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06 julho 2008

A História de uma Deficiente - Bezerra de Menezes

A HISTÓRIA DE UMA DEFICIENTE

Bezerra de Menezes
Apresentação do testemunho, em 23/03/2000

Eu estava na colônia Nosso Lar e vi uma jovem que estava trabalhando com crianças que chegavam da terra e eram portadoras de deficiência física. Como essa jovem era muito bela, saudável, eu falei:

- Minha filha, por que você escolheu essa ala da enfermaria, onde os deficientes físicos vão se recompondo?

(Porque o deficiente físico, quando chega ao plano espiritual, quanto mais tempo demorou na Terra, mais tempo também leva para refazer a sua integridade física. É um processo lento de recuperação; ele, que resgatou o seu débito, não sai imediatamente daquela situação na qual o seu espírito esteve aprisionado. Se você aprisiona uma pessoa num cubículo, sentada, sem ver a luz do sol, ela demora a recuperar a visão, sente dores musculares e demora a andar. A mesma coisa no plano espiritual.)

Ela falou:

- Porque eu fui uma deficiente física.

Eu peguei a ficha dessa jovenzinha e achei que era um caso, realmente, para o Núcleo Servos Maria de Nazaré.

Ela dará o seu testemunho e vocês vão ver como, às vezes, o deficiente físico sofre, no seu interior, mesmo podendo ver, falar, conviver com as pessoas, alegremente.

Vamos Ter o testemunho dessa jovem e acho que todos nós vamos aprender um pouco mais com a dor do nosso semelhante. Seria tão bom se as pessoas que recebemos fossem só de alegria, não é?

Mas, se Jesus veio até nós é porque existia muita dor para ser sanada, muito desespero para se transformar em esperança, se Ele veio até nós e está conosco há dois mil anos é porque, realmente, nós precisamos da terapia do Evangelho em nossas almas, da bondade em nossos corações e do equilíbrio em nossos espíritos.

Testemunho dado em 24/03/2000
Elisabete

Há oito anos estou no plano espiritual, nasci, como todas as meninas, normal, brincando, correndo, brigando, vivendo intensamente. Mas, aos cinco anos, comecei a cair com muita facilidade, o que preocupou os meus pais, que me levaram ao médico. Constataram que eu era portadora de uma paralisia progressiva.

Os anos foram se arrastando, eu tinha mais duas irmãs e as via pular, brincar, correr. Nas festas de aniversários corriam atrás dos balões e eu sempre esperando que alguém se lembrasse de mim para me dar balão, para me dar um pedaço de bolo, para me dar guaraná. Não falava, sempre que me olhavam eu sorria, mas dentro do meu coração existia um sofrimento enorme. Eu perguntava:

- Por que, Deus? Por que eu não sou como as outras meninas? Por que eu não posso também correr e brincar como as minhas irmãs? Me davam bonecas, elas eram minhas permanentes companheiras, amigos, parentes, eu tinha muitas bonecas. Com elas eu conversava, porque até minha mãezinha tinha seus afazeres, seus compromissos sociais, tinha que levar criança na escola. E a minha dificuldade era muito grande. Durante algum tempo eu até estudei. Era inteligente, mas depois foi ficando mais difícil e eu mesma preferi, naquele desencanto pela vida, não ir mais à escola. Pedi, em prantos, à minha Mãe e, certamente, o médico lhe disse: “Ela não vai viver muito”. Eu esperava, realmente, que não fosse viver muito. Eu via, progressivamente, a paralisia ir tomando o meu corpo.

Eu conversava com as bonecas, lia muito, ouvia música. Aquele era meu mundo, não sentia nenhuma alegria em sair. Mas, para não constranger a minha mãe, para não ser dela carcereira, eu aceitava participar de festas. O meu tormento era visível e a piedade nos olhos das pessoas mais visível ainda.

Chegou a puberdade, eu era a caçula, via as minhas irmãs se aprontando para irem para uma festinha, para o cinema, para irem aos parques. Elas chegavam contando, alegres, entre elas, porque os assuntos delas não eram os mesmos assuntos que tinham comigo. Porque elas apenas podiam me narrar aquilo que elas viviam, porque eu não tinha nada para conversar com elas, nenhum assunto, a não ser algum programa de televisão, alguma música. Elas conversavam um pouquinho comigo e começava o diálogo entre elas, entre as companheiras que chegavam e falavam: “Oi Elisabete!”. Era o máximo que me concediam.

Assim os anos foram passando. Os namorados, os primeiros namoradinhos das minhas irmãs e um jovem que foi para comigo muito bondoso. Ele, um dia, chegou e falou com a minha irmã:

- Sua irmã é muito bonita.

Ninguém nunca havia me dito que eu era bonita, nem me importava se eu tinha o rosto bonito ou não. Meu corpo não respondia aos meus impulsos, aos meus apelos. Olhava para meus pés e não conseguia movê-los. Ele me trouxe alguns discos, alguns livros. Se tornou, realmente, um irmão. E eu ficava ansiosa para que minha irmã casasse, realmente, com aquele rapaz, mas, um dia, ele se foi. Desmancharam o namoro, algumas vezes ele me visitou. Eu fiquei sem o amigo que conversava comigo, que elogiava meu cabelo, que me levava livros, bombons. E minha vida voltou a ser o que era, e ela a trocar de namorados e namorados.

