O CASAMENTO - DESAFIOS E SOLUÇÕES
A estrutura familiar sofreu diversos ajustes e desajustes desde o último século, mas ainda não atingiu o ponto de maturação adequada ao exercício de suas funções - sobretudo pedagógicas. De um modelo hierárquico e autoritário, escorregou-se para o indeterminismo, embora isso não seja regra geral, pois muitas famílias no mundo ainda adotam o estilo repressivo, crentes no poder da pancadaria e da opressão. Já atravessada pelos ventos da modernidade, ou ainda apegada a velhos padrões, a família hoje, de qualquer modo, está diante de questões ,muito dolorosas e ainda não encontrou respostas satisfatórias.
Uma das problemáticas mais fortes está na fácil dissolução dos laços familiares, o que causa sempre um trauma maior ou menor em todos os seus membros, mas sobretudo nas crianças. É certo que a indissolubilidade do casamento à moda antiga degenerava muitas vezes em hipocrisia e infelicidade permanente. A Doutrina Espírita não se opõe ao divórcio de maneira absoluta. Mas parece óbvio que o instituto familiar deveria ter maior estabilidade do que atualmente. A facilidade com que se quebram os laços matrimoniais e mesmo os laços maternais, paternais, filiais ou fraternais está radicada no encrudescimento do egoísmo e no culto excessivo ao prazer e ao sucesso pessoal. Palavras como sacrifício, devotamento, renúncia, perdão - integrantes necessários de qualquer relação humana altruísta e verdadeira - caíram em desprezo público, pois a realização individual do homem e da mulher pairam acima de qualquer concessão. E nessa realização, a sexualidade e a profissão ganham proeminência.
É verdade que antigamente aqueles requisitos morais só eram impostos à mulher, enquanto o homem usufruía de maior espaço de liberdade para o culto de suas ambições profissionais e fantasias sexuais. Com a liberação da mulher - fruto necessário e positivo da evolução social - também ela passou a ter maior possibilidade de buscar realização fora do lar, o que nem sempre fez de forma equilibrada. Atravessamos ainda um momento de mutação e crise nas relações entre os sexos, mas devemos achar um termo de equilibrio e sensatez, sobretudo para que as crianças não sofram tanto com o abandono e o conflito de ver a unidade familiar destroçada. Para isso, será preciso que homens e mulheres, de forma igualitária, recorram às virtudes domésticas - não mais virtudes de fachada como antes, mas sinceras e sentidas. Isso implica num retorno de ambos ao lar. Mais tempo, mais atenção de todos os familiares uns para com os outros., mais diálogo aberto e menos melindres, mais convivência em trabalhos, lazeres saudáveis, atividades religiosas em sociais - eis a única receita para que se recupere o amor e a alegria em família, únicos antídotos contra a discórdia, a separação, a frieza e o isolamento.
A sociedade deverá se estruturar de forma a permitir maior convivência familiar. Aliás, o emprego tradicional de 8 horas diárias está em franca decadência. A terceirização, o serviço de meio período, a volta das famílias à vida mais simples e mais rural, a possibilidade do trabalho e do estudo em casa via computador - tudo isso são evidências que poderão se confirmar cada vez mais no terceiro milênio e que deverão favorecer a vida em família.
De fato, a solução antiga - homem fora e a mulher dentro do lar - já não é mais possível, nem desejável, pois resulta numa grande dissociação entre interesses, realizações e ideais femininos e masculinos, criando dois mundos à parte, inconciliáveis e empobrecidos. O homem ausente de maiores responsabilidades domésticas e apenas retido no ativismo da vida diária, tende a endurecer o coração e perder a sensibilidade para as delicadezas da vida familiar. A mulher, apenas encarcerada em casa, perde a perspectiva do progresso individual e coletivo, aliena-se e torna-se mesmo incapaz de dar uma educação de maior qualidade aos filhos. Além disso, o mundo em suas atividades produtivas ganha muito com a participação intuitiva e sensível da mulher. O ideal portanto, é uma diminuição do ritmo feminino e masculino no frenesi do mundo, para que o lar volte a ser um lugar aprazível e não apenas um dormitório. A diminuição de horas passadas fora de casa poderá minimizar ainda outros problemas, como o desemprego e o stress. É claro que também deve implicar numa renúncia voluntária ao consumismo. Mas o que será melhor: poder trocar de carro, comprar todas as novidades eletrônicas do mercado, ou poder reunir-se com a família para conversar e cantar, orar e passear num bosque?
