Não é raro que nosso psiquismo encontre benefícios no sofrimento; há casos em que não queremos a cura, mesmo inconscientemente
Certa feita ouvi um expositor dizer que algumas pessoas têm prazer em serem obsidiadas. Estranhei a assertiva e busquei estudar o assunto. Encontrei na psicanálise as afirmações de que a neurose é doença que se desencadeia e se mantém devido à satisfação que proporciona ao neurótico; que esse processo é conforme o princípio do prazer e tende a obter um benefício; que esse beneficio ou ganho fica evidenciado pela resistência do doente ao seu tratamento, não querendo, inconscientemente, se curar. Sigmund Freud, o criador da Psicanálise denominou esse fato de beneficio secundário da doença que, em resumo, significa qualquer satisfação direta ou indireta que um sujeito tira da sua doença. Informa Laplanche (2001) que esse ganho ou beneficio é determinado pela "satisfação encontrada no sintoma, fuga para a doença e modificação vantajosa das relações com o meio".
Brenner (1973) diz que, "uma vez formado um sintoma, o ego pode descobrir que ele traz vantagens consigo. [ ... ] Do ponto de vista da teoria dos sintomas psiconeuróticos, o ganho secundário não é tão importante quanto o primário mas, do ponto de vista de seu tratamento, pode ser importante, já que uma grande proporção de ganho secundário pode advir do fato de que o paciente inconscientemente prefere conservar sua neurose a perdê-la, pois seus sintomas se lhe tornaram valiosos."
Essas considerações freudianas não nos convenceram de imediato. Não foram suficientes para crermos que alguém tire vantagens do mal que lhe apoquenta, admitindo que ele, inconscientemente, não deseja a cura, embora a procure. Buscamos, então, o esclarecimento da Doutrina Espírita.
O que dizem os Espíritos
"Não raro - afirma o Espírito Dr. José Carneiro de Campos -, pessoas portadoras de neoplasia maligna e outras doenças, quando recuperam a saúde, sentem-se surpreendidas e algo decepcionadas, tão acostumadas se encontravam com a injunção mortificadora de que eram objeto. Por outro lado, dão-se conta de que a família já lhes não dispensa a mesma atenção e o grupo social logo se desinteressa por suas vidas, despreocupando-se em relação às mesmas. Sentindo-se isoladas desmotivam-se de viver, criam recidivas ou facultam a presença de outras mazelas com que refazem o quadro de protecionismo que passam a receber, satisfazendo-se com a ocorrência aflitiva". Freud tinha mesmo razão.
Encontramos esse procedimento também no processo obsessivo, doença mental, com graves reflexos no organismo físico. Nela, o obsidiado, muita vez não deseja sinceramente se desvencilhar do seu obsessor, embora se apresente interessado na libertação. Recolhemos da obra de André Luiz um trecho que confirma exatamente esse comportamento.
- "Que vemos? - exclamou Hilário, intrigado. Não será esta a criatura que o serviço desta noite pretende isolar das más influências?
E porque o orientador respondesse de modo afirmativo, meu colega continuou:
- Deus de bondade! mas não está ela interessada no reajustamento da própria saúde? Não roga socorro à instituição que freqüenta?
- Isso é o que ela julga querer explicou Áulus, cuidadoso. - Entretanto no íntimo, alimenta se com os fluidos enfermiços do companheiro desencarnado e apega-se a ele, instintivamente. Milhares de pessoas são assim. Registra doenças de variados matizes e com elas se adaptam para mais segura acomodação com o menor esforço. Dizem- se prejudicadas e inquietas, todavia, quando se lhes subtrai a moléstia de que se fazem portadoras, sentem-se vazias e padecentes, provocando sintomas e impressões com que evocam as enfermidades a se exprimirem, de novo, em diferentes manifestações, auxiliando-as a cultivar a posição de vítimas, na qual se comprazem, Isso acontece na maioria dos fenômenos de obsessão. Encarnados e desencarnados se prendem uns aos outros, sob vigorosa fascinação mútua, até que o centro de vida mental se lhes altere. É por esse motivo que, em muitas ocasiões, as dores maiores são chamadas a funcionar sobre as dores menores, com o objetivo de acordar as almas viciadas nesse gênero de trocas inferiores".
