Até onde vai a minha lembrança eu sempre detectava a presença de uma Entidade, um sacerdote romano, respeitável, com ares adversários contra mim, numa atitude agressiva, ameaçando-me, a princípio de forma educada e depois com muita rispidez.
E prometendo que, se eu não seguisse as suas diretrizes ele ia terminar por me destruir. Mas eu era muito jovem para entender essas sutilezas da mediunidade. Passaram-se os anos, e quando me tornei espírita, começando a exercer a mediunidade, fui constatando, a pouco e pouco, que ser médium não é uma viagem ao país da fantasia. E uma tarefa muito séria e de alta responsabilidade.
Nesse ínterim, a Entidade começou a dar-me uma assistência negativa, pois, à medida que se passava o tempo, mais eu me afeiçoava ao contexto do Espiritismo, de tal forma que a sua atuação tornou-se muito dolorosa.
Nos momentos difíceis da minha vida ele esteve presente. No rol das minhas lembranças, vem-me à mente uma tentativa malograda de suicídio, quando eu contava dezenove anos, por afogamento, no mar. Numa noite – eu tinha certas visões desagradáveis então, sofri um desses fenômenos e ouvi uma voz me chamando e me hipnotizando. Dizia que a solução para mim – a única – era destruir o corpo, porque, na Terra, eu sofria muito, e, se destruísse o corpo, iria ser plenamente feliz, partiria para o Mundo Espiritual, onde estavam as pessoas que me amavam, aquelas que estão vinculadas a mim, e que já era tempo de me libertar dessa canga difícil, que era a vida física. Morávamos perto da praia. Eu saltei a janela e fui sendo arrastado pela indução hipnótica em direção ao mar. Era madrugada e não havia ninguém por perto.
Nilson, que é muito vigilante, percebeu o que estava acontecendo e me acompanhou. Notou, quando eu me lancei mar a dentro. As primeiras ondas molharam-me os pés, mas eu prossegui (até hoje eu não sei nadar). Fui entrando sob aquele fascínio, até que as ondas bateram no meu rosto, provocando-me um choque e despertando-me. Ao dar-me conta da situação, fiquei desesperado: ver-me com roupa dentro do mar, de pijama e sem saber o que havia acontecido. Nilson estava próximo, orando, porque ele conhecia a interferência Divina, que nunca falta. Nesse exato momento, quando ele me viu a debater e gritar, atirou-se às ondas e me resgatou, trazendo-me para a praia.
Quando eu ia saindo das águas, amparado por ele, vi a Entidade, com aspecto dominador, dizendo que me mataria, não adiantava recalcitrar: ou eu abandonava o meu compromisso recebido com o Espiritismo ou ele me destruiria. Repetia que eu tinha deveres para com a sua antiga doutrina e que a estava conspurcando; que o meu labor era com a religião tradicional; que não tinha o direito de me desviar dela, fosse qual fosse a justificativa. Passaram-se os anos. Aquele foi um período amargo da minha vida; o dos testemunhos.
Esse Espírito criou-me injunções, as mais dolorosas. Uma delas ocorreu à época em que eu ainda estudava.
Em certa ocasião, quando eu ia a uma aula, caminhava tranquilamente pela rua da Misericórdia, que é muito movimentada, quando alguém, subitamente, me puxou pelas costas. Voltei-me, julgando ser um colega. Recebi um golpe, um murro no rosto, que me lançou sobre uma vitrine de uma joalheria, provocando um certo pânico e um grande susto. Juntaram-se algumas pessoas, eu tive uns cortes, mas, quando caí, depois que me voltei de frente para o agressor, ele disse: “- Perdoe-me, desculpe-me! Eu tive a impressão de que você era o indivíduo que anda perturbando a paz de minha mulher e quis puni-lo. Você me desculpe!” Houve uma confusão momentânea, e enquanto alguém me ajudava a levantar, no meio daqueles rostos, eu o vi. Como de outras oportunidades, ameaçou-me:
– Vou humilhar-te de tal forma, tantas vezes, que não terás outra alternativa, senão a de se render, ou te matarei. Eu residia muito distante do centro da cidade, e sempre me sugestionei que qualquer coisa que me sucedesse a minha primeira providência seria a de voltar para casa, imediatamente.
