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31 agosto 2021

Deus criou o vírus da Covid 19? - Jáder Sampaio


 DEUS CRIOU O VÍRUS DA COVID19?

“Segue-se que devam negligenciar as precauções necessárias em casos semelhantes [epidemia de cólera] e baixar a cabeça ante o perigo? Absolutamente: tomarão todas [as precauções] aconselhadas pela prudência e uma higiene racional, porque não são fatalistas e porque, se não temem a morte, sabem que não a devem procurar.” (Allan Kardec, O espiritismo e o cólera, Revista Espírita, novembro de 1865. P. 327)

Recentemente ouvi um expositor espírita buscando Kardec para analisar um capítulo de livro de Divaldo Franco sobre a pandemia. Iniciativa importante, uma vez que o pensamento kardequiano é a estrutura básica do pensamento espírita em geral.


Causa primeira de todas as coisas

Ao analisar sua argumentação, encontrei conclusões falaciosas com base em ideias colhidas no texto de Kardec, que criam uma interpretação muito singular do autor, contraditórias às vezes, com o próprio pensamento de Kardec.

Uma das afirmações que ele fez:

“Deus é a causa primária de tudo: tudo é tudo mesmo, não é de uma coisa e outra não. ”


"Ele não considerou o termo primária (também traduzido como primeira), e mudou o sentido da frase. São frases diferentes: “Deus é a causa de todas as coisas” e “Deus é a causa primária de todas as coisas”. Na primeira frase, se eu sou infectado por um parasita, isso é causado por Deus. Tudo o que acontece ao homem é causado por Deus (inclusive o sofrimento). O universo e tudo o que acontece nele está determinado pela vontade divina, portanto, não existe livre-arbítrio. Ele é apenas uma ilusão."

Na segunda frase, as escolhas do homem são de responsabilidade humana. Isso é o chamado livre-arbítrio, ou liberdade de escolha. Deus criou o universo, ou seja, a natureza e os seres espirituais (entre eles o homem). Por ter criado o princípio inteligente, o princípio material e as leis que regem o universo, Deus é a causa primeira, ou primária. Ele não é a causa imediata de todas as coisas. Aquilo que o homem faz, as mudanças que ele, por exemplo, impõe à natureza com ações irrefletidas ou criminosas, são causadas imediatamente por ele[1].

Nessa visão, o vírus não foi diretamente criado por Deus. Sua mutação é consequência da ação do homem, seja modificando o meio ambiente ou manipulando microorganismos em laboratório. Sua negligência ou desconhecimento, associados às leis naturais, têm o Sars Cov 2 como resultado, e ele age no homem segundo sua natureza. Deus não o criou porque desejava punir os homens (isso é uma humanização divina), ou para fazer desencarnar em massa as pessoas da Terra, ele é uma consequência indesejada das ações do homem na natureza, no uso do seu livre arbítrio.

As leis universais são perfeitas, fruto de Deus. As ações humanas são imperfeitas, uma vez que esse ser conhece apenas parcialmente as leis universais ou as negligencia, fruto da ignorância e do livre-arbítrio, assim como do egoísmo e do orgulho. Sempre que um homem vai de encontro às leis universais (essas, sim, criadas por Deus), ele, com sua escolha, leva consigo “todo o pacote”, ou seja, suas consequências.


Causa, risco e COVID-19

O que causa a COVID-19? A infecção com o Sars-Cov-2. Por que somos infectados pelo Sars-Cov-2? Uns porque não usaram qualquer tipo de prevenção e tiveram o contato com o vírus, que se multiplicou em seus organismos. Outros porque usaram de meios de prevenção e mesmo assim foram infectados pelo vírus. Contudo, o risco dos primeiros é muito maior que o risco dos últimos, se analisarmos um grande número de casos.

O que acontece com os que não se preveniram? Desencarnam como o espírito André Luiz. Ele não desejava desencarnar mais cedo, mas não se cuidou, e acabou indo antes do tempo. Isso acontece também com os suicidas. Ninguém planeja encarnar para desencarnar através do suicídio.

O que acontece com os que se preveniram e desencarnaram? Ou passam por uma expiação ou por uma prova. Talvez seja o momento previsto para a desencarnação.

"Cabe a nós, espíritas, diante dessa forma de entendimento, recomendar a todos que tomem os cuidados necessários contra a doença, que se vacinem, que tomem as medidas já estudadas e propostas pela medicina, para que não venham a desencarnar antes do tempo."


Jáder Sampaio
Fonte:
Portal Casa Espírita Nova Era

[1] Em “O evangelho segundo o espiritismo”, Kardec escreve que “há males nessa vida em que a causa primária é o homem…” ou seja, há coisas decorrentes da ação e das escolhas humanas. Dessas, Deus só pode ser considerado causa primeira ou primária por ter criado o universo e estabelecido as leis que o regem.

30 agosto 2021

Depressão, Ansiedade e a Influência de Espíritos - Julia Thaís Porciúncula Serra

 
DEPRESSÃO, ANSIEDADE E A INFLUÊNCIA DE ESPÍRITOS

A influência dos espíritos no plano físico é maior e mais forte do que possamos imaginar. Os espíritos regem de uma grande influência, de modo que altera ou não os sentimentos dos indivíduos e por que não, seus atos. O objetivo do artigo é estudar como os espíritos podem influenciar nas doenças psiquiátricas, depressão e ansiedade, visto que essas doenças afetam diretamente a pessoa de modo psíquico e físico e que, se de forma grave e não sendo cuidada com psicólogos e em outros casos medicamentos, podem dar fim à vida de um espírito e o mesmo se tornar suicida. Tanto a Depressão como a Ansiedade são doenças que não possuem cura.Ao afetar o emocional do indivíduo deixa-o sensível as vibrações que possam aproximar espíritos mal intencionados e assim, influenciar de maneira negativa, afetando a vida do paciente.

A palavra "depressão" vem do latim depressio, de deprimere, que significa “apertar firmemente", "para baixo”, “esmagar”, “afundar”. Depressão é uma doença psiquiátrica que afeta a pessoa de modo psíquico e físico, caracterizado por uma angústia e tristeza profunda, que pode levar o indivíduo ao suicídio. Os sintomas mais comuns são de dores no corpo, mudanças de humor, melancolia, tristeza, cansaço, etc. A Depressão pode ter dado início a traumas, como violência, bullying, relacionamentos difíceis, entre outros.

Por sua vez, a palavra "ansiedade" tem origem no latim anxietas, que significa “angústia", "ansiedade”, de anxius - “perturbado", "pouco à vontade”, de anguere - “apertar", "sufocar”. Ansiedade e o transtorno de ansiedade, são doenças psiquiátricas que, no geral, acontecem por excesso de preocupação, desequilíbrios químicos, e isso varia de indivíduo para indivíduo, pois nem todo mundo tem os mesmos sintomas. Os sintomas mais comuns são medo, angústia e apreensão, acompanhados por momentos de estresse e de uma situação desagradável. Ansiedade também pode ser a espera de um momento ruim constante e principalmente traumas, em geral sempre na infância.

No livro O Livro dos Espíritos de Allan Kardec, onde no Capitulo IX ele fez perguntas que dizem a respeito sobre a influência dos espíritos nos nossos pensamentos e atos, podendo ou não afetar nossas vidas. Diante disso, a seguinte questão começa a introduzir sobre o assunto:

Questão 457
. Podem os Espíritos conhecer os nossos mais secretos pensamentos?

Resposta: “Muitas vezes chegam a conhecer o que desejaríeis ocultar de vós mesmos. Nem atos, nem pensamentos se lhes podem dissimular.”

a) — Assim, mais fácil nos seria ocultar de uma pessoa viva qualquer coisa, do que a esconder dessa mesma pessoa depois de morta?

Resposta: “Certamente. Quando vos julgais muito ocultos, é comum terdes ao vosso lado uma multidão de Espíritos que vos observam.”

Dessa forma, o espírito que nos cerca tem conhecimentos dos pensamentos e anseios dos indivíduos, sendo assim, a maneira de chegar ao assunto para desequilibrá-lo é fácil, visto que, pode afetar em algum trauma e dor do passado, trazendo à tona ao pensamento do indivíduo.

Vale lembrar que ficar ansioso ou triste é completamente normal, entretanto, é necessário que se saiba sair dessa situação, e que não pode deixar se abater completamente pela tristeza e a baixa autoestima. Ao se deixar permanecer em meio ao momento de tristeza, e cada vez mais se afundar nisso, torna-se vulnerável a ficar com depressão ou ansiedade. O poder da influência de um espírito sobre os indivíduos que regem no plano físico é forte e pode se tornar até duradouro. Sendo influências boas ou ruins, sentindo a presença do espírito ou não, ele sempre o acompanhará. Na questão 459 do Livro dos Espíritos, Allan Kardec questiona se é possível que os espíritos influenciem em vossos pensamentos e atos:


Questão 459. Influem os Espíritos em nossos pensamentos e em nossos atos?

Resposta: “Muito mais do que imaginais. Influem a tal ponto, que, de ordinário, são eles que vos dirigem.”