Doutrinadores e Desobsessão
Essas informações devem conduzir aqueles que atuam na desobsessão nos centros espíritas a desenvolverem cuidados especiais a cada um dos que procuram os benefícios da Doutrina Espírita, pela terapêutica desobsessiva. Esta deve ser fundamentada sempre na realidade do Espírito e dos reflexos que a obsessão produz no complexo psiquismo de todos nós. Sem nos precipitarmos a fazer julgamentos, nós, os doutrinadores, não podemos deixar de reconhecer, como ensina o Mentor Áulus, que nem todos os que buscam a saúde da alma estão dispostos à luta pela sua conquista. A vítima da obsessão tem a consciência culpada e que, por isso mesmo, permite a sintonia com aquele ou aqueles Espíritos que lhe impõem pelos aguilhões do sofrimento a reforma íntima. Mas a criatura não quer trocar a doença pela reforma, que vai lhe exigir muito esforço moral. Em razão dessa verdade não se pode querer resolver o problema do obsidiado sem que ele primeiro o deseje.
Na condição de seres melhorados, fazendo uso da Moratória Divina, nós, os doutrinadores, devemos direcionar cuidados às duas vítimas do processo obsessivo, não trabalhando para afastar uma da outra, porque nem sempre é isso que desejam, e sim para mostrar-lhes o caminho da convivência pacífica e renovadora, que é ajardinado com as flores do Evangelho do Sublime Peregrino. Mas, caminho esse, que deve ser palmilhado pelo obsessor e pelo obsidiado, com as sandálias do perdão.
É necessário acreditarmos - mesmo que não aparente - que a libertação do escravo da obsessão não se dá, em muitos casos, porque ele se compraz no calabouço, encontrando vantagens em assim permanecer. Somente o estudo e a compreensão das Leis Divinas, responsabilizando-o pelo que lhe acontece, conduzem-no à prática da humildade e do perdão, fazendo com que se encoraje a arrebentar os grilhões do passado e reconstruir no presente um futuro prenhe de paz e harmonia.
Ensina-nos Joanna de Angelis: "As causas profundas das doenças, portanto, estão no indivíduo mesmo, que se deve auto-examinar, autoconhecer-se a fim de libertar-se desse tipo de sofrimento". Ora, o auto-exame e o autoconhecimento somente alcançaremos se combatermos o orgulho em nós para que tenhamos coragem de realizar a nossa reforma íntima, livrando-nos das causas das nossas doenças que não estão fora, mas dentro de nós mesmos.
Não há dúvidas, pois aprendemos ao longo das experiências, que há prazer que nos gera sofrimento. Mas é um tanto difícil admitirmos, não obstante o que nos ensinam a psicanálise e os Espíritos, que há sofrimento que nos dá prazer.
Quão complexo é esse nosso psiquismo!
Certa feita ouvi um expositor dizer que algumas pessoas têm prazer em serem obsidiadas. Estranhei a assertiva e busquei estudar o assunto. Encontrei na psicanálise as afirmações de que a neurose é doença que se desencadeia e se mantém devido à satisfação que proporciona ao neurótico; que esse processo é conforme o princípio do prazer e tende a obter um benefício; que esse beneficio ou ganho fica evidenciado pela resistência do doente ao seu tratamento, não querendo, inconscientemente, se curar. Sigmund Freud, o criador da Psicanálise denominou esse fato de beneficio secundário da doença que, em resumo, significa qualquer satisfação direta ou indireta que um sujeito tira da sua doença. Informa Laplanche (2001) que esse ganho ou beneficio é determinado pela "satisfação encontrada no sintoma, fuga para a doença e modificação vantajosa das relações com o meio".
Brenner (1973) diz que, "uma vez formado um sintoma, o ego pode descobrir que ele traz vantagens consigo. [ ... ] Do ponto de vista da teoria dos sintomas psiconeuróticos, o ganho secundário não é tão importante quanto o primário mas, do ponto de vista de seu tratamento, pode ser importante, já que uma grande proporção de ganho secundário pode advir do fato de que o paciente inconscientemente prefere conservar sua neurose a perdê-la, pois seus sintomas se lhe tornaram valiosos."
Essas considerações freudianas não nos convenceram de imediato. Não foram suficientes para crermos que alguém tire vantagens do mal que lhe apoquenta, admitindo que ele, inconscientemente, não deseja a cura, embora a procure. Buscamos, então, o esclarecimento da Doutrina Espírita.
O que dizem os Espíritos
"Não raro - afirma o Espírito Dr. José Carneiro de Campos -, pessoas portadoras de neoplasia maligna e outras doenças, quando recuperam a saúde, sentem-se surpreendidas e algo decepcionadas, tão acostumadas se encontravam com a injunção mortificadora de que eram objeto. Por outro lado, dão-se conta de que a família já lhes não dispensa a mesma atenção e o grupo social logo se desinteressa por suas vidas, despreocupando-se em relação às mesmas. Sentindo-se isoladas desmotivam-se de viver, criam recidivas ou facultam a presença de outras mazelas com que refazem o quadro de protecionismo que passam a receber, satisfazendo-se com a ocorrência aflitiva". Freud tinha mesmo razão.
