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11 fevereiro 2019

Deus nos livre! - Marcelo Henrique Pereira



DEUS NO LIVRE!


Leio, estupefato, as declarações de uma futura integrante do primeiro escalão governamental brasileiro, a partir de primeiro de janeiro de 2019, em que afirma que “as instituições estão todas piradas” e que é o “momento da Igreja governar”.

De pronto, minha mente resgata expressões comuns na mídia, que informam acerca da existência de “bancadas” políticas no Congresso Nacional do Brasil (Câmara e Senado), intitulando-se como “bancada evangélica”, “bancada católica”. E, considerando a auto-menção dos candidatos eleitos para a próxima legislatura, também divulgada pela imprensa, de que há sete espíritas, já antevejo, com pesar e perplexidade, amanhã ou depois, a expressão “bancada espírita”.

De início – e já escrevi isso por diversas vezes – quero destacar que sou totalmente favorável à inserção dos espíritas em movimentos e instituições sociais. No passado, tivemos alguns vultos ligados à Política, declaradamente espíritas, e outros que eram espíritas e resolveram se candidatar para a realização de algumas metas ou projetos de assistência social e atendimento aos socialmente carentes, ou para aquilo que Kardec sempre ponderou como necessário, a “inserção das ideias espiritistas na Sociedade”, participando, o profitente espírita, de movimentos e ações sociais, políticas, públicas.

Mas a expressão que dá título a este nosso artigo – quase um apelo espiritual – está voltada à perigosa e indesejável “mistura” entre os valores das Religiões e os do Estado. O passado não muito distante, em que Igreja e Política andavam de braços dados, sobretudo nos regimes monárquicos onde figuras exponenciais das igrejas católica e protestante tinham papel consultivo e, até, funções políticas em determinados países, é fato de triste lembrança!

As religiões – e a espírita, também, já que majoritariamente na terra brasilis os espíritas “adotam” uma religião vinculada ao pensamento filosófico de Allan Kardec e, também, via de regra, as instituições espíritas (associações) gozam dos mesmos benefícios administrativos e fiscais concedidos às igrejas, destacadamente a ISENÇÃO de impostos – sempre são parciais, excludentes e impositivas. Elas constroem uma moral autônoma, peculiar, presente em suas liturgias e exercida a partir do comando de suas lideranças, representando, assim, um conjunto de regras internas, aplicável aos seus adeptos e representantes, importando, inclusive, na imposição de “castigos” (como, por exemplo, o voto de silêncio imposto há algumas décadas ao então Frei Leonardo Boff, afastamento de cargos e destituição de títulos honoríficos ou cargos dentro das hierarquias religiosas). No “movimento espírita” não é diferente, sendo comuns as ocorrências em que se busca silenciar, afastar, ou, até, “vencer no voto”, no caso de instituições que adotam (mais ou menos democraticamente) o sufrágio e a renovação das diretivas, de tempos em tempos, fazendo com que pouco haja de espaço e independência.

Curioso falar em “silêncio”, em “exclusão” e em “banimento”, no seio de uma doutrina que se baseia estruturalmente na liberdade de pensamento (e de expressão), e que espelhou, no período em que seu fundador, Allan Kardec, esteve encarnado (1857-1869), na dialógica entre o Espiritismo e o professor francês, com correntes filosóficas e religiosas do seu tempo (inclusive bispos, padres e pastores) assim como em face de outros espíritas que tinham visões distintas e que, inclusive, como seu conterrâneo francês, Roustaing, tinham patrocinado a edição de obras de conteúdo conflitante com os princípios espíritas. Kardec jamais impôs a “sua” lógica de raciocínio a quem quer que fosse. Kardec jamais visitou uma instituição espírita – e elas chegaram a ser em centenas, naquele período, na França e outras importantes cidades da Europa – para “avaliar” atividades e impor uma única forma de “pensar” e “praticar” o Espiritismo.

Tanto no campo associativo e do movimento formado pelos espíritas como, em face do mote deste artigo, no cenário social e político, eu realmente temo pela restrição das liberdades e pela imposição na base da “fé”. Os fundamentos do Estado Democrático de Direito, com a instituição, a partir da Constituição Cidadã (1988), do Estado Laico, com balizas constitucionais relacionadas tanto à liberdade de crença, quanto à garantia ao direito de expressão, derivado do direito ao livre pensamento, não podem sofrer, nem no âmbito institucional espírita, nem no contexto da Sociedade brasileira, qualquer risco ou ameaça.

Se, politicamente, todos nós, operadores jurídicos, servidores públicos, pensadores, professores, partícipes de movimentos sociais e os cidadãos em geral, desde já, e com “foco especial” nesta lamentável declaração de futura agente política de “primeira grandeza” no Brasil, estamos atentos e preparados para a propositura de ações e remédios jurídicos CONTRA qualquer tentativa de minimização dos direitos constitucionais e sociais, também desejo convocar todos os meus queridos companheiros espíritas livres-pensadores para continuarmos, igualmente, atentos e perseverantes para buscar o retorno do Espiritismo às suas bases, afastando-o das condutas religiosistas, ao “espírito de sistema” e à massificação dos raciocínios em nome do Espiritismo.

Lembremos que o próprio Kardec, movido pela necessidade de esclarecer que o Espiritismo seria DIFERENTE das religiões vigentes no seu tempo, preocupando-se por apresentar argumentos que validassem a ideia de FILOSOFIA e não de RELIGIÃO (formal ou informal), apresentou-nos o laço (moral) que seria o elemento característicos de todos os espíritas sensatos.

Disse ele: “Qual é, pois, o laço que deve existir entre os espíritas? Eles não estão unidos entre si por nenhum contrato material, por nenhuma prática obrigatória; qual o sentimento no qual se devem confundir todos os pensamentos? É um sentimento todo moral, todo espiritual, todo humanitário: o da caridade para com todos, ou, por outras palavras: o amor ao próximo, que compreende os vivos e os mortos, pois sabemos que os mortos também fazem parte da Humanidade” (“Revista Espírita”, Dezembro, 1868, “Sessão anual comemorativa dos mortos”).

Esta moralidade, esta ética é a essência do Espiritismo e, quiçá, um dia, também deva ser a da Sociedade transformada, por obra da Lei de Progresso, que alcança todos os seres no Universo. Somente esta moralidade é relevante. E não e nunca a “adjetivação” (espírita, católico, evangélico, ou qualquer outra), baseada em convenções litúrgicas e modos de interpretação parciais e excludentes, que impõem a todos uma mesma conduta, vinculada aos cânones religiosos e combate e pune aqueles que não forem, a eles, submissos.

Deus nos livre!


Marcelo Henrique Pereira


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