O TEMOR DA MORTE
O temor da morte pode ser analisado sob dois enfoques: o de ocorrência natural irreversível, consoante ao cessamento das atividades biológicas do corpo físico, ou o de experiência específica relacionada à existência humana. Como fato natural, a sociedade possui procedimentos médicos e legais que atestam o falecimento. O destino dado aos despojos físicos faz parte das tradições culturais dos povos, manifestadas nas cerimônias fúnebres de sepultamento ou cremação do cadáver.
Em sua relação específica com a existência humana a morte pode ser entendida:
como início de um ciclo de vida;
como fim de um ciclo de vida;
como possibilidade existencial.
[…] A morte é entendida como início de um ciclo de vida por muitas doutrinas que admitem a imortalidade da alma. […]
O conceito de morte como fim do ciclo de vida foi expresso de várias formas pelos filósofos. Marcos Aurélio considerava-a como repouso ou cessação das preocupações da vida. […]
O conceito de morte como possibilidade existencial implica que a morte não é um acontecimento particular, situável no início ou término de um ciclo de vida do homem, mas uma possibilidade sempre presente na vida humana, capaz de determinar as características fundamentais desta. […]1
Em geral, o temor da morte está associado à expectativa de um possível sofrimento que esta acarretaria. Soma-se a este fato o desconhecimento ou desinformações equivocadas a respeito da realidade extrafísica para onde o Espírito se transfere, após a desencarnação.
Para o Espiritismo,
A extinção da vida orgânica resulta da separação da alma em consequência da ruptura do laço fluídico [perispiritual] que a une ao corpo. Essa separação, contudo, nunca é brusca; o fluido perispirítico só pouco a pouco se desprende de todos os órgãos, de sorte que a separação só é completa e absoluta quando não reste mais nem um átomo de perispírito ligado à molécula do corpo. […]2
Em O livro dos espíritos, Allan Kardec apresenta outras considerações relacionadas ao assunto:
Durante a vida, o corpo recebe as impressões exteriores e as transmite ao Espírito por intermédio do perispírito, que constitui, provavelmente, o que se chama fluido nervoso. Uma vez morto, o corpo nada mais sente, visto não haver mais nele Espírito, nem perispírito. […] Ora, não sendo o perispírito, na realidade, mais do que simples agente de transmissão, pois é o Espírito que possui a consciência, deduz-se que, se pudesse existir perispírito sem Espírito, aquele não sentiria mais que um corpo morto. Do mesmo modo, se o Espírito não tivesse perispírito, seria inacessível a toda sensação dolorosa. […]3
Interpretações filosóficas e crenças religiosas equivocadas, ou distorcidas, muito têm contribuído para o medo da morte, como esclarece Emmanuel:
Teólogos eminentes, tentando harmonizar interesses temporais e espirituais, obscureceram o problema da morte, impondo sombrias perspectivas à simples solução que lhe é própria.
Muitos deles situaram as almas em determinadas zonas de punição ou de expurgo, como se fossem absolutos senhores dos elementos indispensáveis à análise definitiva. Declararam outros que, no instante da grande transição, submerge-se o homem num sono indefinível até o dia derradeiro consagrado ao Juízo Final.
Hoje, no entanto, reconhece a inteligência humana que a lógica evolveu com todas as possibilidades de observação e raciocínio. […]
Como qualificar a pretensão daqueles que designam vizinhos e conhecidos para o inferno ilimitado no tempo? Como acreditar permaneçam adormecidos milhões de criaturas, aguardando o minuto decisivo de julgamento, quando o próprio Jesus se afirma em atividade incessante?
Os argumentos teológicos são respeitáveis; no entanto, não deveremos desprezar a simplicidade da lógica humana.
[…] Somos almas, em função de aperfeiçoamento, e, além do túmulo, encontramos a continuação do esforço e da vida.4
O entendimento da morte e do morrer contribui, e muito, para a nossa melhoria espiritual, afirma Elisabeth Kübler-Ross (1926-2004), conhecida psiquiatra suíça, naturalizada americana, profunda conhecedora do tema morte, a respeito do qual escreveu vários livros. Elisabeth considera o conhecimento sobre a morte uma necessidade evolutiva:
Embora possa parecer estranho, um dos caminhos mais produtivos para a evolução é encontrado através do estudo e da experiência da morte. Talvez a morte nos lembre que o nosso tempo é limitado e que é melhor realizarmos os nossos objetivos aqui na Terra antes que ela se esgote. Seja qual for a razão, indivíduos que tiveram a sorte de compartilhar a morte de alguém que lhe compreendeu o significado parecem mais bem capacitados a viver e evoluir devido a sua experiência. Aqueles imersos na tragédia de mortes maciças durante a guerra, e que enfrentaram isso com retidão, não permitindo a seus sentidos e sentimentos que se tornassem entorpecidos e indiferentes, emergiram de suas experiências com evolução e humanidade maiores que os que o conseguiram através de quaisquer outros meios.5
A educação para a morte fornece condições a que se enfrente com serenidade e coragem o momento final da experiência reencarnatória. Tem o poder de estimular o próprio processo de espiritualização, favorecido pelo desenvolvimento de virtudes e pelo combate às imperfeições. Neste contexto, o indivíduo passa a compreender, então, como a vida no plano físico é passageira e quanto é nocivo o apego aos bens materiais, como bem assinala o Espírito Lacordaire:
O amor aos bens terrenos é um dos mais fortes entraves ao vosso adiantamento moral e espiritual. Pelo apego à posse de tais bens, destruís as vossas faculdades de amar, ao aplicá-las, todas, às coisas materiais. […]6
Em síntese:
A vida espiritual é, realmente, a verdadeira vida, é a vida normal do Espírito; sua existência terrestre é transitória e passageira, espécie de morte, se comparada ao esplendor e atividade da vida espiritual.
O corpo não passa de vestimenta grosseira que reveste temporariamente o Espírito, verdadeiro grilhão que o prende à gleba terrena, do qual ele se sente feliz em libertar-se. […]7
O corpo não passa de vestimenta grosseira que reveste temporariamente o Espírito, verdadeiro grilhão que o prende à gleba terrena, do qual ele se sente feliz em libertar-se. […]7
Marta Antunes de Moura
Referências:
1 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Trad. Alfredo Bosi e Ivone Castillo Benedetti. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 684-685.
2 KARDEC, Allan. O céu e o inferno. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 1. imp. Brasília: FEB, 2013. pt. 2, cap. 1, it. 4, p. 156.
3 ____. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed. 2. imp. Brasília: FEB, 2014. q. 257, p. 160.
4 XAVIER, Francisco C. Caminho, verdade e vida. Pelo Espírito Emmanuel. 9. imp. Brasília: FEB, 2015. cap. 68, p. 151-152.
5 KÜBLER-ROSS, Elisabeth. Morte: estágio final da evolução. Trad. Ana Maria Coelho. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 1996. cap. 5, p. 161-162.
6 KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 2. imp. Brasília: FEB, 2014. cap. 16, it. 14, p. 220.
7 ____. ____. cap. 23, it. 8, p. 285.
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