Esta bofetada me marcou muito a vida, porque vi como os Espíritos podem, em certas ocasiões, armar um indivíduo para cometer um crime contra aqueles a quem detestam, desde que o outro ou aqueles dêem margem, entrando no processo de sintonia.
Eu orava, tinha a vida normal de uma pessoa que procura manter a dignidade, já trabalhava na mediunidade, na pregação, mas isto lhe açulava, cada vez mais, o ódio. Posteriormente, em 1960, no dia 13 de janeiro, eu estava em Uberaba. Havia sido orador de uma turma de médicos, e a bondade de Chico Xavier sempre me agasalhou em seu coração generoso. Naquele tempo, Chico Xavier participava das reuniões da Comunhão Espírita Cristã, em Uberaba, e no grupo de desobsessão, eu tinha permissão de tomar parte como se fosse membro que residisse fora. Sempre que estava na cidade, naquele dia – quarta-feira – eu me integrava na sessão. Fui à reunião, participando dos trabalhos habituais, e vários Espíritos se comunicaram através dos diversos médiuns presentes.
O momento culminante, porém, foi quando esse mesmo Espírito que me vinha perseguindo se incorporou no médium Chico Xavier e, num gesto de quem mete a mão no bolso e tira algo, me disse como se estivesse a ler anotações: – Estou aqui com a sua ficha. Você se lembra do ano de 1955 quando foi a Apucarana, por primeira, vez?
Eu não me lembrava. – Pois vou refrescar-lhe a memória. E começou a citar fatos (que eu passei a recordar), que haviam sucedido naquela oportunidade, na cidade citada do norte do Paraná. – Recorda-se – prosseguiu, citando outro fato – do dia 14 de julho do ano passado, quando você estava no Rio de Janeiro, à rua tal, número tanto , apartamento número tal?
Eu me recordei de um incidente muito desagradável, quando uma pessoa que estava dialogando comigo, sem qualquer motivo aparente, foi tomada de cólera e provocou uma discussão, que eu procurei não dar prosseguimento, sofrendo então uma agressão de forma tão inesperada, que me chocou profundamente.
Guardei a data por ser o dia da libertação, da Queda da Bastilha.
A pessoa foi investindo contra mim, enquanto eu fui recuando até à janela da sala, já não havendo mais para onde afastar-me e sentindo nos olhos da criatura como ela estava possessa, com desejo de atirar-me de lá de cima era o 12º andar do edifício.
Através do Chico o Espírito dizia com rudeza:
– Fui eu quem incorporou essa pessoa para destruir-lhe a vida. Eu sei que não destruirei, mas aniquilarei o seu corpo e ficará do nosso lado. Eu venho hoje aqui para termos um acerto. O que é impressionante – e grave – é que o Espírito falava com autoridade sobre mim. Apesar do ódio que ele destilava, eu sentia respeito e consideração, não experimentando rancor.
– Você se comprometeu conosco – afirmava, exaltado -, a chamada Igreja militante, para engrossar as fileiras do clero, quando retornasse à Terra, e trai-nos vergonhosamente, indo participar de uma doutrina abjeta. Passou a atacar o Espiritismo com muita nobreza de linguagem, mas com muita agressividade emocional, utilizando-se de sofismas muito bem construídos , tais como:
– A minha reação contra o Espiritismo tem fundamento, porque o Espiritismo está barateando a mediunidade, o carisma, a graça, o dom, deixando que esta concessão seja colocada no ridículo de um populacho incapaz de a compreender.
Eu retruquei, algo tímido: – Meu irmão, o senhor é a maior prova da legitimidade, da justeza do fenômeno espírita, porque o senhor está incorporado num médium, conversando comigo.
– Este manequim de quem me utilizo – respondeu, prontamente -, é um instrumento dócil, ele tem feito jus a ser veículo dos Espíritos, porém, o Espiritismo barateia a mediunidade. Como você consideraria, se eu, um sacerdote da respeitável religião, fosse a um picadeiro de circo para distribuir a sagrada eucaristia, entre palhaços, feras e o povo que ali foi para divertir-se? A eucaristia, para nós, é o momento culminante da união com Deus.