A influência é o poder de um espírito sobre o outro, uma ascendência de pensamento e atos de um espírito para o outro. Um poder que tem fortes vibrações e irradia sobre o influenciado, quando usada para o mal é caracterizado por muitos motivos. Podem ser espíritos zombeteiros que desejam fazer mal a quem lhes permite, podem ser de um espírito que compartilhou com o influenciado uma encarnação que terminou mal, desse modo, o espírito deseja fazer-lhe mal, ou determinados motivos. Vale lembrar também, que um espírito que esteja mal, ou triste, ao chegar perto de um espírito físico acaba por fazer mal ao outro, mesmo quando não é de sua vontade.

A influência consiste principalmente em vibrações de ódio, o espírito fica emitindo ondas de ódio para que o individuo possa sentir o humor desejado. Se um individuo é muito sensível as vibrações, também pode sentir as ondas que o rodeiam. Dessa forma, Allan Kardec fez as seguintes questões no Livro dos Espíritos:


Questão 458. Que pensam de nós os Espíritos que nos cercam e observam?

Resposta: “Depende. Os levianos riem das pequenas partidas que vos pregam e zombam das vossas impaciências. Os Espíritos sérios se condoem dos vossos reveses e procuram ajudar-vos.”

Questão 464. Como distinguirmos se um pensamento sugerido procede de um bom Espírito ou de um Espírito mau?

Resposta: “Estudai o caso. Os bons Espíritos só para o bem aconselham. Compete-vos discernir.”

A influência dos espíritos sobre o plano físico atende as Leis da Natureza, Causa e Efeito, sendo assim, não pode interferir no plano espiritual de nenhum indivíduo, entretanto, ao ficar ao lado da pessoa soprando em seu ouvido alguma ideia, o indivíduo toma a ideia como sua e acaba por fazer/sentir/pensar. Diante disso, Allan Kardec tem a seguinte questão:

Questão 525. Exercem os Espíritos alguma influência nos acontecimentos da vida?

Resposta: “Certamente, pois que vos aconselham.”

a) — Exercem essa influência por outra forma que não apenas pelos pensamentos que sugerem, isto é, têm ação direta sobre o cumprimento das coisas?

Resposta: “Sim, mas nunca atuam fora das leis da Natureza.”

Dessa forma, um espírito mal intencionado pode afetar um pensamento vosso com os deles, e assim, influenciar na piora da sua depressão ou ansiedade, fazendo com que o individuo se sinta cada vez pior de modo que possa captar as vibrações ruins, e até tirar a sua própria vida. Como nas questões seguinte:

Questão 460. De par com os pensamentos que nos são próprios, outros haverá que nos sejam sugeridos?

Resposta: “Vossa alma é um Espírito que pensa. Não ignorais que, frequentemente, muitos pensamentos vos acodem a um tempo sobre o mesmo assunto e, não raro, contrários uns aos outros. Pois bem! No conjunto deles, estão sempre de mistura os vossos com os nossos. Daí a incerteza em que vos vedes. É que tendes em vós duas ideias a se combaterem.”

Questão 465. Com que fim os Espíritos imperfeitos nos induzem ao mal?

Resposta: “Para que sofrais como eles sofrem.

”a) — E isso lhes diminui os sofrimentos?

Resposta: “Não; mas fazem-no por inveja, por não poderem suportar que haja seres felizes.

”b) — De que natureza é o sofrimento que procuram infligir aos outros?

Resposta: “Os que resultam de ser de ordem inferior a criatura e de estar afastada de Deus.”


Fica claro que um espírito encarnado só vive aquilo que lhe é designado a viver, embora, aconteçam escolhas em seu caminho que podem mudar seu trajeto de vida. Para afetar a depressão e ansiedade. O espírito obsessor fica ao seu lado influenciando os pensamentos negativos, trazendo ao momento de sua tristeza pensamentos que pioram a sua situação, e assim, te enfraquecem. Podendo também, fazer você pensar em se tornar um espírito suicida. De acordo com Kardec:

Imaginamos erradamente que os Espíritos só caiba manifestar sua ação por fenômenos extraordinários. Quiséramos que nos viessem auxiliar por meio de milagres e os figuramos sempre armados de uma varinha mágica. Por não ser assim é que oculta nos parece a intervenção que têm nas coisas deste mundo e muito natural o que se executa com o concurso deles. Assim é que, provocando, por exemplo, o encontro de duas pessoas, que suporão encontrar-se por acaso; inspirando a alguém a ideia de passar por determinado lugar; chamando-lhe a atenção para certo ponto, se disso resulta o que tenham em vista, eles obram de tal maneira que o homem, crente de que obedece a um impulso próprio, conserva sempre o seu livre-arbítrio.

Dessa forma, fica evidente que a influência dos espíritos, seja obsessor ou não, seja compactuo de uma encarnação passada ou não, é grande. A influência é direcionada aos pensamentos do indivíduo que se confundem com os próprios e acaba por se misturar. Na depressão e ansiedade, a influência de um espírito pode piorar e enfraquecer cada vez mais o paciente, de modo que o próprio possa ter atos que compliquem a sua vida e suas escolhas.

Julia Thaís Porciúncula Serra

Referências:

Clinica da mente. DEPRESSÃO. Disponível em: <https://www.clinicadamente.com/depressao/#:~:text=O%20que%20%C3%A9%20a%20Depress%C3%A3o%3F%20A%20Depress%C3%A3o%20%C3%A9,que%20nos%20move%20para%20viver%20uma%20vida%20feliz> Acesso em: 20 jul. 2021.

SANTOS, Maria Tereza. ANSIEDADE: O QUE É. Veja Saúde. Disponível em: <https://saude.abril.com.br/medicina/ansiedade-o-que-e/> Acesso em: 20 jul. 2021.

KARDEC, Allan, O Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro, FEB. 2004.

KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Ed.285. Instituto de Difusão Espírita. 2003.


29 agosto 2021

Primeiros Instantes de Um Morto - Irmão G

 
PRIMEIROS INSTANTES DE UM MORTO
 
No horário reservado à instrução, na noite de 14 de julho de 1955, nosso conjunto recolheu expressiva mensagem do irmão G., inserta neste capítulo, em que nos informa quanto aos seus primeiros instantes na Vida Espiritual.

Cabe-nos esclarecer que o comunicante, político e administrador de méritos indiscutíveis, recentemente desencarnado, esteve antes em nossa casa de preces, sob a custódia dos amigos espirituais que lhe amparavam a recuperação necessária e justa.

Mostrava-se, então, enfermiço e indisposto, mas a breve tempo, retemperado e fortalecido, retomou ao nosso templo, onde nos forneceu as valiosas impressões que passamos a transcrever.

Meus amigos:

Recordando aquele rico da parábola evangélica que não obteve permissão para tornar ao círculo doméstico, depois da morte, compreendo hoje perfeitamente a justeza da proibição que lhe frustrou o propósito, porque, sem sombra de dúvida, ninguém no mundo lhe daria crédito à palavra.

A experiência social na Terra vive tão distraída nos jogos de máscara, que a visita da verdade sem mescla, a qualquer agrupamento humano, por muito tempo ainda será francamente inoportuna.

Falando assim ao vosso mundo afetivo, não nutro o menor interesse em quebrar a cadeia de enganos a que se aprisionam meus antigos laços do coração.

Profundamente transformado, depois da grande travessia, em que o túmulo é o marco de nosso retorno à realidade, dirijo-me particularmente a vos outros, navegantes da fé no oceano da vida, para destacar a necessidade de valorização do tempo nos curtos dias de nossa permanência no corpo.

Para exemplo, recorro ao meu caso, já que, pelo concurso fraterno, ligastes-vos ao processo de minha renovação.

Como sabeis, qual ocorre à árvore doente, que tomba aos primeiros toques do lenhador, caí também, de imprevisto, ao primeiro golpe da Morte.

Industrial, administrador e homem público, em atividade intensa e incessante, não admitia que o sepulcro me requisitasse tão apressadamente à meditação.

A angina, porém, espreitava-me, vigilante, e fulminou-me sem que eu pudesse lutar.

Recordo-me de haver sido arremessado a uma espécie de sono que me não furtava a consciência e a lucidez, embora me aniquilasse os movimentos.

Incapaz de falar, ouvi os gritos dos meus e senti que mãos amigas me tateavam o peito, tentando debalde restituir-me a respiração.

Não posso precisar quantos minutos gastei na vertigem que me tomara de assalto, até que, em minha aflição por despertar, notei que a forma inerte me retomava a si, que minh’alma entontecida regressava ao corpo pesado; no entanto, espessa cortina de sombra parecia interpor-se agora, entre os meus afeiçoados e a minha palavra ressoante, que ninguém atendia...

Inexplicavelmente assombrado, em vão pedia socorro, mas acabei por resignar-me à ideia de que estava sendo vítima de estranho pesadelo, prestes a terminar.

Ainda assim, amedrontava-me a ausência de vitalidade e calor a que me via sentenciado.

Após alguns minutos de pavoroso conflito, que a palavra terrestre não consegue determinar, tive a impressão de que me aplicavam sacos de gelo aos pés.

Por mais verberasse contra semelhante medicação, o frio alcançava-me todo o corpo, até que não pude mais...

Aquilo valia por expulsão em regra.

Procurei libertar-me e vi-me fora do leito, leve e ágil, pensando, ouvindo e vendo...

Contudo, buscando afastar-me, reparei que um fio tênue de névoa branquicenta ligava minha cabeça móvel à minha cabeça inerte.

Indiscutivelmente delirava — dizia de mim para comigo —, no entanto aquele sonho me dividia em duas personalidades distintas, não obstante guardar a noção perfeita de minha identidade.

