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18 julho 2009

Amor e Auxílio - Humberto de Campos (Irmão X)

AMOR E AUXÍLIO

Rolava a conversação em torno de proteção espiritual, quando Jonaquim, respeitado mentor de comunicabilidades cristãs, narrou com a voz aquecida de bondade e sabedoria:

- Ouvi de um instrutor amigo que Mardônio Tércio, convertido ao Cristianismo, nos primeiros dias do Evangelho em Roma, se fêz um discípulo tão valioso e humilde do Senhor que, para logo, teve o seu nome abençoado nos Céus. Patrício de enorme fortuna, desde muito cedo abandonado pela mulher que demandara Cartago para uma vida independente, Mardônio, assim que penetrou a essência da doutrina do Cristo, dividiu todos os bens com o filho único, Marcos Lício, e entregou-se à caridade e à renovação. Instrumento fiel do bem, abria os ouvidos a todos os apelos edificantes, fossem dos mensageiros de Jesus que lhe solicitavam a execução de tarefas benemerentes ou dos irmãos encarnados nos mais baixos degraus da penúria. Fizera-se espontaneamente o apoio das viúvas desamparadas e o tutor afetuoso dos órfãos. Além, disso, mantinha horários, cada dia, para o serviço de assistência direta aos doentes e sofredores, administrando-lhes alimento e socorro com as próprias mãos

Ao contrário do pai, o jovem Marcos se chafurdou em absurda viciação. Aos trinta de idade, parecia um flagelo ambulante. Distinguindo-se entre as forças do ouro e do poder, não vacilava em abusar das regalias que desfrutava para manter-se no banditismo dourado que os privilégios sociais tanta vez conservam impune.

Dois caminhos tão diferentes produziram, em consequência, duas posições diametralmente opostas no Mundo Espiritual. Sobrevindo a morte, Mardônio cresceu em tamanho merecimento que foi elevado à esfera do Cristo, acessível aos servidores que pudessem colaborar com ele, o Senhor, nos dias mais torturados do Evangelho nascente. Marcos, porém, arrojou-se a escuro antro das zonas inferiores, onde, conquanto afeito à revolta e à perversão, qual se trouxesse a consciência revestida em grossa carapaça de insensibilidade.

O genitor, convertido em apóstolo da abnegação, visitava o filho, no vale tenebroso a que se chumbava, sem que o filho, cego de espírito, lhe assinalasse a presença; e tanto se condoeu daquele com quem partilhara o afeto e o sangue que, certo feita, num rasgo de apaixonado amor pelo rebento querido, suplicou ao Senhor permissão para levá-lo consigo para as Alturas, a fim de assisti-lo, de mais perto.

Jesus sorriu compreensivo e aquiesceu, diante da ternura ingênua do devotado cooperador, e, antes que amigos experientes lhe administrassem avisos, lá se foi Mardônio para a cava sombria, onde o filho se embriagava de loucura e ilusão... Renteando com Marcos, positivamente distante de qualquer noção de responsabilidade, aplicou-lhe passes magnéticos, anestesiou-lhe os sentidos e, tão logo o beneficiado cedeu ao repouso, colocou-o enternecidamente nos ombros, à feição de carga preciosa, e, com imensos cuidados, transportou-o para os Céus...

Instalado num dos sítios mais singelos do Plano Superior, o recém-chegado, porém, usufruía luz mais radiante que a do dias terrestres, e, tão depressa acordou sob o encantamento paternal, viu-se coberto de fluidos repugnantes que lhe davam a impressão de ser um doente empastado de lama enquistada. Marcos se confrontou com os circunstantes, que se moviam em corpos tênues e luminosos, e passou a gritar impropérios e insultos. Ao pai que intentou reconfortá-lo, procurou esbofetear sem misericórdia, afirmando que não pedira e nem desejara a mudança. Exortado a respeitar o nome e a casa do Senhor, injuriou o ambiente com palavras e idéias de zombaria e ingratidão. Parecia uma fera desatrelada, buscando enlamear um fonte de luz. Interferiram amigos e o rebelado caiu de novo em prostração, sob hipnose benéfica...

Jonaquim fêz novo intervalo, e, porque se interrompera em apontamento culminante da historia, um dos companheiros interrompeu:

- E daí? Mardônio se viu coibido de amparar o filho a quem amava?

O instrutor explicou:

- Sim, meus amigos, Mardônio acabou compreendendo que nem Deus violenta filho algum, em nome do bem, e que o bem jamais foge à paciência, a fim de ajudar... Por isso, reconduziu Marcos ao antro de onde o arrancara e, sem nada perder em ternura e esperança, até que o filho quisesse ou pudesse de lá sair para novos passos no caminho da evolução, o ex-patrício, por noventa e dois anos consecutivos, desceu diariamente ao vale das trevas, oferecendo ao filho, de cada vez, a bênção de uma prece, uma frase esclarecedora e um naco de pão.

- Mas, isso não é o mesmo que acentuar a impraticabilidade do socorro? – aventou um dos presentes. – Não seria mais justo relegar o necessitado ao próprio destino para que ele mesmo cogitasse de si?

Jonaquim sorriu expressivamente e rematou:

- Não temos o direito de pôr em dúvida o poder e a eficiência da lei de auxílio. A renovação conseguida por noventa e dois anos de devotamento talvez custasse, sem eles, noventa e dois séculos. O amor, para auxiliar, aprende a repetir.

Por: Humberto de Campos (Irmão X)
Do livro: Cartas e Crônicas,
Médium: Francisco Cândido Xavier.

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