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22 julho 2021

O coração do Mundo - Humberto de Campos

 
O CORAÇÃO DO MUNDO

O mundo político e social do Ocidente encontrava-se exausto.

Desde as pregações de Pedro, o Eremita, até a morte do Rei Luís IX, diante de Túnis, acontecimento que colocara um dos derradeiros marcos nas guerras das Cruzadas, as sombras da idade medieval confundiram as lições do Evangelho, ensangüentando todas as bandeiras do mundo cristão.

Foi após essa época, no último quartel do século XTV, que o Senhor desejou realizar uma de suas visitas periódicas à Terra, a fim de observar os progressos de sua doutrina e de seus exemplos no coração dos homens.

Anjos e Tronos lhe formavam a corte maravilhosa. Dos céus à Terra, foi colocado outro símbolo da escada infinita de Jacob, formado de flores e de estrelas cariciosas, por onde o Cordeiro de Deus transpôs as imensas distâncias, clarificando os caminhos cheios de treva. Mas, se Jesus vinha do coração luminoso das esferas superiores, trazendo nos olhos misericordiosos a visão dos seus impérios resplandecentes e na alma profunda o ritmo harmonioso dos astros, o planeta terreno lhe apresentava ainda aquelas mesmas veredas escuras, cheias da lama da impenitência e do orgulho das criaturas humanas, e repletas dos espinhos da ingratidão e do egoísmo.

Embalde seus olhos compassivos procuraram o ninho doce do seu Evangelho; em vão procurou o Senhor os remanescentes da obra de um de seus últimos enviados à face do orbe terrestre. No coração da Umbria haviam cessado os cânticos de amor e de fraternidade cristã. De Francisco de Assis só haviam ficado as tradições de carinho e de bondade; os pecados do mundo, como novos lobos de Gúbio, haviam descido outra vez das selvas misteriosas das iniqüidades humanas, roubando às criaturas a paz e aniquilando-lhes a vida.

— Helil — disse a voz suave e meiga do Mestre a um dos seus mensageiros, encarregado dos problemas sociológicos da Terra — meu coração se enche de profunda amargura, vendo a incompreensão dos homens, no que se refere às lições do meu Evangelho. Por toda parte é a luta fratricida, como polvo de infinitos tentáculos, a destruir todas as esperanças; recomendei-lhes que se amassem como irmãos, e vejo-os em movimentos impetuosos, aniquilando-se uns aos outros como Cains desvairados.

— Todavia — replicou o emissário solícito, como se desejasse desfazer a impressão dolorosa e amarga do Mestre — esses movimentos, Senhor, intensificaram as relações dos povos da Terra, aproximando o Oriente e o Ocidente, para aprenderem a lição da solidariedade nessas experiências penosas; novas utilidades da vida foram descobertas; o comércio progrediu além de todas as fronteiras, reunindo as pátrias do orbe. Sobretudo, devemos considerar que os príncipes cristãos, empreendendo as iniciativas daquela natureza, guardavam a nobre intenção de velar pela paisagem deliciosa dos Lugares Santos.

Mas — retornou tristemente a voz compassiva do Cordeiro — qual o lugar da Terra que não é santo? Em todas as partes do mundo, por mais recônditas que sejam, paira a bênção de Deus, convertida na luz e no pão de todas as criaturas. Era preferível que Saladino guardasse, para sempre, todos os poderes temporais na Palestina, a que caísse um só dos fios de cabelo de um soldado, numa guerra incompreensível por minha causa, que, em todos os tempos, deve ser a do amor e da fraternidade universal. E, como se a sua vista devassasse todos os mistérios do porvir, continuou:

— Infelizmente, não vejo senão o caminho do sofrimento para modificar tão desoladora situação. Aos feudos de agora, seguir-se-ão as coroas poderosas e, depois dessa concentração de autoridade e de poder, serão os embates da ambição e a carnificina da inveja e da felonia, pelo predomínio do mais forte.

A amargura divina empolgara toda a formosa assembléia de querubins e arcanjos. Foi quando Helil, para renovar a impressão ambiente, dirigiu-se a Jesus com brandura e humildade:

— Senhor, se esses povos infelizes, que procuram na grandeza material uma felicidade impossível, marcham irremediavelmente para os grandes infortúnios coletivos, visitemos os continentes ignorados, onde espíritos jovens e simples aguardam a semente de uma vida nova. Nessas terras, para além dos grandes oceanos, poderíeis instalar o pensamento cristão, dentro das doutrinas do amor e da liberdade.

