OS VÍCIOS À LUZ DA DOUTRINA ESPÍRITA
Os vícios são, sem dúvida alguma, a maior chaga moral da
humanidade, nos tempos atuais. Segundo o neurocientista Stefen Clein, em
seu livro A Fórmula da Felicidade, quando enveredamos na
obtenção dos prazeres grosseiros, a área cerebral estimulada é
exatamente a mesma, com larga produção de serotonina e dopamina, que
nos dão uma sensação transitória de prazer. A má notícia é que,
imediatamente após, os hormônios contrarreguladores são liberados,
dando-nos uma sensação de mal-estar e indisposição.
Quando ingerimos bebidas alcoólicas, buscamos a sexolatria sem
afetividade, comemos doces exageradamente ou nos drogamos, estamos,
portanto, estimulando a mesma área do sistema límbico, numa busca
desenfreada por serotonina em nosso organismo. O problema é que, após a
bebida, vem a ressaca; após os lautos banquetes, a indigestão e a
sonolência; após o sexo sem amor, a melancolia e o desinteresse. No
longo prazo, destruímos prematuramente o nosso templo físico, pois,
como diz Paulo de Tarso, “o salário do pecado (vício) é a morte” (Romanos 6:23).
Esta é a diferença básica entre os prazeres materiais e
espirituais: os primeiros são transitórios e imediatamente sucedidos
pela dor, levando-nos lentamente à desencarnação prematura; os
segundos, embora mais sutis, têm maior durabilidade e nenhuma dor,
pois tudo o que se refere ao espírito se eterniza e vivifica por si,
pela vinculação intrínseca à Fonte de Tudo.
Esses prazeres espirituais a que me refiro são o bem que fazemos
aos outros e a nós mesmos, através da caridade, da oração e da
meditação.
Quando fazemos, por exemplo, uma campanha do quilo ou visitamos um
hospital ou abrigo de idosos, sentimos uma agradável sensação que,
muitas vezes, persiste a semana inteira.
Uma forma simples, portanto, de vencermos as tendências inferiores é
substituirmos os prazeres materiais pelos espirituais. Substituirmos
os pensamentos negativos por positivos. Na pergunta 917 de O Livro dos Espíritos,
Fénelon nos orienta que a predominância da vida moral sobre a vida
material é um poderoso instrumento para enfraquecermos o nosso
egoísmo, causa de todos os vícios (p. 913). Ocuparmos o nosso
tempo com leituras edificantes, palestras esclarecedoras e tarefas
evangélicas é instrumento valioso para bem empregarmos a nossa libido e direcionarmos nossos pensamentos, preenchendo com sabedoria os horários vagos.
No primeiro mandamento “Ama a Deus sobre todas as coisas”, Jesus
nos orienta, com exatidão, sobre como nos libertarmos da escravidão
material. Como tudo, no universo, está impregnado da Divina Presença,
segundo nos esclarece o mestre de Lyon no capítulo II da gênese
kardequiana (a Providência Divina) ao nos apegarmos a algo material,
estamos substituindo o Todo pela parte e isso nos causa dor e
dependência. Quando direcionamos nossas mentes para a Fonte, fazemos o
processo contrário e, portanto, plenificamos o nosso vazio
psicológico pela consciência de plenitude, a solidão pelo Amor Maior, a
parte pelo todo, o sofrimento pela felicidade da percepção do contato
íntimo com o Cristo, numa forma de prazer infinitamente maior e mais
duradoura.
“Amar a Deus sobre todas as coisas” significa, portanto, substituirmos prazeres menores, materiais, grosseiros e efêmeros por um prazer incomensuravelmente maior, mais suave e eterno.
Quando seguimos o primeiro mandamento, portanto, colocamos o que é
espiritual acima do material e isso nos põe em contato com a nossa
verdadeira essência, nos reposicionando nos trilhos da nossa missão na
Terra e nos felicitando com a paz espiritual dos justos.
Vale salientar que existe um forte sinergismo entre o “Amar a
Deus”, “Amar ao próximo” e “Amar a si”, pois esses mandamentos áureos se
retroalimentam:
1. Não poderemos amar ao nosso próximo, sem amarmos a nós mesmos,
se estamos nos desvalorizando e autodestruindo fisicamente através dos
vícios.
2. Amar a Deus é amar a si da melhor forma possível, pois
percebemos que o nosso Si não é o corpo físico, mas o espírito imortal
que, por sua vez, já está mergulhado na Consciência Maior que o
eterniza e ilumina.
3. Amar a Deus é amar a si, porque a qualidade de nossa vida
melhora infinitamente quando submetemos a nossa pequena vontade
pessoal à Vontade maior. Quando nos libertamos dos vícios, encontramos o
Cristo que habita nossos corações e nos permitimos ouvir sua voz, que
nos guia invariavelmente à felicidade própria e a das pessoas que
amamos.
4. Quando nos autodestruimos estamos desrespeitando o amor ao
próximo, porque prejudicamos justamente as pessoas que mais amamos.
Nossa esposa, filhos, pais e amigos são os mais afetados, se os
trocarmos pela viciação, que antecipará a nossa morte física. Essa é
outra forma extremamente eficaz de evitarmos o primeiro gole, a
primeira mordida compulsiva ou uma relação extraconjugal: colocarmos
na tela mental a figura da nossa esposa e filhos e perceber o quanto
lhe causaremos dor com nossa atitude!
O maior dos vícios, segundo a pergunta 913 de O Livro dos Espíritos, é o egoísmo e a maior virtude é o desinteresse pessoal (pergunta 893).
Portanto, a chave da felicidade e da liberdade é submetermos nossa pequena vontade à Vontade Maior,
que, num nível mais profundo, também é a nossa e, entrando em contato
com o amor que emana dos nossos corações, exteriorizar o Cristo, o
Sublime Amor, que nos vivifica e que teve sua maior expressão no meigo
rabi da Galiléia.
O amor, portanto, substituirá todas as nossas necessidades,
enchendo de alegria todos os instantes da nossa vida, conduzindo-nos
rumo ao futuro radiante que a todos nos aguarda.
Fernando Antônio Neves é médico, com formação em Psicologia Transpessoal, e conferencista espírita em Recife (PE) - (matéria publicada na Folha Espírita em novembro de 2007)
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