Apavorado, não conseguia maior afastamento da câmara íntima, reconhecendo, inquieto, que me vestiam caprichosamente a estátua de carne, a enregelar-se.

Dominava-me indizível receio.

Sensações de terror neutralizavam-me o raciocínio.

Mesmo assim, concentrei minhas forças na resistência.

Retomaria o corpo.

Lutaria por reaver-me.

O delíquio inesperado teria fim.

Contudo, escoavam-se as horas e, não obstante contrariado, vi-me exposto à visitação pública.

Mas oh! irrisão de meu novo caminho!...

Eu, que me sentia singularmente repartido, observei que todas as pessoas com acesso ao recinto, diante de mim, revelavam-se divididas em identidade de circunstâncias, porque, sem poder explicar o fenômeno, lhes escutava as palavras faladas e as palavras imaginadas.

Muitas diziam aos meus familiares em pranto:

— Meus pêsames! perdemos um grande amigo...

E o pensamento se lhes esguichava da cabeça, atingindo-me como inexprimível jato de força elétrica, acentuando: “Não tenho pesar algum, este homem deveria realmente morrer...”

Outras se enlaçavam aos amigos, e diziam com a boca:

— Meus sentimentos! O doutor G. morreu moço, muito moço.

E acrescentavam, refletindo: “Morreu tarde... Velhaco! deixou uma fortuna considerável... Deve ter roubado excessivamente...”

Outras, ainda, comentavam junto à carcaça morta:

— Homem probo, homem justo!...

E falavam de si para consigo: “Político ladrão e sem palavra!
Que a terra lhe seja leve e que o inferno o proteja!...”

Via-me salteado por interminável projeção de espinhos invisíveis a me espicaçarem o coração.

Torturado de vergonha, não sabia onde esconder-me.v Ainda assim, quisera protestar quanto às reprovações que me pareceram descabidas.

Realmente não fora o homem que devia ter sido, no entanto, até ali, vivera como o trabalhador interessado em quitar-se com os seus compromissos.

Não seria falta de caridade atacarem-me, assim, quando plenamente inabilitado a qualquer defensiva?

Por muito tempo, perdurava a conturbação, até que encontrei algum alívio...

Muitas crianças das escolas, que eu tanto desejaria ter ajudado, oravam agora junto de mim.

Velhos empregados das empresas em que eu transitara, e de cuja existência não cogitara com maior interesse, vinham trazer-me respeitosamente, com lágrimas nos olhos, a prece e o carinho de sincera emoção.

Antigos funcionários, fatigados e humildes, aos quais estimara de longe, ofertavam-me pensamentos de amor. Alguns poucos amigos envolveram-me em pensamentos de paz.

Aquietei-me, resignado.

Doce bálsamo de reconhecimento acalmou-me a aflição e pude chorar, enfim...

Com o pranto, consegui encomendar-me à Bondade Infinita de Deus, respirando consolo e apaziguamento.

Humilhado, aguardei paciente as surpresas da nova situação.

Estava inegavelmente morto e vivo.

O catafalco não favorecia qualquer dúvida.

Curtia dolorosas indagações, quando, em dado instante, arrebataram-me o corpo.

Achava-me livre para pensar, mas preso aos despojos hirtos pelo estranho cordão que eu não podia compreender e, em razão disso, acompanhei o cortejo triste, cauteloso e desapontado.

Não valiam agora o carinho sincero e a devoção afetiva com que muitos braços amigos me acalentavam o ataúde...

A vizinhança do cemitério abalava a escassa confiança que passara a sustentar em mim mesmo.

O largo portão aberto, a contemplação dos túmulos à entrada e a multidão que me seguia, compacta, faziam-me estarrecer.

Tentei apoiar-me em velhos companheiros de ideal e de luta, mas o ambiente repleto de palavras vazias e orações pagas como que me acentuava a aflição e o desespero.

Senti-me fraquejar.

Clamei debalde por socorro, até que, com os primeiros punhados de terra atirados sobre o esquife, caí na sepultura acolhedora, sem qualquer noção de mim mesmo.

Apagara-se o conflito.

Tudo era agora letargo, abatimento, exaustão... Por vários dias repousei, até que, ao clarão da verdade, reconheci que as tarefas do industrial e político haviam chegado a termo.

Apesar disso, porém, a certeza da vida que não morre levantara-me a esperança.

Antigas afeições surgiram, amparando-me a luta nova e, desse modo, voltou a condição do servidor anônimo o homem que talvez indebitamente se elevara no mundo aos postos de diretiva.

E assim que, em vos visitando, devo estimular-vos ao culto dos valores claros e certos.

Instalar a felicidade no próprio espírito, através da felicidade que pudermos edificar para os outros, é a única forma de encontrarmos a verdadeira felicidade.

Tenho hoje a convicção de que os patrimônios financeiros apenas agravam as responsabilidades da alma encarnada, e a política, presentemente, para mim se assemelha à tina d’água que agitamos em esforço constante para vê-la sempre a mesma, em troca apenas do cansaço que nos impõe.

Todos os aparatos da experiência humana são sombras a se movimentarem nas telas passageiras da vida.

Só o bem permanece.

Só o bem que idealizamos e plasmamos é a luz que fica.

Assim, pois, buscando o bem, roguemos a Deus nos esclareça e nos abençoe.

Irmão G
Do livro: ‘’Vozes do Grande Além’’
Mensagens Psicofônicas de Vários Espíritos
Recebidas no Grupo Meimei
Médium: Francisco Cândido Xavier Por Espíritos Diversos

Visão espiritualista dos tiques nervosos - Ricardo Di Bernardi

 
VISÃO ESPIRITUALISTA DOS TIQUES NERVOSOS

Dr. Ricardo Di Bernardi, gostaria que oportunamente fossem abordados os chamados “tiques nervosos”. Será que a doutrina espírita pode ajudar? Qual a razão da existência desses tiques? São hereditários? São espirituais? Meu avô tinha, meu tio e agora eu. Será que os meus filhos podem vir a ter? Paulo, Genéve, Suiça

Resposta: vejamos o Fator Espiritual Externo:

Qualquer desequilíbrio físico, e os tiques nervosos estão incluídos, decorre de um desequilíbrio dos campos energéticos do indivíduo. Gestos repetitivos, conscientes ou inconscientes decorrem de uma desarmonia da frequência vibratória de nossas estruturas mais sutis. A doutrina espírita pode ajudar no equilíbrio psíquico de todos nós ,portanto, pode auxiliar neste mister. Com isto não estamos afirmando , nem de longe, que o problema é originariamente obsessivo isto é decorrente da ação de espíritos desencarnados. Sucede que tudo que pensamos, sentimos e ou agimos gera campos vibratórios com uma determinada frequência, comprimento de onda, coloração, opacidade, som e cor específicos.

Em função de uma determinada postura criamos, secundariamente elos energéticos com entidades espirituais que estão sintonizadas no mesmo diapasão. Há muitas vezes interferência ou somação de situações com espíritos desencarnados. O tratamento, portanto, visa corrigir as posturas psíquicas do indivíduo.

Fator palingenésico:

Palingenesia é o mesmo que reencarnação. Há ,em cada um de nós registros de todo nosso passado. Se é verdade que devemos nos preocupar muito mais com o presente que está sendo construído e que determina em grande parte nosso futuro, não há como negar que arquivos do nosso passado podem ser fatores de tendências em nossas atitudes. Vocações profissionais por exemplo são recordações inconscientes de experiências anteriores. Nosso corpo traz inclinações a certas manifestações que decorrem de fortes impressões que o perispírito ainda não se libertou. No entanto não é se conformando com a tendência que resolvemos o problema mas reencarnando para superar esta tendência. Nosso sistema nervoso deve ser corretamente tratado.

Fator Genético

Geneticamente nossos órgãos são semelhantes aos ancestrais e podem trazer aptidões, ou fragilidades e dificuldades. Não se recebe "tiques"por herança mas se recebe uma musculatura semelhante e um sistema nervoso semelhante com possibilidades também semelhantes. Há genes que se expressam mais ou menos intensamente conforme as vibrações das matrizes perispirituais estejam ou não estejam comprometidas com algum problema . Quer dizer, se nas vidas anteriores há ligação com esta tendência a carga genética se expressa com mais intensidade. Além disto, reencarnamos no meio que temos afinidade o que significa histórias em comum no passado.

Fator psicológico ou emocional

Se alguém prestar muita atenção no próprio piscar de olhos ou de outrem, irá adquirir o tique do " pisca-pisca" . Se alguém prestar muita atenção no bocejo de outros terá imensa vontade de bocejar. Sono ? claro que não, Falta de controle emocional. Transporte isto para outras esferas e níveis de gravidade e perceberá o que quero dizer.

Orientação :

Ter em mente que é uma situação reversível e sempre curável , em mais ou menos tempo desaparece, nem que seja em próximas existências...

Um abraço fraterno.

Dr;. Ricardo Di Bernardi
Fonte:Medicina e Espiritualidade


28 agosto 2021

Herdeiro de si mesmo -Momento Espírita

 
HERDEIRO DE SI MESMO

A notícia estava estampada no caderno jornalístico Notícias do mundo, com o título Conferência Médica.

Possivelmente, muitos que não somos da área médica, passaríamos sem nos determos na leitura, não fosse a imagem intrigante.

