Na verdade a questão do animismo foi de tal
maneira inflada, além de suas proporções, que acabou transformando-se
em verdadeiro fantasma, uma assombração para espíritas desprevenidos ou
desatentos. Muitos são os dirigentes que condenam sumariamente o médium,
pregando-lhe o rótulo de fraude, ante a mais leve suspeita de estar
produzindo fenômeno anímico e não espírita. Creio oportuno enfatizar
aqui que em verdade não há fenômeno espírita puro, de vez que a
manifestação de seres desencarnados, em nosso contexto terreno, precisa
do médium encarnado, ou seja, precisa do veículo das faculdades da alma
(espírito encarnado) e, portanto, anímicas. “Diversidade dos Carismas”, de Hermínio Miranda
Uma das perguntas mais recorrentes no
programa Pinga-Fogo, que eu e Simonetti apresentávamos, era a busca por
notícias de parentes desencarnados. Ele sempre usava o velho argumento,
aliás, vindo de Chico Xavier, de que o telefone toca de lá para cá, isto
é, a espiritualidade coordena esse intercâmbio.
Num dos últimos programas de que Richard
participou, em dado momento ele deu um testemunho inédito, e disse que
seus parentes mais próximos nunca se comunicaram, provavelmente pelo
excesso de rigor que ele sempre teve, patrulhando e filtrando as
mensagens de além-túmulo, a fim de garantir sua autenticidade, no que
ele estava coberto de razões. Finalizou a resposta dizendo:
— Meus pais nunca se comunicaram, provavelmente porque eu sempre fui muito crítico…
Confesso, caro leitor, que sempre comunguei
com os mesmos cuidados de Simonetti e reconheço excesso de rigor em
minhas análises. Mesmo assim, tenho que agradecer aos céus por ter
permitido que eu recebesse incontestável comunicação psicográfica, e, em
outra ocasião, durante o sono, abençoada visita do meu amado e saudoso
Vô Joaquim, esta citada em meu livro Reencontro, com o título A Volta do
Vô Joaquim.
Essa rijeza de julgamento sempre teve como
inquestionável fundamento a frase de Erasto, contida em O Livro dos
Médiuns, de Allan Kardec, que afirmou:
—Mais vale rejeitar dez verdades do que admitir uma única mentira, uma única teoria falsa.
André Luiz, o sempre atento repórter dos
céus, referiu-se a esse assunto de forma, como sempre, magistral. Das
dezessete páginas do capítulo 9, Mediunidade, do livro No Mundo Maior,
vou trazer algumas linhas, pertinentes ao tema de que estamos tratando,
tentando evitar demasiadas transcrições, remetendo o leitor interessado e
estudioso à sua integral leitura.
***
A tese animista é respeitável — começa
André —, e nasceu para coibir os prováveis abusos da imaginação. Vem
sendo, entretanto, usada cruelmente pela maioria dos trabalhadores
encarnados, que não aceitam os servidores medianímicos que hão de
crescer e de aperfeiçoar-se com o tempo e com o esforço, pois nenhuma
árvore nasce produzindo e qualquer atividade nobre requer burilamento. A
mediunidade tem, pois, sua evolução, seu campo, sua rota.
A maior parte das pessoas parece
desconhecer ou finge ignorar essas realidades, e desclassificam o
aparelho mediúnico, se ele não exibe absoluta harmonia com os
desencarnados, em seus aspectos mental, perispiritual e fisiológico.
Esses médiuns iniciantes servirão com a
matéria mental que lhes é própria, com naturais imprecisões, se forem
submetidos à investigação terrestre. Com o tempo, à custa de trabalho
incessante, poderão evoluir, até se tornarem verdadeiras pontes
benfeitoras para entendimentos construtivos. Essa realidade, no entanto,
é impossível de se alcançar de vez, pois toda obra impõe começo.
A elevação de nossas qualidades receptivas —
continua André Luiz, destacando a importância da mediunidade — é
necessária para alcançarmos a necessária sintonia com os mananciais da
vida superior. Não que o intercâmbio com os desencarnados tenha o condão
de transformar homens em anjos, de um dia para o outro, mas, pode
ajudá-los a se tornarem criaturas melhores.
***
Em seguida, o mentor Calderaro destacou
alguns obstáculos do excesso de rigor com que nós, homens, revestimos o
intercâmbio com os espíritos, elegendo a tese animista.
— Os recursos de comunicação ao meu alcance
ainda não são de molde a inspirar confiança dos companheiros encarnados
— preveniu nobre espírito, interessado em transmitir mensagem,
impulsionado por sincero e sadio desejo de praticar o bem.
— Permanece a mesma suspeita de animismo e de mistificação inconsciente… — aduziu.
