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22 abril 2010

Sempre Matéria - Richard Simonetti

SEMPRE MATÉRIA

Define-se geralmente a matéria como sendo - o que tem extensão, o que é capaz de nos impressionar os sentidos, o que é impenetrável. São exatas essas definições? Do vosso ponto de vista, elas o são, porque não falais senão do que conheceis. Mas a matéria existe em estados que ignorais.

Pode ser, por exemplo, tão etérea e sutil que nenhuma Impressão vos cause aos sentidos. Contudo, é sempre matéria. Para vós, porém, não o seria.

Livro do Espíritos - Questão nr. 22

Em 1944 o Departamento Editorial da Federação Espírita Brasileira lançou um livro que desde logo provocou grande impacto:

Nosso Lar, psicografia de Francisco Cândido Xavier.

O autor, médico desencarnado que o usou o pseudônimo André Luiz, descreve suas experiências no Plano Espiritual, a partir da morte física e do estágio que fez no Umbral, região de sofrimentos que circunda a Terra. Seria o Purgatório do Catolicismo.

Não foi o primeiro livro a abordar o assunto.

A literatura sobre o Além é vasta, envolvendo publicações em todos os continentes.

São famosos no Brasil A Vida Além do Véu, do reverendo inglês Roberto Dale Owen e Cartas de Uma Morta, do Espírito Maria João de Deus, mãe do médium Francisco Cândido Xavier, que o psicografou.

Na codificação kardequiana há O Céu e o Inferno, que desfaz milenárias fantasias, oferecendo-vos valiosas informações sobre o que nos espera após deixar a carcaça na "cidade dos pés juntos".

Nenhum livro, entretanto, é tão completo, tão claro e minucioso sobre a vida espiritual.

André Luiz é muito bem informado e, sobretudo, um autêntico literato, com uma linguagem elegante, sóbria e notável capacidade de síntese. Não perde tempo com firulas. Vai direto ao assunto.

Revela-se conhecedor profundo da ciência médica. Isso favorece muito a abordagem dos problemas psíquicos, de Espíritos encarnados e desencarnados, um dos pontos altos de sua obra, que inclui mais doze livros.

Consta que seria Carlos Chagas, grande médico brasileiro, autor de pesquisas que o tornaram conhecido internacionalmente.

Particularmente famoso é o seu estudo sobre o trypanosoma cruzi, protozoário transmitido por um inseto, o barbeiro, que causa a tripanossomíase americana, hoje conhecida como o Mal de Chagas, em sua homenagem.

Sua identidade foi confirmada pelo médium em reduzido grupo de confrades. São pessoas respeitáveis, de plena confiança, que nos passaram a informação. Segundo Chico a opção pelo pseudônimo foi do próprio autor desencarnado.

* * *

O que causou impacto em Nosso Lar foi o fato de André Luiz descrever uma cidade no Plano Espiritual, cujo nome dá título ao livro.

Há casas, veículos, ruas, parques, árvores, vegetação, lagos, campos... Há uma organização administrativa e social, sede de governo, escolas, hospitais, centros de cultura...

Um espanto!

Emmanuel, o mentor espiritual que assina o prefácio, comenta:

Certamente que numerosos amigos sorrirão ao contato com determinadas passagens das narrativas. O inabitual, entretanto, causa surpresa em todos os tempos. Quem não sorriria na Terra, anos atrás, quando se lhes falasse da aviação, da eletricidade, da radiofonia?

Mais do que sorrisos, a obra de André Luiz suscitou dúvidas e críticas.

Como imaginar o mundo espiritual um xérox da Terra?

Mas poderíamos inverter a pergunta:

Como imaginá-lo diferente?

O que vai acontecer quando batermos as botas?

Porventura nos transmutaremos em etérea fumaça?

Perderemos a identidade?

Desapareceremos no todo cósmico?

Onde quer que o Espírito instale sua morada, fatalmente irá defrontar-se com sua própria forma e entrará em contato com seres e coisas que também tem forma.

Mesmo as fantasias teológicas reportam-se a paisagens infernais e celestiais, seres demoníacos e angélicos, chifres e asas, jardins e cavernas, caldeirões e harpas...

A natureza não dá saltos.

A Espiritualidade, principalmente nas proximidades do plano em que vivemos, forçosamente assemelha-se à Terra.

Ao contrário do que se imagina, o mundo físico é uma cópia muito imperfeita do mundo espiritual, mais densa, mais pesada, de matéria mais grosseira.

Os cientistas admitem hoje a existência de universos paralelos, em outras dimensões, que poderíamos definir como planos habitados por Espíritos, de acordo com seu estágio evolutivo.

***

A chave para entender e aceitar Nosso Lar, está em conceber que a morada dos mortos é feita de matéria.

Isso não deve ser motivo de surpresa.

Consideremos os estados conhecidos da matéria:

Sólido, líquido e gasoso.

Uma pedra de gelo é matéria em estado sólido.

Derretendo o gelo temos matéria líquida.

Se colocarmos a água a ferver teremos a matéria em estado gasoso a dispersar-se, oferecendo-nos a impressão de que se esgotou quando apenas tornou-se invisível.