Com os senhores, os espíritas, podem atrever-se a apresentar esta eucaristia no circo das misérias humanas? Bem se vê que era um sofisma, mas, aparentemente, muito bem colocado, por que nós não barateamos a mediunidade, nós não a vulgarizamos, apenas repetimos Jesus, trazemos o fenômeno mediúnico, ou melhor, explicamos o fenômeno mediúnico a fim de facilitar as pessoas a se encontrarem consigo mesmas. Ao mesmo tempo, é a prova robusta da imortalidade da alma, preconizada por todas as religiões. Todavia, ele usou de um outro argumento:
– Quando o Espiritismo apareceu, a Igreja Romana podia ser comparada a um holofote que projetava imensa claridade no céu enquanto ele era uma talisca de fósforo acesa que se abria na treva, incapaz de competir com o poder e a opulência da Igreja. Que vemos agora? Observamos que o Espiritismo se transforma em uma constelação de astros a iluminar os céus e a Igreja vai apagando a sua claridade.
– Mas, meu irmão, a culpa não é do Espiritismo, o senhor me desculpe. – Você, porém, é um desses responsáveis, porque anda com o archote da fé, de um lado para outro, buscando iluminar consciências, incendiando tudo à sua passagem. Vou dar-lhe uma determinação: retorne a Salvador, procure o sacerdote fulano de tal (cujo nome não devo declinar porque ainda está encarnado), na igreja tal, com quem mantenho contato direto e apresente-se para confessar-se, arrepender-se, tomar hábito e servir à causa da Verdade.
– Eu não posso, o meu compromisso é com Jesus. Eu sou um empregado a serviço de uma Nova Era. Não compreendo por que o irmão se volta contra mim.
O irmão deveria voltar-se contra Aquele que me dirige; porque, se o senhor se voltar contra Ele, Ele me liberta. Eu sou escravo, liberte-me dEle e eu passarei de mão, com muito prazer, se for isso que aconteça. Mas se o senhor não me libertar dEle, eu não posso, não tenho como me evadir da presença de Jesus.
– Não, contra Ele eu não posso – retrucou – mas, contra você eu posso .
– Farei tudo por persuadi-lo. Utilizar-me-ei da bondade, da oferenda de recursos e valores para você triunfar no mundo.
– Mas, se você se obstinar, veja bem (e utilizou de outro sofisma):
– Ou aceita a minha voz – é o meu ultimato – ou aonde for pregar a sua malsinada Doutrina, defrontará com a minha presença, sendo desmoralizado pelos seus correligionários e confrades.
Ele declinou o nome: J.T.S. A verdade é que, dois anos depois, exatamente, eu fui convidado a um pesado testemunho.
Por onde quer que eu haja passado, durante vários anos e até hoje ainda, a partir do dia 10 de junho de 1962 as provações me aguardavam: a ironia, a zombaria, o descrédito e tantas coisas que nos levam ao sofrimento, chegavam e se avizinhavam rudes.
Todavia, não desanimei.
Anos depois, mesmo continuando as provas, as lutas e as dores, ele me reapareceu.
Um esclarecimento: comecei a chamar esse Espírito pelo nome de o “máscara-de-ferro”.
Eu havia assistido um filme, fazia muitos anos, sob esta epígrafe.
No dia da bofetada, na rua da Misericórdia, quando cheguei à casa e entrei discretamente para que os meus pais e a minha irmã não me vissem, segui ao meu quarto.
Ali, ele me apareceu e o seu rosto me fazia lembrar a personagem do filme com a “máscara-de-ferro”, só que o ferro estava como que incandescente.