Mesmo sem dispor de aparelhamento mais
adequado para a transmissão, num admirável esforço, o espírito buscou
superar a natural barreira entre a esfera espiritual e o campo de
matéria densa. Das oito pessoas que recebiam os raios de força positiva
do comunicante, três não absorviam as suas emissões mentais e se
mantinham impermeáveis ao serviço benemérito daquela hora.
Duas lamentavam-se por haver perdido
esperada atração cinematográfica, levada ao ar no horário da reunião
mediúnica. A terceira recordava-se de suas ocupações domésticas, que
julgava inadiáveis, e haviam sido abandonadas para que sua presença
naquele recinto fosse possível. De todos os médiuns, apenas Eulália
demonstrava receptividade e boa disposição para servir.
Depois de momentos de expectativa, a mão da
médium começou a escrever com caracteres irregulares, em clara
demonstração do natural conflito existente entre os dois cosmos. E
surgiu um apelo fraternal de amor aos enfermos. Da mensagem ainda
constavam convites para trabalhadores abnegados e o acompanhamento
permanente da espiritualidade aos socorristas dos doentes. A comunicação
se encerrou com o exemplo do divino Médico, com a lembrança de que
passou sua vida, na Terra, fazendo o bem.
Os participantes da reunião concordaram que
a mensagem era edificante na essência, mas não indicava claros sinais
de autenticidade. Quem se dispusesse a tratar daquele importante
assunto, deveria ter utilizado nomenclatura mais adequada e teria
evitado linguajar tão simples e coloquial.
Mais uma vez a desconfiança e o excesso de
rigor dos componentes daquele invigilante grupo enveredou para a tese
animista — comunicação do espírito do próprio médium — e de mistificação
inconsciente — embuste —, como tábua de salvação.
***
Não perceberam os encarnados daquele
agrupamento mediúnico que se esqueceram de examinar as próprias
limitações culturais? Que a única médium ali presente, em relativas
condições para dar passividade ao comunicante, preciosa e sincera,
embora rica de amor e de boa vontade, ainda não dispunha de plenas
condições de ligar-se a ele por todos os seus centros perispirituais,
nem de comungar-lhe as ideias e conhecimentos?
Não estariam ocorrendo, na maioria dos
nossos centros de comunicação mediúnica, os mesmos percalços? Se a
resposta for positiva, talvez tenhamos que concluir que ainda nos faltam
a tolerância da bandeira de Allan Kardec e o cultivo de um mínimo clima
ameno de compreensão. É possível que muitos irmãos estejam repousando
na ilusão e se afastando da verdade, do esforço e do bem.
Estamos, efetivamente, no trato da mediunidade, amando e perdoando sempre, sob a inspiração dos bons espíritos?
Nossa alma somente conquistará a
continuidade evolutiva, por intermédio de nossa tolerância e de nossa
autoeducação, com fé vigorosa e reveladora, como lâmpada indispensável
ao aprimoramento moral e de elevação sublime — finalizaria o assunto
André Luiz.
Animismo, mistificação ou excesso de rigor?
Fiquemos com as judiciosas palavras de André Luiz, contidas no capítulo 23 — Animismo — de Mecanismos da Mediunidade:
Convenhamos, pois, que a tarefa espírita é
chamada, de maneira particular, a contribuir no aperfeiçoamento dos
impulsos mentais, favorecendo a solução de todos os problemas suscitados
pelo animismo.
Através dela, são eles endereçados à esfera
iluminativa da educação e do amor, para que os sensitivos, estagnados
nessa classe de acontecimentos, sejam devidamente amparados nos
desajustes de que se vejam portadores, impedindo-se-lhes o mergulho nas
sombras da perturbação e recuperando-se-lhes a atividade para a
sementeira da luz.
Espera-se do verdadeiro espírita —
presumivelmente representante do cristianismo redivivo —, profundo
respeito pelo fenômeno mediúnico e por seus protagonistas, tanto do lado
de cá, como do lado de lá, dos desencarnados.
Rotular como fraude autênticos fenômenos,
ainda que anímicos, é, no mínimo, faltar com a caridade e incorrer em
leviandade de julgamento. Acima de tudo, o praticante espírita deverá
revestir suas atitudes de cuidados com as criaturas que se iniciam nos
serviços da mediunidade, antes de categorizá-los à conta de
mistificadores ou fraudadores.
Trabalho, sem jamais faltar a solidariedade e a tolerância. Paciência e carinho, sempre!
Fontes consultadas: No Mundo Maior, André Luiz, Diversidade dos Carismas, Hermínio Miranda e Mecanismos da Mediunidade, André Luiz
Colaboraram com este artigo: Mauro
Sebastião Pompílio, Fábio Eduardo da Silva, Luiz Aldo Tezani, Edo
Mariani, Edmir Garcia, José Mauro Progiante, Aylton Paiva e Cássio
Leonardo Carrara.
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