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07 julho 2019

Noites de Vigília - Lucy D. Ramos



NOITES DE VIGÍLIA



Os momentos de solidão, quando bem aproveitados, são de grande importância em nossas vidas. Eles nos levam a reflexões mais profundas e duradouras a respeito dos problemas que nos afligem e ao amadurecimento, propiciando-nos conhecer, detalhadamente, nosso mundo íntimo pela observação e enfrentamento do que nos acontece, sem outras interferências.

Das lutas e do sofrimento saímos mais fortes para prosseguir vivendo...


Existem situações nas quais testamos nossa capacidade de perdoar, de tolerar as dores morais que nos chegam como bênçãos a nos induzir ao despertar para a melhoria íntima, a nos convidar à compreensão dos que não podem, mesmo em momentos difíceis, estar ao nosso lado, com o apoio fraterno que gostaríamos de receber. São momentos ímpares, oportunidades valiosas de aprendizado desta difícil mas maravilhosa arte de bem viver.

Esses pensamentos afloram em minha mente, nesta noite fria de junho, na solidão de um quarto de hospital, em vigília constante ao lado de meu companheiro de tantos anos... Vejo-o no leito tão tranquilo e distante, nesta madrugada, e me recordo de outras noites de insônia, por motivos tão diversos, ao longo de nossa vida comum - preocupações profissionais, com nossos filhos, com nossos pais, com nossos amigos - quando juntos conversávamos buscando soluções e nos confortando mutuamente... Hoje, não ouço sua voz, não posso compartilhar com seu coração generoso minhas preocupações e meus medos, todavia, busco, na prece e na aceitação do sofrimento atual, a calma e a serenidade íntima de que necessito para poder ajudá-lo e os meus familiares.

0 silêncio que nos envolve nos leva a ouvir sons diferentes do habitual, que nos chegam através dos aparelhos sofisticados de sustentação e equilíbrio da vida física. 0 borbulhar do líquido de receptor que umedece o oxigênio lembra-me o murmúrio da queda d'água, ligeiro e constante, com o qual tantas vezes nos aquietamos na contemplação da Natureza, refazendo nossas energias e equilibrando nossas emoções.


Desejando suavizar a noite que nos envolve, quando a cidade adormece, procuro visualizar outros momentos...


O pensamento nos leva para longe e caminho na estrada ensolarada que contorna o lago da fazenda, aspirando o ar da manhã e contemplando a beleza da Natureza num turbilhão de cores e sons que me encantam... Posso nesse devaneio, deslocando meu espírito, suavizar um pouco as agruras deste momento, e é justamente no contato com as árvores amigas, com os pássaros que voejam em torno de mim, com o suave som da água corrente, que refrigero a sede do entendimento e amenizo a dor da ausência, da solidão.

Retorno ao quarto confortável do hospital e agradeço a Deus tanto amparo, tantas demonstrações de apoio e lembro a cada instante os recursos salutares que a Doutrina Espírita nos confere...

Quando sofremos, recordamos mais intensamente os ensinos de Jesus e em suas palavras encontramos a motivação para prosseguir. No cap. VI, item 6, de O Evangelho segundo o Espiritismo, há um trecho que nos consola quando diz:

Venho instruir e consolar os pobres deserdados. Venho dizer-Ihes que elevem a sua resignação ao nível de suas provas, que chorem, porquanto a dor foi sagrada no Jardim das Oliveiras; mas, que esperem, pois que também a eles os anjos consoladores lhes virão enxugar as lágrimas.7'KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Cap. VI, it. 6.

Quantas vezes já lera esta página e não havia avaliado com maior intensidade estas palavras. Talvez porque ainda não tivesse em outros momentos de dor, sentido como hoje, a necessidade de buscar um maior aprofundamento nas palavras consoladoras desta mensagem.

Instruir e consolar - apontando as razões do sofrimento, a resposta a cada um de nós, ante a necessidade da dor, de sua função educativa, para podermos, no resgate de atos pretéritos, renovar nossas mentes, restabelecer o equilíbrio perante a Lei Divina.

Consolar os deserdados, os que padecem... Que de mais valioso existe, em momentos de dor, que recebermos as vibrações carinhosas dos amigos espirituais envolvendo-nos em fluidos de paz, de reconforto e harmonia íntima?

Que elevem a sua resignação ao nível de suas provas - quanto maior o sofrimento, mais necessidade de equilíbrio, de confiança em Deus, de calma ante as dificuldades, conscientes de que temos condições de suportá-las, de recebê-las para tranquilidade de nossa consciência diante da responsabilidade de nossos atos passados. Sentimos, aos poucos, ao vencer as etapas deste processo de retificação, que nossa alma se acalma, fica mais leve e temos a certeza de que estamos desonerando nossas vidas dos compromissos assumidos quando aqui retornamos, em paz e amparados pelo amor dos que nos ajudam. Que esperem, pois que também a eles os anjos consoladores lhes virão enxugar as lágrimas - quando a dor nos visita o coração, termos a certeza de que os amigos espirituais estão a nosso lado, amenizando nossas dores, suavizando a angústia que, às vezes, tenta solapar nossa esperança, enxugando nossas lágrimas e refazendo nossas energias para que possamos prosseguir vivendo.

Da vivência espírita, das lições edificantes que fomos assimilando ao longo da vida, recebemos, em momentos assim, os recursos valiosos para manter a fé, o equilíbrio e a confiança de que tudo passa, tudo o que nos chega em forma de sofrimento ou momentos de felicidade são instrumentos de que a Lei Divina se utiliza para o nosso progresso moral. E vamos recordando as lições de Bezerra de Menezes, de Emmanuel, de Joanna de Angelis, de Manoel Philomeno de Miranda, de André Luiz e tantos outros benfeitores espirituais que pelos seus ensinamentos nos encorajam a prosseguir...

A Doutrina Espírita enriquece nosso viver quando nos desperta para a realidade existencial e sabemos que viver as diferentes etapas da vida nem sempre constitui motivos de júbilo e contentamento. Todos nós somos testados e examinados à luz da Justiça Divina.

Para concluir, transcrevo um trecho de Joanna que nos diz:


Uma existência feliz não é, necessariamente, aquela que se faz breve ou larga, mas sim aquela que se transforma em mensagem de alegria e bem-estar para a própria pessoa, bem como para todos aqueles que a cercam. Cada existência é uma mensagem, cujo conteúdo deve ser positivo, de forma que dignifique outras, enriquecendo-as de esperança. A doença, os problemas não são aspectos de infelicidade, porém convites do organismo da vida, para dizer que é necessário estar lúcido e consciente. A morte, por isso mesmo, não é um fracasso da vida, mas uma nova admirável experiência.

Confiemos em Deus e prossigamos em paz!



Lucy D. Ramos


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