Aquilo me impressionou de forma tal, que eu, jovem ainda, com algum atavismo clericalista, ajoelhei-me aos seus pés e lhe pedi perdão. – O senhor me odeia tanto – disse-lhe – que deve ter um motivo muito forte para isto; então, perdoe-me. Dê-me uma oportunidade de reparação, eu já não sou aquela mesma pessoa…
– Você mudou apenas de roupa, mas é a mesma pessoa e eu o matarei. Várias vezes ele me apareceu com aquela expressão terrível. Anos depois, por volta de 1976, portanto, quase trinta anos de combate diário, de assistência quase diária, ele retornou e falou-me:
– Vou deixá-lo por um período. Você não me convence, porque eu o conheço, sei das suas dívidas; mas você me venceu, temporariamente, pela paciência, pela humildade, pela abnegação, pelo trabalho que vem desenvolvendo na sua comunidade e em si mesmo.
Eu fiquei muito feliz, é claro. Passaram-se os anos. Certo dia, em circunstância muito dolorosa, chegou à “Mansão do Caminho” uma criança, e, como era natural, nós estávamos impossibilitados de receber novos candidatos por falta de espaço e de recursos. Vendo a criança num tal estado de abandono, de debilidade orgânica, de sofrimento e miséria, comovi-me e me lembrei de Jesus. Perguntei-me, mentalmente: Como faria Jesus em uma circunstância destas? A consciência me disse que Ele a receberia.
Foi o que eu fiz. Imediatamente convocamos os nossos colaboradores residentes e a criança foi encaminhada a uma das casas. Nesta noite, apareceu-me aquele Espírito e me informou, emocionado:
– Agora você me convenceu. Porque esta, a quem acaba de receber, é a minha mãe, que está de volta ao corpo. Eu tenho que amar a quem vai ajudá-la na sua tarefa de redenção. Ensine-me, agora, o que fazer, para a prender a amar Jesus, na visão correta, e, se Deus me der vida, poder retornar e vir ainda receber o afago das suas mãos nessa sua casa…
Encerrava-se, assim, o capítulo do “máscara-de-ferro”, de uma forma sublime, demonstrando a excelência do amor e o poder da caridade. Ele continua aparecendo-me, hoje, menos hostil, quase afável; já participa das nossas reuniões doutrinárias e mediúnicas, e, de vez em quando, traz outros correligionários, outros companheiros que têm o mesmo problema, para receberem a ajuda em nossa casa.
E prometendo que, se eu não seguisse as suas diretrizes ele ia terminar por me destruir. Mas eu era muito jovem para entender essas sutilezas da mediunidade. Passaram-se os anos, e quando me tornei espírita, começando a exercer a mediunidade, fui constatando, a pouco e pouco, que ser médium não é uma viagem ao país da fantasia. E uma tarefa muito séria e de alta responsabilidade.
Nesse ínterim, a Entidade começou a dar-me uma assistência negativa, pois, à medida que se passava o tempo, mais eu me afeiçoava ao contexto do Espiritismo, de tal forma que a sua atuação tornou-se muito dolorosa.
Nos momentos difíceis da minha vida ele esteve presente. No rol das minhas lembranças, vem-me à mente uma tentativa malograda de suicídio, quando eu contava dezenove anos, por afogamento, no mar. Numa noite – eu tinha certas visões desagradáveis então, sofri um desses fenômenos e ouvi uma voz me chamando e me hipnotizando. Dizia que a solução para mim – a única – era destruir o corpo, porque, na Terra, eu sofria muito, e, se destruísse o corpo, iria ser plenamente feliz, partiria para o Mundo Espiritual, onde estavam as pessoas que me amavam, aquelas que estão vinculadas a mim, e que já era tempo de me libertar dessa canga difícil, que era a vida física. Morávamos perto da praia. Eu saltei a janela e fui sendo arrastado pela indução hipnótica em direção ao mar. Era madrugada e não havia ninguém por perto.
Nilson, que é muito vigilante, percebeu o que estava acontecendo e me acompanhou. Notou, quando eu me lancei mar a dentro. As primeiras ondas molharam-me os pés, mas eu prossegui (até hoje eu não sei nadar). Fui entrando sob aquele fascínio, até que as ondas bateram no meu rosto, provocando-me um choque e despertando-me. Ao dar-me conta da situação, fiquei desesperado: ver-me com roupa dentro do mar, de pijama e sem saber o que havia acontecido. Nilson estava próximo, orando, porque ele conhecia a interferência Divina, que nunca falta. Nesse exato momento, quando ele me viu a debater e gritar, atirou-se às ondas e me resgatou, trazendo-me para a praia.