Era um garoto de seis anos de idade, em pé, sobre uma cadeira, para ficar à altura das dezenas de repórteres que o entrevistavam.

E podia-se ler: Aos seis anos, o mexicano Maximiliano Arellano de la Noe concede entrevista coletiva a jornalistas, depois de proferir conferência para estudantes de medicina sobre causas e consequências da osteoporose.

Dono de uma rara memória, o garoto se especializa em assuntos médicos, há quatro anos, desde quando começou a ler.

No entanto, não é somente sobre osteoporose que o garoto faz conferências. Ele também fala sobre diabetes e anemia cardiovascular.

> Faz conferências para alunos de medicina, em Universidades do México e da Argentina.

Segundo as notícias, Maximiliano impressiona os ouvintes pela profundidade de seus conhecimentos, especialmente por sua pouca idade.

Sem dúvida, trata-se de mais um caso de genialidade que não encontra explicação lógica, a menos que se lance mão da reencarnação.

Alguns dizem que Deus escolhe determinadas pessoas e as presenteia com certos dons. Essa hipótese tira de Deus alguns de Seus atributos como a Justiça e o Amor.

Outros dizem que se trata de herança genética, de alguma influência que a criança sofreu quando estava no ventre materno e por aí afora.

Essas hipóteses deixam sem explicação uma gama enorme de questões, ou estabelecem argumentos contraditórios.

Todavia, quando se cogita da hipótese de se tratar de um Espírito que trouxe, ao nascer, as experiências adquiridas em outras existências, tudo faz sentido.

Os conhecimentos não se perdem no túmulo. O Espírito é herdeiro de si mesmo.

Pela morte, despe-se do corpo material, mas não sai da vida. Reveste outra forma física e não perde seus conhecimentos.

Isso está absolutamente de acordo com o ensino de Jesus, de que a cada um é dado segundo as suas obras.

Nenhum dos filhos de Deus nos sentimos preterido. Pelo contrário, nossa esperança se fortalece, pois sabemos que todos os nossos esforços serão recompensados.

Com a certeza da vida futura, e das inúmeras oportunidades de aprendizagem que nos são concedidas pela lei da reencarnação, sabemos que nossa felicidade depende unicamente de nós.

Como o pequeno Maximiliano que, aos seis anos de idade fala, com conhecimento de causa, para universitários, sobre problemas complexos, outros tantos gênios anônimos estão pelo mundo.BR>
Não se trata de uma questão de ter boa memória, mas de conhecimentos de existências passadas, que não se extinguem jamais.

Sem dúvida, nem todos nos lembramos claramente de todos os conhecimentos adquiridos ao longo dos milênios, mas temos o que realmente importa: a voz da consciência e as tendências instintivas.

Pensemos nisso, e nos permitamos, Espíritos imortais que somos, utilizar muito bem a chance desta vida, que nos permite crescer, a caminho da perfeição.

Redação do Momento Espírita, com base em notícia colhida no Jornal Gazeta do Povo, de 29/04/06

27 agosto 2021

Sigamos acordados - Lucia Elena Rodrigues


SIGAMOS ACORDADOS

O despertar, a cada dia, é uma nova oportunidade nessa escola de aprendizagem e crescimento espiritual, porém nem sempre nos damos conta dos detalhes dessa oportunidade. Abrimos os olhos e vemos; nos erguemos do leito e temos a capacidade de nos locomover; ouvimos os sons que nos chegam e os compreendemos; sentimos o cheiro familiar do alimento de cada dia, das flores e das pessoas que amamos.

Às vezes não nos conscientizamos de que são oportunidades, agimos de forma automatizada, mas são ferramentas imprescindíveis, são facilidades em nossa caminhada.

Não deveríamos deixar de agradecer por possuí-las. Velhos condicionamentos podem nos levar a focar a atenção no que nos falta e isso atrasa a nossa caminhada. Observemos nossos pensamentos repetitivos de queixas e lamentações e reflitamos que eles servem para nos manter em um falso lugar. Devemos escolher ser autores de nossa própria história. Valorizemos e aprimoremos nossa inteligência, cultivemos a empatia, a tolerância e a bondade para aprimorar as relações familiares, de trabalho e de convivência em geral. Se não utilizarmos bem o que temos, realizaremos menos do que poderíamos. Nos perderemos na queixa e deixaremos de crescer. As consequências continuam sendo de nossa responsabilidade.

As dificuldades que todos enfrentamos devem ser analisadas com um novo nível de consciência iluminada pela gratidão. Não são problemas, são oportunidades de aprendizado e crescimento espiritual. Aprender e mudar são os objetivos de nossa caminhada como seres em evolução. Se, sobretudo, temos a responsabilidade do exercício da mediunidade, realizemos mais, abandonemos a queixa e concentremos nossas energias, talentos e possibilidades na edificação do BEM em torno de nossos passos. Emmanuel nos aconselha que, “fé e obras de generosidade, perdão, humildade e amor” nos mantém “acordados para as oportunidades de serviço”. “Avancemos para diante… renunciando a nós mesmos.”

Lucia Elena Rodrigues
Fonte:
FEIG

26 agosto 2021

Pau que nasce torto morre torto? - Eduardo Battel

 
PAU QUE NASCE TORTO MORRE TORTO?

Existe um ditado popular bastante conhecido que diz: pau que nasce torto morre torto! Mas será verdade? Se tivermos como base somente uma existência corpórea talvez sim, mas como sabemos que somos Espíritos imortais e que o que morre quando desencarnamos é somente o corpo físico, com certeza esse ditado não diz a verdade.

Deus não nos cria seres bons ou maus, escolhendo quem será um ou outro. Na sua infinita bondade e justiça, Ele cria a todos exatamente iguais. Somos criados simples e ignorantes e vamos progredindo intelectualmente e moralmente no decorrer da nossa longa jornada evolutiva, através das nossas múltiplas encarnações.

O objetivo de todos nós é chegarmos progressivamente à perfeição, pelo conhecimento da verdade, sendo assim Espíritos puros. O tempo que cada um leva para isso varia muito, uns caminham mais depressa, outros mais devagar, conforme a vontade e o empenho individuais. Respeitar essa velocidade de caminhada e o estágio em que cada um se encontra nela é obrigação moral de todos.

Todos nós, sem exceção, cometemos muitos erros ao longo de nossas encarnações e Deus não nos julga por isso. Ele entende que estamos aprendendo e sempre nos oferece meios para corrigirmos os nossos equívocos pelo amor, mas muitas vezes somos nós que escolhemos o caminho da dor para essa correção. Nós devemos fazer o mesmo, não julgar as faltas alheias e exercitar o perdão para com os nossos irmãos. A prática do perdão é uma das maiores formas de caridade que existem e devemos fazê-la para com todos, da mesma forma que desejamos que os outros façam conosco.

Contradizendo então o famoso ditado popular, Allan Kardec nos ensina na questão 116 de O Livro dos Espíritos: Há Espíritos que permanecerão para sempre nas ordens inferiores? Resposta: Não; todos se tornarão perfeitos. Eles mudam de ordem, mas isso demora…”. Rotular uma pessoa como sendo eternamente má e condená-la a viver para todo o sempre no inferno, não é condizente com a grandiosidade de Deus. Se Jesus nos ensinou que devemos perdoar as pessoas pelo menos setenta vezes sete vezes, porque é que Deus, sendo infinitamente superior a nós, não o faria?

Allan Kardec nos mostra na questão 114 de O Livro dos Espíritos: “Os Espíritos são bons ou maus por natureza, ou são eles mesmos que se melhoram? Resposta: São os próprios Espíritos que se melhoram e, melhorando-se, passam de uma ordem inferior para uma ordem superior”. Podemos classificar os Espíritos segundo ao seu grau de adiantamento, sendo assim:

– Terceira ordem: Espíritos imperfeitos, que possuem a predominância da matéria sobre o espírito. São ignorantes, orgulhosos, egoístas e propensos ao mal. Tem a intuição de Deus, mas não o compreendem. Nem todos são essencialmente maus, em alguns há mais leviandade, inconsequência e malícia. Uns não fazem o bem nem o mal, mas pelo simples fato de não fazerem o bem, já denotam a sua inferioridade.

– Segunda ordem: Espíritos bons, que possuem a predominância do espírito sobre a matéria. Tem o desejo e fazem o bem. Uns tem a ciência, outros a sabedoria e a bondade e os aliam às qualidades morais. Compreendem Deus e o infinito e já gozam da felicidade dos bons pelo bem que fazem.

– Primeira ordem: Espíritos puros, que não possuem nenhuma influência da matéria e tem superioridade intelectual e moral absoluta. São os mensageiros e ministros de Deus, cujas ordens executam para a manutenção da harmonia universal. São o que chamamos de anjos, arcanjos ou serafins.

O fato de não fazermos o mal não é o suficiente, devemos nos esforçar em fazer o bem, praticando o amor ensinado pelo nosso mestre Jesus há mais de dois mil anos. Uma das formas de fazermos isso é respeitarmos a condição moral e evolutiva de cada um e perdoarmos os erros alheios. Isso requer esforço, dedicação, disciplina e sacrifício, mas todos temos esse potencial, pois essa é a nossa missão. Emmanuel nos falou através de Chico Xavier: “Não há progresso sem esforço, vitória sem luta, aperfeiçoamento sem sacrifício e tranquilidade sem paciência”.

