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05 abril 2014

"Por dentro do Espiritismo - Por que temer a Ciência?" - Liszt Rangel


"POR DENTRO DO ESPIRITISMO - POR QUE TEMER A CIÊNCIA?"

Quem já teve a oportunidade de ler alguma obra de uma das maiores autoridades bíblicas do momento, o teólogo e crítico textual Bart Ehrman, deve ter tomado a dimensão do quanto suas análises críticas e históricas acerca da Bíblia, estão abalando o mundo religioso. Considerado como agnóstico por muitos e ateu por outros, Ehrman teve a coragem de romper com os padrões religiosos de formação protestante que obteve em sua vida e, a par das pesquisas mais recentes da Arqueologia e da História, o pesquisador, ao lado de outros especialistas no assunto, chegou à conclusão de que menos de dez por cento dos evangelhos, no que concerne a mensagem atribuída a Jesus, da sua história e dos seus feitos são realmente originais. Ao mesmo tempo, a pesquisa está informando que mais de noventa por cento dos evangelhos são o resultado de adulterações acidentais e intencionais, deslocamentos, enxertos e manipulações de passagens.

  No entanto, não é de hoje que historiadores independentes demonstram que a Bíblia não pode ser considerada um livro confiável, um documento seguro, mas trata-se de uma obra literária eivada de lendas, simbologias, ensinamentos universais e que apresenta, mesmo que distorcidos, alguns fatos que marcaram a trajetória do povo hebreu.

  Do outro lado deste conflito, em busca de provar a autenticidade da “Palavra de Deus”, estão historiadores e arqueólogos, que se denominam profissionais da Arqueologia bíblica, e suas pesquisas são financiadas por religiões cristãs. Não se pode deixar de fora deste grupo, os que recebem o apoio incondicional de instituições que visam o fortalecimento de seus interesses políticos, como é o caso das pesquisas da arqueóloga Eilat Mazar.

  Em 2005, Eilat veio a público dizer que havia descoberto as ruínas do palácio do rei Davi. Ela defende que o palácio pertenceu a Davi e que sua construção remonta ao século X a.C. Estive no local, situado ao norte da cidade velha de Jerusalém, ao lado de um historiador e de um arqueólogo, e o que pude observar é que há controvérsias quanto ao achado. Na opinião destes estudiosos, há um erro de tempo de mais ou menos cem anos nos cálculos de Eilat Mazar, pois as ruínas seriam do século IX a.C., pertencentes à dinastia Omride, ou seja, 40 anos depois de Davi e Salomão. Merece salientar que as pesquisas de Eilat são financiadas pela Fundação Cidade de Davi e o Centro Shalem, e ambas lutam para devolver os territórios ocupados por palestinos aos israelenses. Este achado interessaria muito para a demarcação de territórios.

  Ao que parece, tanto a História quanto a Arqueologia estão sendo usadas como escudos para a defesa desta religião ou de outra, quando não, para a satisfação dos interesses políticos. Com as pesquisas que possuem interesses religiosos, a realidade é a mesma. Isto quer dizer que, se para um historiador já é muito difícil saber lidar com a lacuna de informações pela falta de fontes históricas, sejam elas materiais ou documentos, para um pesquisador ou teólogo vinculado a alguma religião, este vazio ainda é mais perturbador e é aí que as suspeitas aumentam quando é preciso examinar a veracidade de tais comprovações científicas. O vazio pode ter sido preenchido sem fundamentação.

  Voltando aos apontamentos de Bart Ehrman e de outros estudiosos, eles afirmam que diante da análise acerca da vida de Jesus e de seus ensinos, o cristão será confrontado em sua fé. Este será levado a pensar sobre a sua fé, ou então, a desistir de raciocinar, se afastando de qualquer lampejo que a ciência e as descobertas históricas possam trazer, na tentativa de ampliar seus conhecimentos. O que esta postura de afastamento, pode, provavelmente, levá-lo ao fanatismo, à fé cega.

 Allan Kardec na introdução de O Evangelho Segundo o Espiritismo, reconhece as adulterações feitas na história de Jesus, o que o faz se posicionar, esclarecendo o porquê de ter escolhido as máximas morais. “Podem dividir-se as matérias contidas nos Evangelhos em cinco partes: os atos comuns da vida do Cristo, os milagres, as profecias, as palavras que serviram para o estabelecimento dos dogmas da Igreja e o ensinamento moral. Se as quatro primeiras partes foram objeto de controvérsias, a última manteve-se inatacável”, esclarece o Codificador.

 Os mais bem conceituados pesquisadores não veem a menor possibilidade de se ter acesso aos originais dos evangelhos, nem os documentos escritos em aramaico, nem em hebraico, tampouco os de origem grega. Como bem esclarece o teólogo Ehrman, “na verdade, não temos as cópias originais de nenhum dos livros bíblicos, apenas versões feitas séculos depois, todas elas alteradas”. (1)

 Se a ciência vem demonstrando através da crítica histórica, dos testes de radio-carbono 14, das descobertas arqueológicas que a Bíblia não pode ser considerada uma fonte segura e confiável, por que os espíritas ainda têm tamanha resistência em aderir a tais descobertas? Guardando, é claro, a devida prudência, por que neste sentido não se age com a tal da fé raciocinada, tão bem proclamada do alto dos telhados espíritas? O ainda desconhecido, Allan Kardec, sobre isto não mediu esforços dentro do tempo que lhe sobrava para demonstrar as contradições da Bíblia, como sugere no capítulo III de O Evangelho Segundo o Espiritismo, fazendo a comparação entre três traduções bíblicas referentes ao “nascimento do Homem” e assim observa suas adulterações.