Quando eu ia saindo das águas, amparado por ele, vi a Entidade, com aspecto dominador, dizendo que me mataria, não adiantava recalcitrar: ou eu abandonava o meu compromisso recebido com o Espiritismo ou ele me destruiria. Repetia que eu tinha deveres para com a sua antiga doutrina e que a estava conspurcando; que o meu labor era com a religião tradicional; que não tinha o direito de me desviar dela, fosse qual fosse a justificativa. Passaram-se os anos. Aquele foi um período amargo da minha vida; o dos testemunhos.
Esse Espírito criou-me injunções, as mais dolorosas. Uma delas ocorreu à época em que eu ainda estudava.
Em certa ocasião, quando eu ia a uma aula, caminhava tranquilamente pela rua da Misericórdia, que é muito movimentada, quando alguém, subitamente, me puxou pelas costas. Voltei-me, julgando ser um colega. Recebi um golpe, um murro no rosto, que me lançou sobre uma vitrine de uma joalheria, provocando um certo pânico e um grande susto. Juntaram-se algumas pessoas, eu tive uns cortes, mas, quando caí, depois que me voltei de frente para o agressor, ele disse: “- Perdoe-me, desculpe-me! Eu tive a impressão de que você era o indivíduo que anda perturbando a paz de minha mulher e quis puni-lo. Você me desculpe!” Houve uma confusão momentânea, e enquanto alguém me ajudava a levantar, no meio daqueles rostos, eu o vi. Como de outras oportunidades, ameaçou-me:
– Vou humilhar-te de tal forma, tantas vezes, que não terás outra alternativa, senão a de se render, ou te matarei. Eu residia muito distante do centro da cidade, e sempre me sugestionei que qualquer coisa que me sucedesse a minha primeira providência seria a de voltar para casa, imediatamente.
Esta bofetada me marcou muito a vida, porque vi como os Espíritos podem, em certas ocasiões, armar um indivíduo para cometer um crime contra aqueles a quem detestam, desde que o outro ou aqueles dêem margem, entrando no processo de sintonia.
Eu orava, tinha a vida normal de uma pessoa que procura manter a dignidade, já trabalhava na mediunidade, na pregação, mas isto lhe açulava, cada vez mais, o ódio. Posteriormente, em 1960, no dia 13 de janeiro, eu estava em Uberaba. Havia sido orador de uma turma de médicos, e a bondade de Chico Xavier sempre me agasalhou em seu coração generoso. Naquele tempo, Chico Xavier participava das reuniões da Comunhão Espírita Cristã, em Uberaba, e no grupo de desobsessão, eu tinha permissão de tomar parte como se fosse membro que residisse fora. Sempre que estava na cidade, naquele dia – quarta-feira – eu me integrava na sessão. Fui à reunião, participando dos trabalhos habituais, e vários Espíritos se comunicaram através dos diversos médiuns presentes.
O momento culminante, porém, foi quando esse mesmo Espírito que me vinha perseguindo se incorporou no médium Chico Xavier e, num gesto de quem mete a mão no bolso e tira algo, me disse como se estivesse a ler anotações: – Estou aqui com a sua ficha. Você se lembra do ano de 1955 quando foi a Apucarana, por primeira, vez?
Eu não me lembrava. – Pois vou refrescar-lhe a memória. E começou a citar fatos (que eu passei a recordar), que haviam sucedido naquela oportunidade, na cidade citada do norte do Paraná. – Recorda-se – prosseguiu, citando outro fato – do dia 14 de julho do ano passado, quando você estava no Rio de Janeiro, à rua tal, número tanto , apartamento número tal?
Eu me recordei de um incidente muito desagradável, quando uma pessoa que estava dialogando comigo, sem qualquer motivo aparente, foi tomada de cólera e provocou uma discussão, que eu procurei não dar prosseguimento, sofrendo então uma agressão de forma tão inesperada, que me chocou profundamente.