Esse é o ideal que devemos trabalhar no plano individual e coletivo, escolhendo sempre as soluções mais humanistas e mais amorosas. Mas a realidade atual está semeada de incertezas e angústias. Alguns certamente argumentarão que o trabalho frenético do homem e da mulher é na maioria das vezes uma necessidade de sobrevivência e não um arranjo desenfreado de consumo. Frequentemente, é verdade.
Nesse caso, o sacrifício pessoal deverá ser maior para consagrar o maior tempo disponível às crianças e à convivência familiar, às vezes em detrimento de um lazer pessoal e até de algumas horas de repouso. O fato, porém, é que geralmente o maior sacrifício quem faz é a mulher, que acaba acumulando as funções de profissional, dona de casa e mãe, com grandes complexos de culpa por não estar desempenhando a contento a sua missão materna. Os homens, em sua maioria, ainda não aprenderam a sair de seu egoísmo milenar e cooperar com a mulher no mundo doméstico, como a mulher tem cooperado com eles no mundo do trabalho.
Esse descompasso ente homens e mulheres tem sido uma das causas de separação de casais. Mas a verdade é que marido e esposa deveriam se empenhar até o limite máximo possível para evitar esse rompimento dos laços familiares, que sempre é causa de traumas para os filhos. Uma prática mais intensa do amor e do perdão de ambas as partes poderá solucionar muitos impasses. Entretanto, esse esforço para preservar a famíia em sua unidade não pode implicar em pressão., violência física ou anulação da personalidade de algum dos parceiros. Por isso, sem dúvida, o divórcio aparece em certos casos como o mal menor, o remédio inevitável. Cabe então aos pais divorciados uma quota de maior compreensão e amor aos filhos, para ampará-los nesse transe difícil.
O que se vê, porém, são alguns casais separados, usando as crianças como instrumento de manobra para ferir um ao outro. Outros saem do casamento como se entrassem em novo período de adolescência e passam a buscar avidamente novos parceiros - em namoricos transas inconsequentes. Obviamente isso representa um desrespeito a si mesmos e às crianças. Basta conhecer de perto a sensibilidade infantil para verificar o quanto deve ser estranho e dolorido observar pai ou mãe às voltas com namorados e amantes.
Mas hoje, o prazer sexual e a satisfação do indivíduo são postos acima do amor paternal ou maternal. A ternura pelos filhos, que deveria servir de antídoto e ponto de apoio contra maiores desequlíbrios, perdeu a força, pelo egoísmo excessivo dos adultos.
Não queremos dizer com isso que o homem ou a mulher divorciados não tenham o direito de reconstruir sua vida afetiva. Se encontrarem alguém com sentimentos nobres e à altura dos filhos, que o façam com cuidado, a longo prazo e pensando sempre nas consequências de suas atitudes para a Educação das crianças.
O melhor, porém, é que homens e mulheres busquem como ideal de vida a monogamia e isso deve ser um objetivo cultivado desde a adolescência, pois é justamente a multiplicidade de parceiros que confunde e perturba o indivíduo desgovernando-lhe o caminho para o parceiro certo. Casamentos se desfazem com facilidade, também porque não são nascidos da afinidade profunda e de compromissos anteriores. Muitos não passam da oficialização fortuita de algum dos vários relacionamentos que tanto o homem como a mulher já tiveram em muitos anos de "experiências" afetivas. É óbvio que tal consórcio não pode criar raízes. Mas o problema é que nascem crianças destes casamentos, e crianças que teriam direito a uma família estruturada, amorosa e feliz.
Precisamos recuperar com urgência o amor verdadeiro, sincero e altruísta e isso tem a ver necessariamente com uma restrição voluntária da liberdade sexual. Há valores bem mais aprazíveis, duradouros e sublimes do que a satisfação passageira do instinto. A construção de uma família sólida e equilibrada é um desses tesouros inestimáveis, capaz de salvar os Espíritos em sua jornada evolutiva.
O lar deve ser o cenário onde o indivíduo possa sentir-se plenamente confiante, aceito e amado, onde possa expor seus conflitos mais íntimos com sinceridade, sem medo de perder a compreensão dos familiares, onde possa desabafar seus problemas e dialogar com profundidade com os que lhe são afins. A família tem que ser o esteio de sua auto-sustentação.O exemplo edificante, o ambiente moral, as vibrações amorosas do lar serão determinantes na existência presente e na vida imortal.
Fonte - "A Família"
Livro: A EDUCAÇÃO SEGUNDO O ESPIRITISMO. (2a. ed. maio 1998)
Autora - Dra. Dora Icontri
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