 Em Obras Póstumas, no capítulo referente ao Estudo sobre a natureza do Cristo, o Codificador tanto questiona a falta de documentos fora do contexto dos evangelhos em relação à vida de Jesus, como também demonstra sua inteira rejeição pelas cartas produzidas pelo senhor Paulo de Tarso, “Todos os escritos posteriores, sem disso excetuar os de São Paulo, não são, e não podem ser, senão comentários ou apreciações, reflexo de opiniões pessoais, frequentemente contraditórias, que não poderiam, em nenhum caso, ter a autoridade daqueles que receberam as instruções diretamente do Mestre.”

 Foi com esta mesma autoridade que Allan Kardec recusou os ensinos dos espíritos que se mostravam apenas como sendo o reflexo de suas opiniões e de seus achismos. Sendo assim, qual o problema para os adeptos espíritas, de analisar, meditar, pesar e em seguida se posicionarem em relação às descobertas científicas? Mesmo quando estas demonstrem que este ou aquele pesquisador espírita, este ou aquele espírito se equivocou em sua opinião, o que há a temer?

 É claro que ao fazer isto, este ou aquele espírita ou dito “espírito” não estaria sendo execrado do convívio, mas sim a Ciência e a Filosofia Espírita definitivamente teria seu lugar, talvez o mesmo lugar que o Codificador a colocou e que os espíritas posteriormente a retiraram. A quem finalmente pertence a Doutrina Espírita, aos espíritas ou aos espíritos? E divulga-se e se estuda o pensamento dos espíritos ou o dos espíritas?

 Quando Kardec enalteceu a importância da Ciência e suas descobertas, deixou de forma clara qual deveria ser o posicionamento dos verdadeiros adeptos do Espiritismo, “O Espiritismo caminha ao lado da Ciência, no campo da matéria. Admite todas as verdades que a Ciência comprova; mas, não se detém onde esta última para, prossegue nas suas pesquisas pelo campo da espiritualidade”. (2)

 Profundamente lúcido e humilde, o Codificador ainda faz pesar a responsabilidade das escolhas dos adeptos espíritas, quando diz: “O Espiritismo, caminhando com o progresso, não será jamais ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe demonstrarem que está em erro sobre um ponto, ele se modificará sobre este ponto; se uma nova verdade se revelar, ele a aceitará.” (3)

 Quando, portanto, as pesquisas históricas demonstram que os 27 livros do Novo Testamento foram escritos por quase 20 autores, que os evangelhos são cópias de cópias de cópias através dos séculos, que a quantidade de adulterações é imensa, que atualmente apenas sete cartas de Paulo são consideradas como de sua autoria, que nenhum dos evangelistas que assina os evangelhos, foi testemunha ocular de Jesus, e que o Antigo Testamento não escapou das manipulações, por que ainda haveremos de insistir na aceitação destes textos como verdades absolutas ou como se eles fossem originais? Qual a finalidade, qual a autenticidade e a segurança de se manter um estudo bíblico sob a ótica espírita, dentro das instituições espíritas, se não são levadas em conta as descobertas científicas, quer da Arqueologia quer da História?

 Rejeitando estas verdades, não se estaria a reeditar erros de outros religiosos? Ou como dizem eles mesmos, os espíritas, "repetir erros de suas próprias experiências em existências passadas?"

 As análises textuais feitas nos evangelhos mostram que estes foram escritos por escribas gregos, cultos e intelectuais. Nenhum dos adeptos de Jesus tinha esse perfil. Eram pescadores sem qualquer instrução, “gente do povo”, como diz Ernest Renan em sua obra, Vida de Jesus. Aliás, o mundo dos cristãos em sua maioria era de analfabetos.

 Além disso, o próprio Lucas, em Atos dos Apóstolos, 4:13, diz claramente que Pedro e João eram analfabetos. Se João, o evangelista, não sabia escrever nem ler e Pedro também não, quem, portanto escreveu o Evangelho, as três Epístolas e o Apocalipse de João? Quem escreveu a primeira e a segunda epístola de Pedro?

 E o mais incrível é que as pesquisas realizadas pelos métodos analítico-comparativos apontam que nenhum dos galileus que conheceu o Homem de Nazaré poderia ter realmente escrito os evangelhos. Há apenas a possibilidade de que um escrito tenha existido, mas que se perdeu dentro das narrativas dos evangelhos escritos posteriormente. Os evangelhos que temos hoje, são livros que apareceram muito tempo depois. Ehrman mais uma vez diria que houve uma imensa necessidade dos primeiros cristãos usarem os nomes dos apóstolos famosos para terem credibilidade nas narrativas. “Quem escreveu Mateus, não o chamou de Evangelho segundo Mateus. As pessoas que deram esse título a ele estão dizendo a você quem, na opinião delas, o escreveu”, esclarece o autor. (1)

 Se a sua fé é raciocinada, o adepto espírita terá o que a temer? Quando as descobertas científicas lhe soprarem novos ventos, indicando que alguns ditados dos espíritos estão equivocados, haverá motivos para ele não seguir confiante em busca da Verdade? Pelo contrário, é chegado o momento de certificar-se que o verdadeiro espírita não é um Homem de crenças simplórias, mas sim de convicção e que sua fé é aumentada à medida que são lançadas sobre ela novas luzes assinaladas pelo progresso que lhe propiciará a conquista de um estado tão sonhado, o intelecto-moral.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

1 EHRMAN, Bart. Quem Jesus foi? Quem Jesus não foi?
2 KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Primeira Parte, Curta resposta aos detratores do Espiritismo.
3 KARDEC, Allan. A Gênese – Capítulo I, item 55.


Autor: Liszt Rangel


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