Guardei a data por ser o dia da libertação, da Queda da Bastilha.
A pessoa foi investindo contra mim, enquanto eu fui recuando até à janela da sala, já não havendo mais para onde afastar-me e sentindo nos olhos da criatura como ela estava possessa, com desejo de atirar-me de lá de cima era o 12º andar do edifício.
Através do Chico o Espírito dizia com rudeza:
– Fui eu quem incorporou essa pessoa para destruir-lhe a vida. Eu sei que não destruirei, mas aniquilarei o seu corpo e ficará do nosso lado. Eu venho hoje aqui para termos um acerto. O que é impressionante – e grave – é que o Espírito falava com autoridade sobre mim. Apesar do ódio que ele destilava, eu sentia respeito e consideração, não experimentando rancor.
– Você se comprometeu conosco – afirmava, exaltado -, a chamada Igreja militante, para engrossar as fileiras do clero, quando retornasse à Terra, e trai-nos vergonhosamente, indo participar de uma doutrina abjeta. Passou a atacar o Espiritismo com muita nobreza de linguagem, mas com muita agressividade emocional, utilizando-se de sofismas muito bem construídos , tais como:
– A minha reação contra o Espiritismo tem fundamento, porque o Espiritismo está barateando a mediunidade, o carisma, a graça, o dom, deixando que esta concessão seja colocada no ridículo de um populacho incapaz de a compreender.
Eu retruquei, algo tímido: – Meu irmão, o senhor é a maior prova da legitimidade, da justeza do fenômeno espírita, porque o senhor está incorporado num médium, conversando comigo.
– Este manequim de quem me utilizo – respondeu, prontamente -, é um instrumento dócil, ele tem feito jus a ser veículo dos Espíritos, porém, o Espiritismo barateia a mediunidade. Como você consideraria, se eu, um sacerdote da respeitável religião, fosse a um picadeiro de circo para distribuir a sagrada eucaristia, entre palhaços, feras e o povo que ali foi para divertir-se? A eucaristia, para nós, é o momento culminante da união com Deus.
Com os senhores, os espíritas, podem atrever-se a apresentar esta eucaristia no circo das misérias humanas? Bem se vê que era um sofisma, mas, aparentemente, muito bem colocado, por que nós não barateamos a mediunidade, nós não a vulgarizamos, apenas repetimos Jesus, trazemos o fenômeno mediúnico, ou melhor, explicamos o fenômeno mediúnico a fim de facilitar as pessoas a se encontrarem consigo mesmas. Ao mesmo tempo, é a prova robusta da imortalidade da alma, preconizada por todas as religiões. Todavia, ele usou de um outro argumento:
– Quando o Espiritismo apareceu, a Igreja Romana podia ser comparada a um holofote que projetava imensa claridade no céu enquanto ele era uma talisca de fósforo acesa que se abria na treva, incapaz de competir com o poder e a opulência da Igreja. Que vemos agora? Observamos que o Espiritismo se transforma em uma constelação de astros a iluminar os céus e a Igreja vai apagando a sua claridade.
– Mas, meu irmão, a culpa não é do Espiritismo, o senhor me desculpe. – Você, porém, é um desses responsáveis, porque anda com o archote da fé, de um lado para outro, buscando iluminar consciências, incendiando tudo à sua passagem. Vou dar-lhe uma determinação: retorne a Salvador, procure o sacerdote fulano de tal (cujo nome não devo declinar porque ainda está encarnado), na igreja tal, com quem mantenho contato direto e apresente-se para confessar-se, arrepender-se, tomar hábito e servir à causa da Verdade.
– Eu não posso, o meu compromisso é com Jesus. Eu sou um empregado a serviço de uma Nova Era. Não compreendo por que o irmão se volta contra mim.
O irmão deveria voltar-se contra Aquele que me dirige; porque, se o senhor se voltar contra Ele, Ele me liberta. Eu sou escravo, liberte-me dEle e eu passarei de mão, com muito prazer, se for isso que aconteça. Mas se o senhor não me libertar dEle, eu não posso, não tenho como me evadir da presença de Jesus.