Eduardo Battel*
Fonte:
Kardec Rio Preto
*Frequentador do Centro Espírita Nova Luz e Centro Espírita João Batista em Jundiaí/SP. Expositor Espírita. Coordenador da Liga de Medicina e Espiritualidade da Faculdade de Medicina de Jundiaí, SP.

25 agosto 2021

Culpa e Espiritismo - Marisa Fonte


CULPA E ESPIRITISMO

Então, aproximando-se dele, disse-lhe Pedro: “Senhor, quantas vezes perdoarei a meu irmão, quando houver pecado contra mim? Até sete vezes?”– Respondeu-lhe Jesus:
“Não vos digo que perdoeis até sete vezes, mas até setenta vezes sete vezes.” (S. MATEUS, 18:15, 21 e 22.) - O Evangelho segundo o Espiritismo, capítulo 10


Perdoemos sempre. E como disse o nosso Mestre, Jesus, não sete vezes, mas até setenta vezes sete. Essa é uma atitude realmente nobre, pois muitas vezes o outro erra conosco simplesmente por desconhecer uma forma diferente de fazer as coisas. Mas, será que aplicamos esse mesmo ensinamento de Jesus a nós mesmos? Será que perdoamos as nossas faltas ao menos sete vezes a fim de não vivermos nos acusando por havermos feito coisas das quais nos arrependemos e por causa das quais muitas vezes amargamos uma existência inteira de infortúnio? Será que perdoarmos a nós mesmos é difícil? Tudo indica que sim, pois a multidão de seres que se arrastam pela vida carregando culpas por vezes inexistentes e sempre inúteis é bem numerosa.

Por um lado, é o desconhecimento de como se fazer de modo diferente ou de como fazer melhor que nega a nós mesmos o perdão. Outras vezes é a falta de olhar para si usando da mesma compaixão que se aplica ao nosso próximo que nos impede de oferecermos a nós mesmos o tão necessário perdão das nossas faltas. E lá vamos nós carregando um fardo muito maior do que aguentamos levar, colocado em nossas costas por nós mesmos, que sem analisarmos os fatos simplesmente nos julgamos e condenamos, ou – ainda pior – muitas vezes apenas nos condenamos e sem qualquer julgamento ou análise, a carregar miseravelmente uma culpa que nunca deveria estar nas nossas costas.

A culpa é, na verdade, algo que nasce por entendermos que alguém errou, e, normalmente, não se para a fim de entender que cada um oferece apenas aquilo que possui. Ora, se eu errei foi por não saber fazer de modo diferente, ou por pensar que estava fazendo o mais acertado, uma vez que segundo o meu entender aquele era o melhor a fazer naquele momento.

Todos nós temos um lado chamado de sombra, que fica oculto no nosso inconsciente. Essa ideia da sombra foi desenvolvida pelo psiquiatra suíço Carl Gustav Jung (1875-1961), e podemos definir a sombra como o lado da nossa personalidade que engloba tudo o que julgamos negativo, seja por pensarmos assim, seja por aprendermos assim. Dessa forma, raiva, ciúme, inveja, entre outros sentimentos, ficam ocultos em nós, e a culpa por sentirmos coisas consideradas erradas ou menos nobres começa a pesar na nossa vida, assim como coisas que sabemos que poderíamos ter feito melhor, mas não sabíamos como, ou coisas que outros julgam que deveríamos ter feito de outro modo, mas que também não fizemos por não sabermos na ocasião, agir de modo diferente. O fato é que não podemos contentar a todos, e se indagarmos a várias pessoas sobre como teriam agido em nosso lugar, muitas teriam feito exatamente como fizemos e outras teriam agido de forma totalmente distinta.

Para muitos, esse lado sombrio é sinônimo de algo ruim de que não queremos nos lembrar, ou que evitamos reconhecer que temos. Porém, é preciso reconhecer esse lado da nossa personalidade, a fim de que possamos olhar tudo de frente e controlar e também equilibrar essas “qualidades negativas” que escondemos às vezes até de nós mesmos, e que se rejeitamos pode eclodir em algum momento da nossa vida.

E o sentimento de culpa? Ele também faz parte desse nosso lado sombra. E como lidar com esse sentimento nocivo? Antes de qualquer coisa, pare de se deixar sentir culpado, pois a culpa é o idealismo, o “eu deveria”. Nós erramos por ignorância, pois ignoramos como fazer de modo diferente. Concorda que se soubesse teria feito diferente? Pois é, fez como soube, como acreditou que seria melhor na ocasião. E, vamos parar de usar aquela ideia que sempre nos vem à mente quando sentimos que gostaríamos de ter feito diferente: “se eu soubesse teria feito diferente”. Aí está. Não sabia, não fez, fez o que soube, e é impossível voltar ao passado para mudar qualquer coisa. O importante é aprender com as lições e fazer melhor daqui em diante usando a experiência e o conhecimento que adquiriu. E aceite que haverá de errar ainda muitas vezes no decorrer da vida. E aqui cabe dizer que não falamos de erros absurdamente grandes, mas até de simples “foras” que damos a todo o momento. Então, aprenda a se perdoar e tenha a humildade de aceitar que não sabe tudo.

Segundo os preceitos espíritas, há duas causas psicológicas da culpa: a que procede da sombra escura do passado devido a males praticados contra outras pessoas e a que tem a sua origem na infância.

O espírito Nise da Silveira, diz que precisamos utilizar a culpa para o nosso crescimento. Segundo ela, é preciso reconhecer a culpa, arrepender-se e de, pois se transformar. Portanto, é preciso refletir e agir.

Concluindo, o primeiro passo para se livrar do peso da culpa é aceitar você sem se deixar sentir errado/a. Se insistir em sentir culpa a energia gira contra você. Então, seja melhor para você e dê força para você! Aceite os seus pontos fracos, assuma o seu poder e procure melhorar os seus pontos fortes e fortalecer os pontos fracos. Siga a sua intuição, o seu eu interior e a sua essência espiritual. Seja verdadeiro/a com você e assim se torne imune ao mal. Essa é a sua melhor proteção e a sua melhor defesa.

Fique do seu lado sempre, pois se ficar contra você, qual a reação que espera que os outros tenham em relação a você?

Marisa Fonte
Fonte:Blog Letra Espírita

Referências:

KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Tradução e redação final de Matheus Rodrigues de Camargo. 43ª Reimpressão. Capivari-SP. Editora EME. 2019.

XAVIER, Francisco Cândido. Pensamento e vida. Pelo espírito Emmanuel, psicografia, edição FEB

NORONHA, Iraci Campos. Reconstruindo Emoções. Pelo espírito Nise da Silveira, psicografia, Consciência/Intelítera


24 agosto 2021

Determinismo e Livre-arbítrio - Rogério Miguez


DETERMINISMO E LIVRE-ARBÍTRIO

"Então veio a mim a palavra do Senhor: […] No momento em que eu falar acerca de uma nação, ou de um reino para o arrancar, derribar e destruir, se a tal nação se converter da maldade contra a qual eu falei, tambem eu me arrependerei do mal que pensava fazer-lhe.

E no momento em que eu falar acerca de uma nação ou de um reino, para o edificar e plantar, se ela fizer o que é mal perante mim, e nao der ouvidos à minha voz, então me arrependerei do bem que houvera dito lhe faria." (Jeremias, 18:7 a 10).

* * *

Tanto o futuro do homem quanto, especialmente, o da Humanidade estão criptografados nas profecias de origem divina, contidas na Bíblia Sagrada e proferidas por Jesus e seus emissários, os profetas. Algumas são de cunho determinístico e terão fatalmente que se realizar, como o declarou o Cristo em Mateus, 5:17 e 18, enquanto o cumprimento ou não de outras, como visto na epígrafe, está subordinado ao procedimento coletivo do ser humano, no emprego inviolável de seu livre-arbítrio.

Para o escritor Grove Wilson (1883-1954) - Newton, Kepler e Galileu formavam "o trio que havia forçado o Sol e as estrelas a contarem aos homens sua verdadeira história".

Se trabalharmos também com dedicação e afinco, convenceremos as profecias a nos descerrarem seu seio e entregarem o ouro que tão zelosamente guardam no escrínio de sua intimidade.

Entrando diretamente na questão, coloquemo-la da seguinte forma: se o futuro está determinado e, por isso, pode ser previsto, então há um determinismo ou fatalismo, traçado pela Lei Divina, que pode abranger desde o minuto seguinte até os milênios futuros, tornando o homem um mero autômato no jogo da existência humana. Se isto está correto, onde fica, nesse universal e inexorável fluir, o livre-arbítrio humano? A explanação de Sua Voz, mentor de Pietro Ubaldi, lança esclarecedora luz sobre a questão:

Não confundais a ordem e a presença da Lei com um automatismo mecânico e um fatalismo absurdo. A ordem, já vos disse, não é rígida, mas contém espaços de elasticidade, possui subdivisões de desordem, de imperfeição; complica-se em reações, mas permanece ordem e lei no conjunto, no absoluto.

Um exemplo: ante a vontade da Lei tendes a vontade do vosso livre-arbítrio; mas é vontade menor, contida, circunscrita por aquela vontade maior; podeis vos agitar a vosso bel-prazer, mas sempre como num recinto, nunca fora dele.

Este movimento vos é concedido, porque é necessário que, num certo âmbito que vos diz respeito, sejais livres e responsáveis e possais assim, em liberdade e responsabilidade, conquistar a vossa felicidade.

