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01 abril 2016

Os arquivos da Alma - Bezerra de Menezes



OS ARQUIVOS DA ALMA

Mergulhado na vida corpórea, perde o Espírito, momentaneamente, a lembrança de suas experiências anteriores, como se um véu as cobrisse. Todavia, conserva algumas vezes vaga consciência dessas vidas, que, mesmo em certas circunstâncias, lhe podem ser reveladas. Esta revelação, porém, só os Espíritos superiores espontaneamente a fazem, com um fim útil, nunca para satisfazer vã curiosidade. (Allan Kardec, “O Livro dos Espíritos”, pergunta 399.)

E não é somente após a morte que o Espírito recobra a lembrança do passado. Pode dizer-se que jamais a perde, pois que, como a experiência o demonstra, mesmo encarnado, adormecido o corpo, ocasião em que goza de certa liberdade, o Espírito tem consciência de seus atos anteriores; sabe porque sofre e que sofre com justiça. (Allan Kardec, “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, capítulo 5, item 11.)

O estudo do perispírito, sua organização, suas propriedades, sua utilidade e necessidade na organização humana, suas possibilidades verdadeiramente fabulosas, encantadoras, constituem, por certo, uma das maiores atrações da Doutrina dos Espíritos.

Esse delicado invólucro da alma, inigualavelmente concreto, poderoso nas funções que foi chamado a exercer na personalidade humana, é também denominado “corpo fluídico”, dada a estrutura da sua natureza, que, segundo os sábios pesquisadores da Ciência Espírita, é composta de três espécies de fluido: o fluido elétrico, o fluido magnético e o fluido cósmico universal, este também considerado pelos espiritistas a quinta-essência da matéria.

Esse corpo fluídico da alma, pois, que jamais a abandona, que, qual ela própria, é imortal, mas não imutável, pois evolui, partindo dos graus primitivos até galgar aos pináculos da superioridade, seguindo o mesmo trajeto glorioso daquela essência divina, ou seja, a alma; esse admirável corpo intermediário, que tanto participa do fluido imponderável como da matéria sublimada à quinta-essência.

O “perispírito”, chamado também “mediador plástico”, é também o transmissor das vontades da alma, ou ser inteligente, à ação da matéria humanizada, ou corpo físico humano; é a sede das sensações que agitam nossas sensibilidades, sensações que tanto mais amplas serão quanto mais ele próprio progrida.

Esse “corpo celeste”, como o definiu o grande Paulo de Tarso, “corpo astral”, no enunciado dos orientalistas, tão indispensável à alma para os fins da reencarnação, de onde lhe advém a confirmação do progresso; o perispírito, forma, esteio que mantém e conserva a própria estrutura do corpo carnal, conservando a personalidade detida na carne: pensamento, vontade, memória, fisionomia, etc.,

Enquanto as células humanas sofrem as variadas renovações periódicas, além de outras singulares propriedades possui, também, uma das mais importantes que a mentalidade humana poderia conceber, consoante o provaram numerosas experiências científicas ele arquiva em seus refolhos, como que superpostos em camadas vibratórias, todos os acontecimentos, todos os fatos, atos, sensações, e até os pensamentos que tenhamos produzido através das nossas imensas etapas evolutivas.

Referindo-se a esse magnífico envoltório intermediário, explicam os grandes mestres da Doutrina Espírita: “Como o carvalho que guarda em si os sinais de seus desenvolvimentos anuais, escreve Léon Denis no capítulo 23º do livro “Depois da Morte”, assim também o perispírito conserva, sob suas aparências presentes, os vestígios das vidas anteriores, dos estados (humanos e espirituais) sucessivamente percorridos.

Esses vestígios repousam em nós muitas vezes esquecidos, porém, desde que a alma os evoca, desperta a sua recordação, eles reaparecem, como outras tantas testemunhas, balizando o caminho longa e penosamente percorrido.

E no capítulo 8º, do livro: O Problema do Ser, do Destino e da Dor, “... no sono, no sonambulismo, no êxtase, desde que à alma se abre uma saída através do invólucro de matéria que a oprime e agrilhoa, restabelece-se imediatamente a corrente vibratória e o foco torna a adquirir toda a sua atividade, o espírito encontra-se novamente nos seus estados anteriores de poder e liberdade. Tudo o que nele dormia desperta.

As suas numerosas vidas reconstituem-se, não só com os tesouros do seu pensamento, com as reminiscências e aquisições, mas também com todas as sensações, alegrias e dores registradas no seu organismo fluídico. É esta a razão por que, no transe, a alma, vibrando as recordações do passado, afirma as suas existências anteriores e reata a cadeia misteriosa das suas transmigrações.

As menores particularidades da nossa vida registram-se em nós e deixam traços indeléveis. Pensamentos, desejos, paixões, atos bons ou maus, tudo se fixa, tudo se grava em nós. Durante o curso normal da vida, estas recordações acumulam-se em camadas sucessivas e as mais recentes acabam por delir aparentemente as mais antigas.