– Não, contra Ele eu não posso – retrucou – mas, contra você eu posso .
– Farei tudo por persuadi-lo. Utilizar-me-ei da bondade, da oferenda de recursos e valores para você triunfar no mundo.
– Mas, se você se obstinar, veja bem (e utilizou de outro sofisma):
– Ou aceita a minha voz – é o meu ultimato – ou aonde for pregar a sua malsinada Doutrina, defrontará com a minha presença, sendo desmoralizado pelos seus correligionários e confrades.
Ele declinou o nome: J.T.S. A verdade é que, dois anos depois, exatamente, eu fui convidado a um pesado testemunho.
Por onde quer que eu haja passado, durante vários anos e até hoje ainda, a partir do dia 10 de junho de 1962 as provações me aguardavam: a ironia, a zombaria, o descrédito e tantas coisas que nos levam ao sofrimento, chegavam e se avizinhavam rudes.
Todavia, não desanimei.
Anos depois, mesmo continuando as provas, as lutas e as dores, ele me reapareceu.
Um esclarecimento: comecei a chamar esse Espírito pelo nome de o “máscara-de-ferro”.
Eu havia assistido um filme, fazia muitos anos, sob esta epígrafe.
No dia da bofetada, na rua da Misericórdia, quando cheguei à casa e entrei discretamente para que os meus pais e a minha irmã não me vissem, segui ao meu quarto.
Ali, ele me apareceu e o seu rosto me fazia lembrar a personagem do filme com a “máscara-de-ferro”, só que o ferro estava como que incandescente.
Aquilo me impressionou de forma tal, que eu, jovem ainda, com algum atavismo clericalista, ajoelhei-me aos seus pés e lhe pedi perdão. – O senhor me odeia tanto – disse-lhe – que deve ter um motivo muito forte para isto; então, perdoe-me. Dê-me uma oportunidade de reparação, eu já não sou aquela mesma pessoa…
– Você mudou apenas de roupa, mas é a mesma pessoa e eu o matarei. Várias vezes ele me apareceu com aquela expressão terrível. Anos depois, por volta de 1976, portanto, quase trinta anos de combate diário, de assistência quase diária, ele retornou e falou-me:
– Vou deixá-lo por um período. Você não me convence, porque eu o conheço, sei das suas dívidas; mas você me venceu, temporariamente, pela paciência, pela humildade, pela abnegação, pelo trabalho que vem desenvolvendo na sua comunidade e em si mesmo.
Eu fiquei muito feliz, é claro. Passaram-se os anos. Certo dia, em circunstância muito dolorosa, chegou à “Mansão do Caminho” uma criança, e, como era natural, nós estávamos impossibilitados de receber novos candidatos por falta de espaço e de recursos. Vendo a criança num tal estado de abandono, de debilidade orgânica, de sofrimento e miséria, comovi-me e me lembrei de Jesus. Perguntei-me, mentalmente: Como faria Jesus em uma circunstância destas? A consciência me disse que Ele a receberia.
Foi o que eu fiz. Imediatamente convocamos os nossos colaboradores residentes e a criança foi encaminhada a uma das casas. Nesta noite, apareceu-me aquele Espírito e me informou, emocionado:
– Agora você me convenceu. Porque esta, a quem acaba de receber, é a minha mãe, que está de volta ao corpo. Eu tenho que amar a quem vai ajudá-la na sua tarefa de redenção. Ensine-me, agora, o que fazer, para a prender a amar Jesus, na visão correta, e, se Deus me der vida, poder retornar e vir ainda receber o afago das suas mãos nessa sua casa…
Encerrava-se, assim, o capítulo do “máscara-de-ferro”, de uma forma sublime, demonstrando a excelência do amor e o poder da caridade. Ele continua aparecendo-me, hoje, menos hostil, quase afável; já participa das nossas reuniões doutrinárias e mediúnicas, e, de vez em quando, traz outros correligionários, outros companheiros que têm o mesmo problema, para receberem a ajuda em nossa casa.
Divaldo P.Franco
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