Tenho resolvido, assim de passagem, o conflito, para vós insolúvel, entre determinismo e livre-arbítrio. Estes conceitos levar-vos-ão, depois, à concepção de uma moral científica e exata (1).

O tema já permeava, com um século de antecedência, a Doutrina Espírita e foi tratado exaustivamente por Allan Kardec em várias passagens de O livro dos espíritos, mormente nas questões 259, 526, 527, 859-a e 861, bem como na 872.

Nesta última, há um abalizado estudo do mestre intitulado "Resumo teórico do móvel das ações do homem" (2).

Atrevemo-nos a apresentar uma imagem singela que, de certa forma, poderá ilustrar o argumento. Suponhamos que certo passageiro embarque numa composição ferroviária em São José do Rio Preto com destino a Campinas, 350 km adiante, como nós mesmo costumávamos fazer na década de 1970. Os pontos de origem e de destino estão previamente traçados. Ele nada poderá fazer quanto a isso. No entanto, terá liberdade, durante a viagem, para almoçar no vagão-restaurante; caminhar do primeiro ao último vagão e vice-versa, se assim o desejar; dormir numa poltrona-leito ou no carro-dormitório; ler um jornal ou uma revista e até mesmo descer em alguma estação do caminho, nas escalas para embarque e desembarque, e tomar depois o trem seguinte. E o curioso é que, mesmo caminhando dentro do trem ao arrepio do movimento deste, ainda assim o passageiro avançará para a meta, porque, para cada passo dado a contrapelo, o comboio terá avançado vários metros.

Prisao cósmica.

O mesmo, em tese, ocorre com os integrantes da Humanidade, em qualquer ponto do Universo. E mesmo antes do período em que o ser passa a integrar o reino humano, naquela fase em que o princípio espiritual - ainda não Espírito completamente formado - começa a se tornar consciente de sua existência. Quando ele desperta para a realidade exterior, já se vê encaixado (sem possibilidade de fuga) nesse gigantesco mecanismo universal que o conduz inexoravelmente pela trilha da evolução à estação de chegada, que é a perfeição no Infinito.

Ele não tem competência para deter esse movimento.

Poderá, no entanto, dentro de seu respectivo âmbito de influência, ao movimentar-se desde os pródromos da volição, fluir com ele naturalmente ou então embaraçar essa fluência, postando-se contra a corrente. Neste caso, seu panorama evolutivo se afunila, ele é mergulhado em planos mais condensados do Universo, onde, constrito nessa gaiola de espaço-tempo, se vê compelido a reconquistar sua antiga liberdade por meio da reescalada à posição de origem.

Observe o habitante da Terra:

ele está chumbado a um planeta que se movimenta a cerca de 1.700 km por hora em torno de seu eixo, 107.000 km por hora em torno do Sol e 1 milhão de km por hora em torno da Via Láctea.

O que ele pode fazer em relação a isto? Pode acaso dizer "pare o mundo que eu quero descer"?.

Aprende-se mais na Doutrina Espírita: como aquele passageiro que desceu numa estação para esperar o trem seguinte, o Espírito pode até "estacionar" ali por um tempo relativamente prolongado. Mas essa atitude negativa tem limite. Aprendemos com Kardec, em nossa luminosa Doutrina, que o Espírito não degenera: pode permanecer estacionário, mas não retrograda, (3) visto que "[...] O rio não remonta à sua nascente" (4).

Esse é um dos postulados básicos da Doutrina, e esta segundo o Codificador, "[...] é inquebrantável em sua base [...]"; (5) grifo nosso.

É o caso do ricaço que, numa existência, abusa egoisticamente da riqueza, como na Parábola do Filho Pródigo, e, na encarnação seguinte, renasce numa condição de miserabilidade e vai comer alfarrobas com os porcos, para aprender a valorizar os bens terrenos.

Ou do político de intelecto poderoso e verve fácil, que ilude o povo, e volta com a mente destrambelhada, ou portador de deficiência da fala, para redimensionar suas atitudes e aprender a glorificar os dons conquistados, de acordo com a Lei Divina.

Essa estagnação pode até ser mais profunda, como no caso de Espíritos que são trasladados, em exílio, de planetas superiores para planetas inferiores, naquelas épocas de seleção planetária que ocorrem periodicamente no Universo.

É, porém, muito mais de forma do que de substância.

O Espírito nada perde do que já haja conquistado, malgrado algumas províncias de seu ser psíquico ficarem temporariamente segregadas da consciência normal, numa prudente operação espiritual de prevenção de recaídas.

É o que aprendemos com as Entidades Superiores, quando Kardec lhes dirige a seguinte pergunta:

Mudando de corpo, pode o Espírito perder algumas faculdades intelectuais, deixar de ter, por exemplo, o gosto das artes?

"Sim, se corrompeu sua inteligência ou a utilizou mal.

Além disso, uma faculdade qualquer pode ficar adormecida durante uma existência inteira, se o Espírito quiser exercitar outra que com ela não guarde relação. Neste caso, permanece em estado latente, para ressurgir mais tarde." (6) (Grifo nosso).

Enfim, conquanto tratado aqui de forma ligeira, o assunto é realmente fascinante e merece mais profundas reflexões.

Dessa forma, determinismo e livre-arbítrio não se anulam reciprocamente, como seria a primeira impressão, mas coexistem, como bem informa Emmanuel, estabelecendo que o "[...] primeiro é absoluto nas mais baixas camadas evolutivas e o segundo amplia-se com os valores da educação [...]", cumprindo-nos "[...] reconhecer que o próprio homem, à medida que se torna responsável, organiza o determinismo da sua existência, agravando-o ou amenizando-lhe os rigores, até poder elevar-se definitivamente aos planos superiores do Universo"; (7) grifo nosso.

Segue na mesma esteira o esclarecimento de Sua Voz:

Todo ato é sempre livre em suas origens; não depois, porque então passa imediatamente a pertencer ao determinismo da lei de causalidade, que impõe as reações e as consequências.

O destino, como efeito que é do passado, contém por isso zonas de absoluto determinismo, mas a este se sobrepõe, a todo momento, a liberdade do presente, continuamente aproveitável, que tem o poder de imitir [introduzir] sempre novos impulsos e, nesse sentido, corrigir os precedentes [...] (8).

Rede ativo-reativa.

É possível, portanto, prever que o trem que deixa a cidade rio-pretana chegará a Campinas, porque isto já faz parte de um plano pré-traçado, que não deverá sofrer alterações em sua programação.

Mas prever o que determinado passageiro fará em uma das etapas da viagem (se preferirá dormir num vagão-dormitório ou numa poltrona-leito; se descerá em certa estação ou continuará a viagem até o fim), é entrar no campo do livre-arbítrio, da aleatoriedade da conduta humana, e, nesse campo, há alguns complicadores.

Supor o homem "[...] submetido a uma fatalidade inexorável, com relação aos menores acontecimentos da vida, é despojá-lo do seu mais belo atributo: a inteligência; é assimilá lo ao bruto [....]", pondera Kardec. Algumas linhas à frente, porém, deslindando em parte a questão, acena com alguns vetores importantes, adiantando que se fosse fortuito o futuro, se dependesse daquilo a que se chama acaso, "[...] se nenhuma ligação tivesse com as circunstâncias presentes, nenhuma clarividência poderia penetrá-lo e nenhuma certeza, nesse caso, ofereceria qualquer previsão [...]". O verdadeiro vidente - acrescenta - "[...] apenas prevê as consequências que decorrerão do presente [...]";(9) (grifo nosso).

Então, a dedução lógica é que passado, presente e futuro estão entrançados de tal forma numa complexa rede ativo-reativa que, numa certa porcentagem, a Humanidade será induzida a agir hoje sob a regência preponderante do lastro resultante de suas ações do passado, assim como projeta no futuro tendências e atitudes decorrentes de suas atividades do presente.

A previsão de tais fatos nos leva à cena do homem sobre a montanha (de que se vale o Codificador no citado capítulo), o qual tem uma visão abrangente do que ocorre na campina e, por isso, pode tomar certas providências, fazer determinadas revelações, antecipar o conhecimento de acontecimentos que estão fora do ângulo de visão dos habitantes da planície. Suponhamos, agora, que esse homem hipotético fosse o próprio Deus, ou seus mais altos Emissários, e aí teremos a gênese das coordenadas subjacentes que estabelecem as profecias.

Dizer, portanto, que o trem chegará a Campinas é o mesmo que dizer que a Humanidade atingirá a perfeição - e isto é determinismo.

Não é, porém, um determinismo inflexível quanto ao tempo de sua realização, mas elastecível, na medida em que a volição dos Espíritos e dos homens pode apressar ou retardar a sua consecução, conforme a previsão constante no Planejamento Divino - e isto é livre-arbítrio.

Essa providencial elasticidade do determinismo divino pode ser vista na resposta obtida por Kardec em uma de suas importantes consultas às Entidades Superiores:

P. - Disseram os Espíritos que os tempos são chegados em que tais coisas [acontecimentos sociais graves] têm de acontecer: em que sentido se devem tomar essas palavras?