Parece que esquecemos aqueles mil pormenores da nossa existência dissipada. Basta, porém, evocar, nas experiências hipnóticas, os tempos passados, e tornar, pela vontade, a colocar o “sujet” numa época anterior da sua vida, na mocidade ou no estado de infância, para que essas recordações reapareçam em massa.

Tais recordações podem avançar abrangendo o estágio no Espaço, antes da reencarnação, como é sabido entre os espíritas, até rever a existência anterior, e, sendo o estado de desprendimento aprofundado, tanto no sono natural como nos diversos transes possíveis no caso, avançará até duas e mais existências passadas.

O próprio Léon Denis que cita, na mesma obra acima lembrada, esta belíssima experiência, também citada por Gabriel Delanne no seu livro “Reencarnação”, colhida de uma informação que lhe prestaram outros ilustres investigadores dos segredos contidos nos refolhos espirituais da personalidade humana.

Assim se expressa o grande escritor espírita, no capítulo XIV: O Príncipe Adam Wisznievski, rua do Debarcadere, 7, em Paris, comunica-nos a relação que se segue, feita pelas próprias testemunhas, algumas das quais vivem ainda e que só consentiram em ser designadas por iniciais: O Príncipe Galitzin, o Marquês de B, o Conde de R, estavam reunidos, no verão de 1862, nas praias de Hamburgo.

Uma noite, depois de terem jantado muito tarde, passeavam no parque do Cassino e aí avistaram uma pobre deitada num banco. Depois de se chegarem até ela e a interrogarem, convidaram-na a vir cear no hotel. O Príncipe Galitzin, que era magnetizador, depois que ela ceou, o que fez com grande apetite, teve a ideia de magnetizá-la. Conseguiu-o à custa de grande número de passes. Qual não foi a admiração das pessoas presentes quando, profundamente adormecida, aquela que, em vigília, se exprimia num arrevesado dialeto alemão, se pôs a falar muito corretamente em francês, contando que reencarnara na pobreza por castigo, em consequência de haver cometido um crime na sua vida precedente, no século 15.

Habitava então um castelo na Bretanha, à beira-mar. Por causa de um amante, quis livrar-se do marido e despenhou-o no mar, do alto de um rochedo; indicou o local do crime com grande exatidão. Graças às suas indicações, o Príncipe Galitzin e o Marquês de B puderam, mais tarde, dirigir-se à Bretanha, às costas do Norte, separadamente, e entregarem-se a dois inquéritos, cujos resultados foram idênticos.

Havendo interrogado grande número de pessoas, não puderam, a princípio, colher informação alguma. Afinal, encontraram uns camponeses já velhos que se lembravam de ter ouvido os pais contarem a história de uma jovem e bela castelã que assassinara o marido, mandando atirá-lo ao mar.

Tudo o que a pobre de Hamburgo havia dito, no estado de sonambulismo, foi reconhecido exato. Regressando de França e passando por Hamburgo, o Príncipe Galitzin interrogou o comissário de polícia a respeito desta mulher.

Este funcionário declarou-lhe que ela era inteiramente falha de instrução, falava um dialeto vulgar alemão e vivia apenas de mesquinhos recursos como mulher de soldados.

Por sua vez Gabriel Delanne, o erudito escritor e cientista espírita, não é menos pródigo em seus importantes livros, quanto ao assunto, e se deixamos de descrever alguns exemplos por ele apresentados será para não alongar demasiadamente a presente exposição, ao passo que a revista Reformador, órgão da Federação Espírita Brasileira, além de outros conceituados órgãos da imprensa espírita, constantemente relata notícias autênticas de pessoas que recordam, têm certeza de que viveram e como viveram em etapas reencarnatórias passadas.

Também poderemos apresentar o nosso testemunho a respeito da regressão da memória no estado de transe, como apresentámos as lembranças, embora restritas, da passada migração terrena, visto que será dever registrarmos os fenômenos autênticos do nosso conhecimento, a fim de também contribuirmos para a solidificação das teses espíritas.

Passaremos, pois, à narrativa de acontecimentos que nos dizem respeito, encaixados na tese em apreço.

Pelo ano de 1942 minhas provações, intensas desde a infância, se agravaram profundamente. Não me permitirei explicá-las aqui, mas afirmarei que foram inesperadas e violentas. Havendo lutado e sofrido sem tréguas, por assim dizer, desde tanto tempo, não resisti aos novos embates que então avultaram e adoeci gravemente, de um choque nervoso que me manteve inconsciente, como desmaiada, durante dois longos meses.

Em verdade, tal choque mais não seria que um estado mais pronunciado do traumatismo trazido pelo perispírito no ato da reencarnação, traumatismo inevitável, consequente do suicídio da passada existência, e cuja primeira manifestação ostensiva certamente que se verificou no primeiro mês de minha presente existência.