Um deles, diante de mim, disse, sem nenhuma piedade:

- Essa doença de sua irmã. Ela pode ser transmitida para filhos? Casando-me com você, eu posso ter um filho nessa situação?

Minha irmã respondeu:

- Eu não sei. Não sei te dizer isto.

Eu então me recolhi ao quarto daquele dia em diante. Não quis mais ser um espetáculo que pudesse prejudicar a descendência dos namorados de minhas irmãs. Sofri atrozmente, nos filmes de televisão, naqueles programas que dançavam e cantavam, mas nunca deixei que ninguém me visse chorar e para todos eu sorri...

Até que, com vinte anos, já com muita dificuldade para engolir, vi o meu corpo, pouco a pouco, diminuir, como se eu fosse voltar a ser criança. Passei a preocupar mais os meus familiares e mais preocupada fiquei com eles. Porque eu me sentia uma carcereira, sentia que todos eles estavam presos à minha deficiência física. E, aos vinte anos, parti para o plano espiritual.

Dois médicos que eu não sabia quem eram me socorreram. Um deles me disse:

- Eu sou Bezerra de Menezes, vou levá-la para recuperar-se. Você receberá tratamento, voltará a ter suas funções normais, mas melhorar, realmente, vai depender de você. Você teve um estágio de encarceramento carnal. Foi necessário isso para que você observasse as pessoas que te cercam, soubesse ver os sentimentos, olhar aquilo que os olhos das pessoas falam, soubesse esconder a sua dor e, também, que nós podemos ser um peso ou uma alegria para aqueles que nos cercam.

Ele me levou, então para a Colônia Nosso Lar. Eu recebi terapia em todo o corpo, via gradativamente as minhas pernas tomando formas, recuperando os movimentos, minhas mãos, minha respiração, que era ofegante, voltaram ao normal.

Pouco a pouco, eu, conversando com aquelas que eram da mesma enfermaria, consegui sentar na cama e arrastar os pés. Debrucei-me sobre a janela e vi um belo jardim, belas árvores, chafarizes. E falei bem alto:

- Morta é que a vida voltou para mim!

Estava me recuperando, pouco a pouco, e daí para a frente já pude ir para o templo da prece, comecei a ir para os refeitórios. Encaminhei um pedido para saber quais as possibilidades que eu teria para ajudar, porque eu me sentia de tal forma incapaz e inerte, que a ânsia de trabalhar, de usar as mãos e os pés era força compulsiva dentro de mim, uma necessidade premente, eu queria usar as minhas mãos, eu queria sentir meus pés e andar incansavelmente, daqui para ali.

E o Dr. Bezerra de Menezes voltou a procurar-me.

- O que você pretende fazer?

Eu disse para ele:

- Qualquer coisa, contando que eu trabalhe. Lavar chão, arrumar cama, tratar de doente, lavar o que for, mas usar as minhas mãos.

Ele deu um sorriso, segurou as minhas mãos e disse:

- Hoje vamos ter uma terapia com três jovens paralíticas. Você esta disposta a ver as conseqüências que uma vida trouxe para você através da paralisia redentora?

- Estou!

Ele, conversando alegremente, segurando a minha mão como um pai amoroso, me levou a uma sala onde havia uma tela grande, onde se movimentavam imagens em terceira dimensão. Eram cenários muito belos e nós três, ali reunidas, depois de nos cumprimentarmos, olhávamos aquelas paisagens belíssimas e falávamos: “essa paisagem não é brasileira”.

E aí foi sendo projetada a vida de cada uma de nós. Quando chegou a minha vez, lá estava eu, uma jovem bela, que tinha uma ama para calçar meus sapatos, apertar os meus espartilhos, pentear os meus cabelos, trazer meu chá que, às vezes, eu não gostava e lhe atirava na face, sem nenhum respeito pelo ser subalterno, sem um carinho por aquelas pessoas que cuidavam do meu bem estar. Entrava nas carruagens e, muitas vezes, quando ia cavalgar com o chicote na mão para chicotear o cavalo puro sangue eu chicoteava o treinador como se ele fosse um animal, não um ser humano, tal o desprezo que eu sentia por todos que trabalhavam.

Revi, nas minhas lembranças, a serva da minha mãe e a minha serva. Lá estavam elas como filhas e como minhas irmãs, num reajuste tão misericordioso, porque elas me tratavam com tanto carinho, com diferença da juventude, é certo.

Mas, os jovens são assim, só depois que amadurecem é que vão entender, dar valor à família e ficar atentos às dores do semelhante.

