habitam, padecem aflições dia e noite. De fato, são detentores de prodigiosa inteligência e parece-me que subirão muito mais na montanha do progresso que não podemos, por enquanto, compreender. Em compensação, trabalham tanto, sofrem tão largamente e são obrigados a tamanhas disciplinas que eu, meus irmãos, voltei resignado à minha sorte... Quero a minha gruta barrenta, prefiro nossos costumes e necessidades... o céu dos homens não serve para mim... não suporto... sou um macaco...
Os membros do conclave, porém, cobriram-no de zombaria e pedradas. Ninguém acreditou no mensageiro. Para a bicharia, a cidade dos homens era um ninho celestial, sem deveres e sem lutas, sem dificuldades e sem percalços e, por isso mesmo, a macacada continuou exigindo acesso à esfera humana, com o único objetivo de gozar e repousar.
Escutei a lenda curiosa, estudando-lhe o símbolo.
Não pintará esta história a mesma situação corrente entre os “vivos” e os “mortos” da atualidade?
Viviam cansados – clamavam alguns – e queriam repouso. As fêmeas da espécie declaravam-se exaustas. Desde milênios, criavam os filhinhos, amamentavam-nos, sofriam horrores, cobriam-se de humilhações e pleiteavam repouso.
Quem lhes ouvisse as queixas, acompanharia o coro de lágrimas. Os símios mais velhos choravam de meter pena. Afirmavam, sem rebuços, que os conflitos na floresta eram francamente angustiosos e terríveis.
Sem dúvida, a turma despreocupada dos bichos dormia quase o dia inteiro, saboreava os produtos da terra e, quando não via presa fácil, desfrutava a lavoura dos homens com toda a sem-cerimônia.
Se o tédio ameaçava, corriam todos para o arvoredo forte e improvisavam verdadeiro parque de diversões, na ramaria bordada de flores. Comiam o que não plantavam, valiam-se dos imensos recursos do solo, mas, assim que terminavam as brincadeiras, vinha o rosário de lamentações.
– Não suportamos esta vida! – reclamavam os antigos.
– Renovemos tudo! – desafiavam os novos.
Acabavam as reclamações, observando detidamente a cidade enorme que lhes centralizava as esperanças.
Tornando à gruta selvagem, impunham-se comentários alusivos à modificação. A transferência para a Casa do bípede humano era a única medida razoável. Os seres racionais tinham a noite magnificamente iluminada por lâmpadas coloridas. Trajavam roupas brilhantes. Dispunham de residências acolhedoras. Bebiam água gelada, na canícula, e chocolate reconfortante, no inverno. Possuíam palácios de governo, colégios, clubes, imprensa, parques e maquinaria. Gozavam as delícias da inteligência. Respiravam, pois, num céu legítimo.
Urgia, assim, a mudança imediata.
Diante da exigência geral, reuniram-se os chimpanzés mais prudentes e mandaram um macaco velho para fazer os apontamentos locais.
O símio inteligente aproximou-se dos homens e deixou-se prender manhosamente num circo.
Partilhou a experiência dos filhos da razão, durante cinco anos consecutivos. Devorou centenas de bananas, andou por vilas e aldeolas enfeitado de guizos, fez pilhérias notáveis e, certo dia, regressou...
Grande congresso dos companheiros, a fim de ouvi-lo.
As fêmeas da tribo, sustentando os filhinhos, e os monos encanecidos enfileiravam-se à frente de todos.
O emissário apresentou o seu relatório em guinchos solenes. Quase impossível traduzir-lhe a exposição em linguagem humana, todavia, o mensageiro explicou-se, mais ou menos assim, depois das saudações fraternais:
– Vocês pensam que estou voltando de um paraíso e todas aguardam o instante de penetração no reino humano, como se fossem alcançar plena isenção de serviço e responsabilidade. No entanto, laboram em grave erro. Demorei-me cinco anos entre as criaturas que nos são superiores na organização, na conduta e na forma. Realmente, as leis a que se submetem, no continuísmo da espécie e na própria manutenção, não diferem dos princípios que somos constrangidos a obedecer. Criam os filhos com dificuldades análogas as nossas e lutam igualmente com as tempestades e doenças. Quem lhes vê, contudo, o domicílio luxuoso julga-os falsamente, supondo encontrar entre eles o repouso e a alegria sem fim. Os homens, sem dúvida, são superiores a nós e agem num plano muito mais alto. Entretanto, ai deles se pararem de trabalhar! A natureza que no cerca lhes invadirá as cidades, destruindo-lhes o encanto e as benfeitorias. Possuem castelos e universidades, carruagens e granjas. No entanto, para alimentarem os valores educativos que os distanciam de nós, são obrigados a respeitar horríveis disciplinas. Não fazem o que desejam, qual nos ocorre na furna. São submetidos a códigos e decretos, com os quais devem consagrar os próprios brios. A guerra entre eles, a bem dizeis, é um estado natural. Os piores entregam-se a monstros perigosos, conhecidos pelos nomes de egoísmo e vaidade, ambição e discórdia, e começam a praticar violências calculadas, para dominarem as situações... Em razão disso, os melhores são compelidos a viver armados até às unhas, de modo a se defenderem, preservando as instituições de que se ufanam. A residência deles, indiscutivelmente, é maravilhosa, mas são tantos os problemas inquietantes a torturá-los de perto que, de quando em quando, eles mesmos improvisam chuvas de bombas com que inutilizam as próprias obras, a fim de recapitularem as lições que andam aprendendo com os poderes mais altos da vida. Para manterem o brilho da esfera em que habitam, padecem aflições dia e noite. De fato, são detentores de prodigiosa inteligência e parece-me que subirão muito mais na montanha do progresso que não podemos, por enquanto, compreender. Em compensação, trabalham tanto, sofrem tão largamente e são obrigados a tamanhas disciplinas que eu, meus irmãos, voltei resignado à minha sorte... Quero a minha gruta barrenta, prefiro nossos costumes e necessidades... o céu dos homens não serve para mim... não suporto... sou um macaco...
Os membros do conclave, porém, cobriram-no de zombaria e pedradas. Ninguém acreditou no mensageiro. Para a bicharia, a cidade dos homens era um ninho celestial, sem deveres e sem lutas, sem dificuldades e sem percalços e, por isso mesmo, a macacada continuou exigindo acesso à esfera humana, com o único objetivo de gozar e repousar.
Escutei a lenda curiosa, estudando-lhe o símbolo.
Não pintará esta história a mesma situação corrente entre os “vivos” e os “mortos” da atualidade?
Pelo Espírito Irmão X
Do livro: Luz Acima
Médium: Francisco Cândido Xavier
Do livro: Luz Acima
Médium: Francisco Cândido Xavier
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