O certo foi que durante dois meses permaneci em estado singular, como de transe incompreensível, estado de coma, por assim dizer, sem comer, sem falar, respirando debilmente, vencida por sonolência insólita, e alimentando-me artificialmente, com auxílio alheio.

Não se tratava de transe letárgico, porque posteriormente recordei o que comigo se passou espiritualmente, e no estado de letargia não é possível a lembrança do que se passa com o espírito do paciente. Também não foi a catalepsia, porquanto não houve entorpecimento dos órgãos, e tão pouco se tratava do transe sonambúlico, visto que também este não permite recordação dos acontecimentos desenrolados, após o despertar.

Que estado seria então? Seria, acaso, a sonoterapia provocada pelos Guias Espirituais como caridoso auxílio à minha recuperação vibratória, ou simplesmente uma das faculdades naturais em a nossa individualidade psíquica, daquelas ainda não bastante conhecidas, ou talvez, unicamente, o estado traumático? Que seja, pois, fenômeno a ser estudado, visto que aconteceu e que eu mesma, que o sofri, não posso, verdadeiramente, classificá-lo.

A personalidade humana, como não mais ignoramos, é rica de dons e possibilidades espirituais e é bem possível que o próprio choque nervoso que me atingiu mecanicamente arrastasse as lembranças que se desencadearam então das camadas profundas da minha alma. Também é possível que fosse a manifestação da misericórdia do Alto, permitindo-me a explicação das razões por que eu assim sofria, explicações que foram reconforto para mim, permitindo-me novas forças para peripécias futuras.

Os dois médicos requisitados para a minha cabeceira não encontraram doença em meu organismo físico. Prescreveram então tratamento para o cérebro, receosos de uma possível embolia ou qualquer outro choque cerebral.

Para maior singularidade da minha situação, não foi tentado nenhum tratamento espírita, porquanto eu era recém-chegada à localidade em que me encontrava e não conhecia o movimento espírita local, além do estado de inconsciência em que me encontrei, sem condições para quaisquer providências a tal respeito.

Não me recordo senão vagamente, e como em pesadelo, do que comigo se passou na Terra durante aqueles dois meses, porque não vivi na Terra. Disseram-me, mais tarde, que esperavam minha morte a qualquer momento e que noites seguidas velaram por mim, esperando o desenlace.

Lembro-me apenas de que certa vez despertei sentindo o cérebro como que dilatado, tão grande que tive a impressão de que ele tomara as dimensões do próprio aposento em que me encontrava, e tudo enxerguei como tinto de sangue. Balbuciei algo num esforço supremo: Façam uma prece! Supliquei — mas tal murmúrio, que as pessoas que me acompanhavam mais adivinharam do que compreenderam, repercutiu tão dolorosamente em meu cérebro como se estampidos violentos o destruíssem.

Fizeram a prece, que não foi por mim percebida, enquanto eu retornava ao primitivo estado. Creio que nessa noite, com efeito, eu desencarnaria, se nova intervenção de Maria de Nazaré, para cujo auxílio meus familiares apelaram, não me socorresse, como na infância, quando estive a risco de ser sepultada viva.

Não obstante, vivi intensamente da vida espiritual durante aqueles dois meses e lembro-me, do quanto se passou com o meu espírito, enquanto o corpo material se mantinha assim inanimado. Revivi então episódios graves de minhas existências passada e atrasada, existências cujos erros cometidos ocasionaram as lutas do presente, as quais em parte aqui descrevo.

É bem possível que Charles, o meu Espírito familiar, me lesasse a revê-las a fim de estimular em meu ser coragem para as peripécias da reparação que se impunha, como também é possível que ele apenas me amparasse, confortando-me, quando o estado traumático mecanicamente as aviventasse em minha consciência por predisposições naturais em toda personalidade e, por conseguinte também na minha.

Assim sendo, vivi novamente a época em que fora filha de Charles (século 19), época em que possuíra carruagens, vestidos de rendas com longos babados e vivia num casarão senhorial, conforme eu mesma descrevia durante a infância, pois ele fora, com efeito, nobre europeu de família assaz conhecida na Espanha, em Portugal e na França, pelo menos, nome que não me permitirei revelar por ordem dele próprio.

Dessa forma, atingi também a existência anterior e me encontrei cigana infeliz, na Espanha, bailando pelas ruas de Sevilha, de Toledo e de Madrid, e depois morrendo de miséria à frente de um palácio que eu rondava cheia de ânsias e amarguras e onde pouco depois reencarnava como filha de Charles, pois era ali a residência dele.


Autor: Yvonne do Amaral Pereira, ditado pelo espírito de Adolfo Bezerra de Menezes
Compilado do livro: Recordações da Mediunidade

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