Senti uma tristeza muito grande, chorei silenciosamente e falei para o Dr. Bezerra:

- Olha, eu tive a bênção de ter tantas bonecas, quanto tantas meninas não tiveram uma boneca sequer, quando tantas e tantas meninas olharam as vitrines com os olhinhos cobiçosos, sem poder embalar nos braços as bonequinhas expostas à venda. Se for permitido, eu gostaria de trabalhar com crianças, crianças deficientes que estivessem em recuperação, a quem eu pudesse dar os primeiros cuidados. Sei que não tenho nada dentro de mim, agora vejo mais ainda, o quão pouco eu fiz no mundo e essa ânsia que eu tenho de usar as mãos, se me for permitido eu gostaria de trabalhar na enfermaria das crianças.

As crianças, quando desencarnam, chegam ao plano espiritual ainda mantendo aquela forma durante algum tempo. Às vezes são pontas de encarnação, como é chamado aqui em cima, são delitos pequenos que têm que resgatar. Ou de um câncer em que foi desencadeado o desencarne antes da hora, ou a necessidade de um período de reajuste.

São inúmeras as situações que levam a pessoa a ser deficiente física, diferem muito os quadros, diferem as provas, como diferem as reações das pessoas.

Demorou algum tempo e, naquele tempo que demorou, procurei ajudar as companheiras da enfermaria. Quando as atendentes chegavam eu já tinha ajudado uma, outra, já tinha conversado.

Eu sentia uma profunda vergonha da moça rica, bela e insensível que eu fora. Lembrava daquele meu corpo, na Terra, e pensava com alegria: minha mãe, minhas irmãs, devem estar sentindo o gosto doce da liberdade, porque, realmente, eu fora um fardo.

Não quis visitar os meus familiares, não por ser penosa a lembrança dos dias que lá vivi, porque não foram penosos, mas por ter sido uma presença penosa para todos eles. Eu queria ganhar um mundo novo, o resgate tinha cessado naquela encarnação, queria uma vida nova, estar num lugar novo, com pessoas novas.

Um dia chegou o doce Bezerra de Menezes:

- Recebemos a permissão do ministro, você vai ter uma entrevista com a ministra Veneranda e poderá trabalhar na ala das crianças deficientes.

Lá existem setores, como na Terra, onde só fazem brinquedos, alimentos. Porque o espírito se alimenta – pode parecer estranho para vocês, mas não é estranho quando vocês bebem uma água fluidificada – e lá se fazem caldos mais densos, que têm sabores deliciosos, sucos que são um “néctar dos deuses”.

Eu, então, fui em cada setor aprendendo como manipular fluidos da forma mais primária, que são os alimentos energéticos. Trabalhava a bioenergia para o alimento daquelas crianças, com as quais eu brincava. Mulheres que sabem costurar, faziam bonecas, faziam carrinhos e as crianças eram felizes. E como elas ficavam felizes ao verem como as perninhas recuperavam os movimentos, que os bracinhos se estendiam para nos abraçar, corriam e brincavam e eu contava história: “Era uma vez, uma menina muito bonita, muito rica, que teve que sofrer muito para aprender que a vida pode ser uma bela história, se nós soubermos viver...”.

A todos vocês o meu agradecimento, por terem tido a paciência de me ouvir. Agradeçam a Deus o que vocês possuem. Jovens, não destruam a saúde de vocês no vício, nas drogas. Aqueles que chegam ao plano espiritual e que usaram drogas, ficam paralisados, catatônicos, e, certamente, terão uma reencarnação tão dolorosa como a que eu tive, porque não souberam valorizar a saúde. Aquilo que tinham de perfeito, tornaram imperfeito.

Jovens, vocês que possuem motocicleta e carro, dirijam com prudência. Porque aqueles que destroçam seu corpo na velocidade e na imprudência ficarão, no plano espiritual, também lesados durante muito tempo e, certamente, nasceram com seqüelas, porque não souberam valorizar o corpo saudável que possuíam.

Mães, jovens, percebam o valor santificante do corpo de vocês, respeitem-se, saibam que a vida é uma benção e nós devemos muito respeito a esse corpo que não foi feito por nós, foi feito por Deus.

Cuidem-se, porque a beleza é uma rosa bela num jardim em que o vento bate em suas pétalas e as arrastam pela lama. A rosa só é bela enquanto está na roseira, depois que perece nem perfume possui, com qualquer flor é assim. Aproveitem a flor da vida para terem, na sua essência mais sublime, aquilo que a vida tem de melhor.

E, se vocês virem alguém arrastando o corpo no cárcere da deficiência física, não tenham piedade. Ajudem com um sorriso, com uma palavra. Façam com que se sintam amados e felizes, mas não tenham piedade, estão resgatando, estão reformulando o seu corpo somático, estão transformando as suas células lesadas em células saudáveis. Façam com que eles sejam capazes de sorrirem e sentirem que a vida tem gosto de amor. Esse amor diferente que é o amor doação, amor caridade. Façam com que as pessoas, ao chegarem perto de vocês, sintam que valeu a pena viver. E que a alegria é a tônica da vida.

Que Deus abençoe a todos. Muito e muito obrigada por tudo.

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