E a caravana fulgurante, deixando um rastro de luz na imensidade dos espaços, encaminhou-se ao continente que seria, mais tarde, o mundo americano.

O Senhor abençoou aquelas matas virgens e misteriosas. Enquanto as aves lhe homenageavam a inefável presença com seus cantares harmoniosos, as flores se inclinavam nas árvores ciclópicas, aromatizando-lhe as eterizadas sendas. O perfume do mar casava-se ao oxigênio agreste da selva bravia, impregnando todas as coisas de um elemento de força desconhecida. No solo, eram os silvícolas humildes e simples, aguardando uma era nova, com o seu largo potencial de energia e bondade.

Cheio de esperanças, emociona-se o coração do Mestre, contemplando a beleza do sublimado espetáculo.

— Helil — pergunta ele — onde fica, nestas terras novas, o recanto planetário do qual se enxerga, no infinito, o símbolo da redenção humana?

— Esse lugar de doces encantos, Mestre, de onde se vêem, no mundo, as homenagens dos céus aos vossos martírios na Terra, fica mais para o sul. E, quando no seio da paisagem repleta de aromas e de melodias, contemplavam as almas santificadas dos orbes felizes, na presença do Cordeiro, as maravilhas daquela terra nova, que seria mais tarde o Brasil, desenhou-se no firmamento, formado de estrelas rutilantes, no jardim das constelações de Deus, o mais imponente de todos os símbolos.

Mãos erguidas para o Alto, como se invocasse a bênção de seu Pai para todos os elementos daquele solo extraordinário e opulento, exclama então Jesus:

— Para esta terra maravilhosa e bendita será transplantada a árvore do meu Evangelho de piedade e de amor. No seu solo dadivoso e fertilíssimo, todos os povos da Terra aprenderão a lei da fraternidade universal. Sob estes céus serão entoados os hosanas mais ternos à misericórdia do Pai Celestial.

Tu, Helil, te corporificarás na Terra, no seio do povo mais pobre e mais trabalhador do Ocidente; instituirás um roteiro de coragem, para que sejam transpostas as imensidades desses oceanos perigosos e solitários, que separam o velho do novo mundo.

Instalaremos aqui uma tenda de trabalho para a nação mais humilde da Europa, glorificando os seus esforços na oficina de Deus. Aproveitaremos o elemento simples de bondade, o coração fraternal dos habitantes destas terras novas, e, mais tarde, ordenarei a reencarnação de muitos Espíritos já purificados no sentimento da humildade e da mansidão, entre as raças oprimidas e sofredoras das regiões africanas, para formarmos o pedestal de solidariedade do povo fraterno que aqui florescerá, no futuro, a fim de exaltar o meu Evangelho, nos séculos gloriosos do porvir. Aqui, Helil, sob a luz misericordiosa das estrelas da cruz, ficará localizado o coração do mundo! Consoante a vontade piedosa do Senhor, todas as suas ordens foram cumpridas integralmente.

Daí a alguns anos, o seu mensageiro se estabelecia na Terra, em 1394, como filho de D. João I e de D. Filipa de Lencastre, e foi o heróico Infante de Sagres, que operou a renovação das energias portuguesas, expandindo as suas possibilidades realizadoras para além dos mares. O elemento indígena foi chamado a colaborar na edificação da pátria nova; almas bem-aventuradas pelas suas renúncias se corporificaram nas costas da África flagelada e oprimida e, juntas a outros Espíritos em prova, formaram a falange abnegada que veio escrever na Terra de Santa Cruz, com os seus sacrifícios e com os seus sofrimentos, um dos mais belos poemas da raça negra em favor da humanidade.

Foi por isso que o Brasil, onde confraternizam hoje todos os povos da Terra e onde será modelada a obra imortal do Evangelho do Cristo, muito antes do Tratado de Tordesilhas, que fincou as balizas das possessões espanholas, trazia já, em seus contornos, a forma geográfica do coração do mundo.

Pelo Espírito Humberto de Campos
Do livro: Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho
Médium: Francisco Cândido Xavier

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