Encontramos esse procedimento também no processo obsessivo, doença mental, com graves reflexos no organismo físico. Nela, o obsidiado, muita vez não deseja sinceramente se desvencilhar do seu obsessor, embora se apresente interessado na libertação. Recolhemos da obra de André Luiz um trecho que confirma exatamente esse comportamento.
- "Que vemos? - exclamou Hilário, intrigado. Não será esta a criatura que o serviço desta noite pretende isolar das más influências?
E porque o orientador respondesse de modo afirmativo, meu colega continuou:
- Deus de bondade! mas não está ela interessada no reajustamento da própria saúde? Não roga socorro à instituição que freqüenta?
- Isso é o que ela julga querer explicou Áulus, cuidadoso. - Entretanto no íntimo, alimenta se com os fluidos enfermiços do companheiro desencarnado e apega-se a ele, instintivamente. Milhares de pessoas são assim. Registra doenças de variados matizes e com elas se adaptam para mais segura acomodação com o menor esforço. Dizem- se prejudicadas e inquietas, todavia, quando se lhes subtrai a moléstia de que se fazem portadoras, sentem-se vazias e padecentes, provocando sintomas e impressões com que evocam as enfermidades a se exprimirem, de novo, em diferentes manifestações, auxiliando-as a cultivar a posição de vítimas, na qual se comprazem, Isso acontece na maioria dos fenômenos de obsessão. Encarnados e desencarnados se prendem uns aos outros, sob vigorosa fascinação mútua, até que o centro de vida mental se lhes altere. É por esse motivo que, em muitas ocasiões, as dores maiores são chamadas a funcionar sobre as dores menores, com o objetivo de acordar as almas viciadas nesse gênero de trocas inferiores".
Doutrinadores e Desobsessão
Essas informações devem conduzir aqueles que atuam na desobsessão nos centros espíritas a desenvolverem cuidados especiais a cada um dos que procuram os benefícios da Doutrina Espírita, pela terapêutica desobsessiva. Esta deve ser fundamentada sempre na realidade do Espírito e dos reflexos que a obsessão produz no complexo psiquismo de todos nós. Sem nos precipitarmos a fazer julgamentos, nós, os doutrinadores, não podemos deixar de reconhecer, como ensina o Mentor Áulus, que nem todos os que buscam a saúde da alma estão dispostos à luta pela sua conquista. A vítima da obsessão tem a consciência culpada e que, por isso mesmo, permite a sintonia com aquele ou aqueles Espíritos que lhe impõem pelos aguilhões do sofrimento a reforma íntima. Mas a criatura não quer trocar a doença pela reforma, que vai lhe exigir muito esforço moral. Em razão dessa verdade não se pode querer resolver o problema do obsidiado sem que ele primeiro o deseje.
Na condição de seres melhorados, fazendo uso da Moratória Divina, nós, os doutrinadores, devemos direcionar cuidados às duas vítimas do processo obsessivo, não trabalhando para afastar uma da outra, porque nem sempre é isso que desejam, e sim para mostrar-lhes o caminho da convivência pacífica e renovadora, que é ajardinado com as flores do Evangelho do Sublime Peregrino. Mas, caminho esse, que deve ser palmilhado pelo obsessor e pelo obsidiado, com as sandálias do perdão.
É necessário acreditarmos - mesmo que não aparente - que a libertação do escravo da obsessão não se dá, em muitos casos, porque ele se compraz no calabouço, encontrando vantagens em assim permanecer. Somente o estudo e a compreensão das Leis Divinas, responsabilizando-o pelo que lhe acontece, conduzem-no à prática da humildade e do perdão, fazendo com que se encoraje a arrebentar os grilhões do passado e reconstruir no presente um futuro prenhe de paz e harmonia.
Ensina-nos Joanna de Angelis: "As causas profundas das doenças, portanto, estão no indivíduo mesmo, que se deve auto-examinar, autoconhecer-se a fim de libertar-se desse tipo de sofrimento". Ora, o auto-exame e o autoconhecimento somente alcançaremos se combatermos o orgulho em nós para que tenhamos coragem de realizar a nossa reforma íntima, livrando-nos das causas das nossas doenças que não estão fora, mas dentro de nós mesmos.
Não há dúvidas, pois aprendemos ao longo das experiências, que há prazer que nos gera sofrimento. Mas é um tanto difícil admitirmos, não obstante o que nos ensinam a psicanálise e os Espíritos, que há sofrimento que nos dá prazer.
Quão complexo é esse nosso psiquismo!
Nota:o autor é professor aposentado; atua no movimento espírita de Brasília-DF .
Revista Internacional de Espiritismo.Abril de 2006
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