R. - Em se tratando de coisas de tanta gravidade, que são alguns anos a mais ou a menos?.

Elas nunca ocorrem bruscamente, como o chispar de um raio; são longamente preparadas por acontecimentos parciais que lhes servem como que de precursores, quais os rumores surdos que precedem a erupção de um vulcão. Pode- -se, pois, dizer que os tempos são chegados, sem que isso signifique que as coisas sucederão amanhã. Significa unicamente que vos achais no período em que se verificarão (10). (Grifo nosso).

Em suma: a Lei Divina, em sua dupla compleição de fatalismo e liberdade, irá cumprir se de qualquer forma para aqueles que têm o que ressarcir perante a Consciência Cósmica (ou seja, toda a Humanidade), apresentando-se de forma impositiva para os recalcitrantes e resiliente para os dóceis e inclinados à obediência.

Rogério Miguez
Revista Reformador  - Março 2020

Referências:

1 UBALDI, Pietro. A grande síntese. 9. ed. São Paulo: Lake. cap. 7 – Aspecto Estático, Dinâmico e Mecânico do Universo, p. 41.

2 KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed. 7. imp. Brasília: FEB, 2019.

3 ______. ______. q. 118.

4 ______. ______. q. 612.

5 ______. Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos. ano 8, n. 2. fev. 1865. Perpetuidade do Espiritismo. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed. 1. imp. Brasília: FEB, 2015.

6 ______. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed. 7. imp. Brasília: FEB, 2019. q. 220.

7 XAVIER, Francisco C. O consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 29. ed. 8. imp. Brasília: FEB, 2018. q. 132.

8 UBALDI, Pietro. A grande síntese. 9. ed. São Paulo: Lake. cap. 77 – Destino – o direito de punir, p. 300.


9 KARDEC, Allan. Obras póstumas. Trad. Guillon Ribeiro. 1. ed. 1. reimp. (Edição Histórica). Brasília: FEB, 2011. cap. A segunda vista, it. Conhecimento do futuro. Previsões.

10 ______. ______. 2a pt., cap. A minha primeira iniciação no Espiritismo, 12 de maio de 1856 (Sessão pessoal em casa do Sr. Baudin) Acontecimentos.


23 agosto 2021

Espiritismo e Sociedade - Marco Milani


ESPIRITISMO E SOCIEDADE

“Se quiserdes que os Homens vivam como irmãos na Terra, não basta dar-lhes lições de moral; é preciso destruir a causa do antagonismo existente e atacar a origem do mal: o orgulho e o egoísmo.”  Allan Kardec – Obras Póstumas 
 
A construção de uma sociedade melhor, baseada em relações justas, fraternas, em condições de liberdade e pleno desenvolvimento do indivíduo, ainda é um grande desafio para a humanidade. Essa questão não se restringe a um povo, nação ou bloco econômico, mas expande-se à maioria da população mundial, mesmo considerando-se as diversidades culturais existentes.

Obviamente ainda verificamos aqueles que permanecem sob um coercitivo isolamento cultural, refletindo o próprio estágio evolutivo em que se encontram. Desde o primeiro agrupamento familiar, passando pelas mais diferentes formas de relações políticas, sociais e econômicas, desenvolvemos as bases do conhecimento atual, orientados por um impulso evolucionista inerente ao Ser humano.

Motivação esta que não é derivada exclusivamente do processo histórico, como desejam alguns, mas é a manifestação da potencialidade do Espírito buscando a própria realização. Não cabe somente aos filósofos, economistas e sociólogos esta reflexão, visto que todos contribuem ativamente para o equilíbrio (ou desequilíbrio) social. O conhecimento formal do objeto – a sociedade – para uma análise crítica, favorece aidentificação de pontos relevantes para a sua harmonia, porém nem todos estes pontos estão significativamente compreendidos.

Os séculos XVIII e XIX foram bastante fecundos em ideias e experiências nesse contexto, destacando-se a forte influência que muitos de seus pensadoreslegaram aos nossos dias. Naquela época, procuraram planejar e, muitas vezes, estabelecer os rumos da chamada sociedade “civilizada”, considerando principalmente as relações entre o Estado e Governo, justiça e liberdade, propriedade privada e comum, atividade produtiva e consumo. Naquele mesmo período, vozes de um outro movimento revolucionáriofaziam-se ouvir pelo planeta. Após séculos de dormência preparadora, aguardando a maturidade intelectual da humanidade, vigorosos sinais do mundo invisível atraíam a atenção para a sua realidade. Uma invasão das ideias espiritualistas procurava acordar os seres para este fato “admirável” nos diferentes continentes.

Não que tais fatos fossem novidade, pois a existência e comunicação com entidades espirituais constituem parte da crença de todos os povos da Terra, desde os primórdios da civilização até hoje. Esta comprovação é realizada pela Antropologia, considerando ainda que esta crença é a base de toda a filosofia das religiões. Porém, o entendimento destes fatos é que demandam um despertar intelectual.

Em 1857, vivenciando uma Europa onde fervilhavam projetos de transformações socioeconômicas e discussões de âmbito religioso, que uma das mais poderosas propostas para o desenvolvimento humano já vista surge de maneira clara, objetiva e lógica: a Doutrina dos Espíritos, por Allan Kardec. O advento do Espiritismo permitiu que o Espírito, elemento fundamental não considerado adequadamente nas demais doutrinas espiritualistas e ideologias políticas, sociais e econômicas florescentes, fosse abordado. Os preceitos cristãos revitalizaram-se sob o aspecto racional da doutrina que aproxima a ciência, filosofia e religião, desenvolvendo de forma límpida a essência moral dos ensinamentos de Jesus.

É justamente o conhecimento da realidade espiritual e de todas as suas consequências morais que norteia o comportamento de qualquer componente de uma sociedade para que essa possa apresentar, de fato, as condições propícias para a felicidade individual e coletiva. A Doutrina Espírita causa a verdadeira revolução, pois atinge a base do pensamento humano, a naturalidade do próprio Ser e sua relação com a realidade que o cerca. Modificando essa concepção, os valores morais são revistos e toda noção de sociedade é logicamente alterada (não destruída, mas aprimorada). Trata do aspecto social de maneira profunda, destacando a necessidade de que a real transformação ocorra no coração do Homem, combatendo com a fé raciocinada os maiores inimigos do progresso: o orgulho e o egoísmo. Com muita pertinência, invalida qualquer tentativa de imposição ao comportamento fraterno como aquele pretendido por governos autoritários, considerando que a fraternidade é resultado do aprimoramento moral e não de medidas governamentais. Valoriza a educação do indivíduo como fator transformador, conscientizando sobre o processo evolutivo do Ser. A liberdade e a meritocracia são as características esperadas de uma sociedade formada por cidadãos responsáveis e que se respeitam. Não há progresso sustentável sem a confiança e o investimento no presente para as gerações futuras, marchando com a certeza do bem-estar resultante dos atos equilibrados. Atos estes que são efetuados com coragem, determinação e uma fé inabalável, fundamentada na razão e na moral.

Neste final de século XX, percebemos que o impacto cultural gerado pelas novas formas de integração socioeconômicas (globalização) propicia um momento reflexivo de valores nunca antes alcançado. O acesso à informação e ao conhecimento deixa de ser privilégios de poucos para tornarem-se acessíveis a um número cada vez maior de pessoas em diversas nações. Depois de verificarmos o fracasso de sistemas políticos e econômicos que se escondiam sob a máscara da igualdade e justiça social, mas queprocuravam impor seus preceitos pelo autoritarismo brutal, ainda nos deparamos com sérios problemas estruturais em âmbito mundial: desemprego, fome, analfabetismo, desrespeito aos direitos humanos etc. Imperceptível para alguns e muito lenta para outros, a perseverante transformação moral do planeta está em curso, decorrente da própria evolução do Ser. Espalham-se pelo mundo valorosos indivíduos e organizações de diversas crenças visando atenuar ou eliminar os desequilíbrios expostos, incentivando o progresso humano. Organizações de âmbitos religiosos, políticos, econômicos, civis etc. Mesmo que nem todos estejam conscientes do processo evolutivo do Espírito, todas as ações são meritórias se agem com sinceridade para alcançar esse objetivo, sem preconceitos ou violências de qualquer espécie.

Porém, desde a sua codificação, a Doutrina Espírita lança suas luzes de forma cada vez mais intensa, libertando consciências dos grilhões da ignorância que entravam o crescimento da Alma. Enquanto ideias e movimentos fragilizados não resistem ao tempo, a sua força reside na solidez de seus princípios. É a liberdade de consciência, o desenvolvimento pelo mérito e a convivênciafraterna e ética pelo esclarecimento sobre a realidade espiritual e leis naturais que o Espiritismo busca promover.

Marco Milani
Fonte:
Agenda Cristã

Notas do editor:

(1) Publicado no Boletim GEAE Número 387 de 21 de março de 2000 (https://www.geae.net.br/Boletins_GEAE/Boletins_html/geae387.html).

(2) Imagem ilustrativa e em destaque disponível em ( https://www.istockphoto.com/br/vetor/boulevard-haussmann-em-paris-fran%C3%A7a-s%C3%A9culo-xix-gm1219225002-356564411). Acesso em: 16/07/2021.

22 agosto 2021

Serve-nos o Humanismo de Kardec? - Marcelo Henrique Pereira

 

SERVE-NOS O HUMANISMO DE KARDEC?

Como se formou o pensamento de Rivail-Kardec e como ele pode ser resgatado e aprofundado na contemporaneidade

O Professor francês Rivail, na França do Século XIX, hauriu grande parte do seu conhecimento, naquela existência (encarnação), a partir da orientação (teórico e prática) no Instituto de Yverdon (Suécia) com Pestalozzi. Pode-se dizer, assim, que o Humanismo, enquanto corrente filosófica, foi essencial na formação daquele homem que, depois, veio a ser o responsável direto pela introdução dos conhecimentos espirituais sistematizados (Espiritismo) para a Humanidade.

Em que consistia, pois, o Humanismo de Kardec? Quais suas bases filosóficas? Como foi aplicado em relação às práticas espíritas?

Em linhas gerais, o Humanismo foi um conjunto de ideias, nascidas antes e durante o Renascimento, cujo escopo era a valorização das ações humanas e dos valores morais (como justiça, respeito, honra, amor, liberdade, solidariedade, etc.). Sua configuração partiu do antropocentrismo, com o homem no centro do pensamento filosófico, resgatando alguns conceitos da cultura clássica antiga (sobretudo dos gregos), com destacada valorização dos direitos humanos e das expressões de cidadania. Para o Humanismo o homem é o centro de interesse e é em torno dele que tudo acontece.

Os ideias e valores humanistas acham-se presentes na obra de Allan Kardec como um todo e fundamentam os princípios e os elementos da Doutrina dos Espíritos, que ele fundou, sistematizou e difundiu, na segunda metade do Século XIX. Os elementos fundantes e originários de tal doutrina permanecem válidos e atuais, em termos teóricos, mesmo considerando que grande parte dos que se afiliam ao chamado “movimento espírita”, fundando, dirigindo, participando em funções e atividades ou, ainda, apenas frequentando instituições espíritas (associações civis), no Brasil e em outras partes do mundo, não sejam totalmente fiéis nem aos conceitos e teorias, nem às práticas e roteiros de atividades introduzidos e recomendados por Kardec.

"O Humanismo se opõe, frontalmente, ao Deísmo, porque coloca o ser humano no centro das realizações (materiais e espirituais) do Planeta, e salienta cada um dos avanços das sociedades em busca do aperfeiçoamento (material e espiritual) e a necessidade de mudanças (progresso) do Direito e das sociedades. O já citado antropocentrismo, assim, substitui a primazia pelo teocentrismo, escopo de todas as religiões deístas."

Na estruturação da Doutrina dos Espíritos, ao dialogar com as Inteligências Invisíveis, Kardec trabalha em dois contextos muito claros. Primeiro, o da ambiência terrena, material, da vida encarnada, contextualizada naquele momento histórico, fazendo análises detalhadas e aprofundadas de várias questões sociológicas, políticas, pedagógicas, associativas, entre outras. Analisa a sociedade vigente e projeta as futuras, neste orbe. Segundo, com as informações de Espíritos que já se encontram em outras posições na “Escala Espírita”, trata da realidade (espiritual e material) futura, como a projeção do progresso individual e coletivo da Humanidade terrena. E, com isso, influencia decisivamente no quesito participação, isto é o compromisso dos humanos (encarnados) na transformação social, a partir da individual, um dos objetivos finalísticos da própria Doutrina.

Então, ao nos debruçarmos sobre a proposta de Kardec (Espiritismo), em face da conjuntura planetária do Século XXI, torna-se oportuno perguntar se os conceitos e fundamentos do Espiritismo, vinculados ao Humanismo, estão conformes à atualidade planetária e o que é possível fazer, em termos de ações possíveis, para retomar o Humanismo de Kardec e aperfeiçoar as atividades e intenções do chamado “movimento espírita”.

"O Humanismo Espírita, então, tem a ver com a implantação do “Reino”, ou seja, concretizar, pela ação dos Espíritos encarnados, um estágio mais adiantado de vida em Sociedade, onde a Justiça Social já é realidade. Em muitas passagens da chamada Codificação Espírita, Kardec e os Espíritos Superiores dissertam sobre ela, quer no aspecto negativo, quando Kardec e os Espíritos dissertam acerca das injustiças e limitações do nosso organismo social humano, quer no positivo quando prescrevem um estado futuro, em planos mais adiantados, no qual as ações humanas já se achariam melhor adequadas aos ditames das Leis Morais (que são explicitadas na parte terceira de “O livro dos espíritos”), quer, ainda, subjetivamente, quando são analisadas situações pontuais egressas da conduta dos Espíritos, encarnados ou desencarnados, a partir das perguntas de Kardec."

Assim, as inteligências já despertas devem empreender todo e qualquer esforço – teórico ou técnico e prático – para o aperfeiçoamento da Sociedade, dentro da missão espiritual que cada individualidade tem para consigo mesmo, em relação ao(s) seu(s) semelhante(s) e para com o todo. O teórico ou técnico deriva dos estudos científicos e da promulgação de leis “melhores”; o prático compreende um rol de ações individuais e coletivas, para acelerar o progresso social.

O Espiritismo, Humanista que é, como doutrina filosófico-científica com consequências morais, concebe então uma ética espírita baseada nos valores de solidariedade, fraternidade e Justiça Social. Aos espíritas de nossos dias, compete a atribuição de contribuir para a instauração de um novo padrão de relações humanas, capazes de ensejar beleza na convivência humana e alcançando questões essenciais que gravitam em torno da satisfação das necessidades materiais e espirituais dos homens, a partir de um outro referencial de valores, o espiritual.

Trabalhar para a concretização desta Sociedade Justa, portanto, deve privilegiar a preocupação para amenizar as desigualdades sociais, permitindo o acesso aos direitos básicos (dignidade humana, educação, saúde, trabalho, moradia, acesso à justiça, etc.), por meio de políticas públicas e não pelo mero assistencialismo e clientelismo, primando, inclusive, pela transparência das ações governamentais, com a divulgação de recursos empregados e ações materiais realizadas, sobretudo na direção de pessoas e comunidades consideradas socialmente vulneráveis.

O Projeto Social Espírita, assim, é dialógico porque permite que todos os atores sociais dialoguem entre si, conhecendo dificuldades e problemas e laborando por superá-los. É humanista, porque está centrado na figura humana, o agente e objeto de todos os esforços e iniciativas em favor do progresso e, com ele, do atingimento da justiça. É livre-pensador, porquanto seja despido de preconceitos e dogmas, que poderiam particularizar entendimentos, permitindo que o entendimento espiritual, amplo e completo, referencie a busca pela erradicação das injustiças.

"Kardec aponta o norte para este percurso quando, ao dissertar sobre “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, em “Obras Póstumas”: “destruí nas leis, nas instituições, nas religiões, na educação, até os últimos vestígios, os tempos de barbárie e de privilégios, e todas as causas que mantêm e desenvolvem esses eternos obstáculos ao progresso, que se recebe, por assim dizer, desde a meninice e se aspira por todos os poros na atmosfera social; só então os homens compreenderão os deveres e benefícios da fraternidade; então, também, se estabelecerão por si mesmos, sem abalos e sem perigo, os princípios complementares da igualdade e da liberdade”."

Os espíritas, destarte, imbuídos do Humanismo Espírita, devem agir e influenciar os não-espíritas, sem qualquer intenção proselitista, mas pela “força das ideias e das ações”, propugnando e materializando as mudanças de estrutura e da própria ordem social, a partir da noção de justiça dada pela reencarnação, mas, no plano material, atribuindo a cada indivíduo o dever de auxiliar o seu semelhante e eliminar quaisquer diferenças existentes, por meio de uma prática social efetiva e permanente.

"É por isso que se diz, ao conhecer a essência da proposta espiritista, que todos os espíritas comprometidos com a construção de uma sociedade socialmente justa e fraterna, acham-se seriamente preocupados com os destinos (físicos, materiais) da Humanidade e mantêm a capacidade mobilizadora da indignação e da solidariedade capaz de direcionar esforços para, com a fundamentação crítica da Doutrina dos Espíritos. Engajam-se, deste modo, os espíritas em movimentos e iniciativas voltados à luta para superar este perverso modelo social, substituindo-o, aos poucos e perseverantemente, por um melhor e mais ajustado aos reais propósitos da encarnação neste orbe."

A chamada “Revolução Espírita” permite que se penetrem as bases do comportamento humano resultando na revisão de princípios morais, para promover, adiante, a revisão completa dos princípios jurídicos, econômicos e sociais. Desta revisão, que fará concretizar uma Justiça Social material, advirá a futura Justiça Social Espiritual.

Neste sentido, vale ponderar acerca de nossa efetiva participação na construção de uma Nova Sociedade. A organização social, este tecido formado por linhas que são as individualidades encarnadas, precisa refletir o grau de adiantamento (progresso) dos seres que a compõem e, neste contexto, devem os espíritas se adiantar, em posição de proeminência e organização para, com a visão aclarada que o Espiritismo propugna, criar, manter e aperfeiçoar mecanismos e ferramentas de inclusão, acolhimento, proteção e promoção de todos os seres nela inseridos. Em uma palavra: sejam garantidos os direitos elementares do homem e a cidadania, pilares essenciais de uma Sociedade Justa e Fraterna.

Não é outra, senão essa, a proposta do Humanismo de Kardec, ou do Humanismo Espírita.

Teoricamente, então, estamos prontos, suficientemente embasados e motivados para a implantação da Justiça Social na Terra. O que nos falta, então, na prática?

Marcelo Henrique Pereira
Fonte:
Porta Casa Espírita Nova Era