Algo semelhante ocorre com o Continente Espiritual.

Não o visualizamos porque nos faltam sentidos para identificar os elementos que o estruturam.

Não o detectam os mais sofisticados aparelhos de que dispõe a ciência terrestre porque ainda não possuem a necessária sensibilidade.

***

Superada essa dificuldade, poderemos ler tranquilamente. André Luiz, colhendo valiosas informações sobre as regiões para onde nos transferimos quando a morte nos contemplar com seu irrecusável convite.

Usaremos, então, outro corpo, feito de matéria sutil, em outra faixa de vibração, denominado perispírito por Allan Kardec.

O perispírito guarda a mesma morfologia do corpo físico. É cópia fiel. Assim o Espírito tende a conservar tende a conservar a aparência compatível com sua idade ao desencarnar.

Isso nos permite compreender certas ocorrências, envolvendo os Espíritos.

Diz o vidente na reunião espírita:

- Fulano está presente.

Como sabe?

É que o vê em seu corpo espiritual.

Reclama um comunicante pela psicofonia mediúnica:

- Ninguém me dá atenção em meu lar. É como se eu falasse com as portas...

Não percebe que morreu.

Por quê?

Porque não enxerga nenhuma diferença entre o perispírito, que lhe serve hoje à exteriorização, e o corpo que o serviu enquanto encarnado.

***

Mas Nosso Lar não é só informação sobre o além-túmulo.

Situa-se, sobretudo, como vigorosa advertência, quanto a nossa postura existencial. Demonstra incisivamente que, encarnados ou desencarnados, é fundamental que superemos os pruridos de individualismo que se manifestam em desânimo, tristeza, inquietação, quando somos contrariados em nossos desejos. Sem esse empenho nossa vida será uma interminável sequência de perturbações.

André Luiz oferece ilustrativo exemplo de ordem pessoal.

Após a desencarnação, esteve oito anos no Umbral. Sofreu muito na condição de suicida inconsciente.

Alguém que morreu antes do tempo, em virtude das extravagâncias que cultivava; que jamais encarou a evidência de que estava agredindo e corrompendo a máquina física.

Internado num hospital, recebeu a visita de Clarêncio, generoso benfeitor espiritual.

Carinhoso, o visitante perguntou-lhe:

- Como vai? Melhorzinho?

André Luiz fez o que é próprio do comportamento humano.

Explicou tudinho, em tom desolado.

Reclamou de mal-estar, angústia, depressão, ansiedade... Falou do peso de sua cruz, de doridas saudades da família...

Lastimou estarem a esposa e os filhos sem sua presença...

Sentia-se enfermo, infeliz...

Terminou enfatizando:

- Que será, então, a vida? Sucessivo desenrolar de misérias e lágrimas? Não haverá recurso à semeadura da paz? Por mais que deseje firmar-me no otimismo, sinto que a noção de infelicidade me bloqueia o Espírito, como terrível cárcere. Que desventurado destino, generoso benfeitor!...

Debulhou-se em lágrimas...

Clarêncio, aproveitando o intermezzo naquela sinfonia de lamúrias, perguntou:

- Meu amigo, deseja você, de fato, a cura espiritual?

Recebendo resposta afirmativa, continuou:

Aprenda, então, a não falar excessivamente de si mesmo, nem comente a própria dor. Lamentação denota enfermidade mental e enfermidade de curso laborioso e tratamento difícil. É indispensável criar pensamentos novos e disciplinar os lábios. Somente conseguiremos equilíbrio, abrindo o coração ao Sol da Divindade. Classificar o esforço necessário de imposição esmagadora, enxergar padecimentos onde há luta edificante, sói identificar indesejável cegueira d'alma. Quanto mais utilize o verbo por dilatar considerações dolorosas, no círculo da personalidade, mais duros se tornarão os laços que o prendem a lembranças mesquinhas...

Falou-lhe longamente, como um mentor compassivo e amigo, mas enérgico e realista, chamando-o à razão.

Conclui André Luiz:

A palavra de Clarêncio levantara-me para elucubrações mais sadias.

Enquanto meditava a sabedoria da valiosa advertência, meu benfeitor, qual o pai que esquece a leviandade dos filhos para recomeçar serenamente a lição, tornou a perguntar com um belo sorriso:

- Então, como passa? Melhor?

Contente por sentir-me desculpado, à maneira da criança que deseja aprender, respondi, confortado:

- Vou bem melhor, para melhor compreender a Vontade Divina.

***

Uma boa pedida, leitor amigo:

Meditar sobre as ponderações de Clarêncio com situações assim:

Quando nos elegemos vítimas do destino...

Quando resvalamos para estados depressivos...

Quando sentimos pena de nós mesmos...

Quando a dor nos parece insuportável...

Quando cultivamos a queixa...

Em qualquer lugar, encarnados ou desencarnados, estaremos bem, se procurarmos entender que as lutas e os problemas do mundo não são abismos de angústia e sofrimento.

Constituem valiosos desafios para o exercício de nossas faculdades criadoras, sugerindo-nos o aproveitamento das experiências em que Deus nos situa como oportunidades grandiosas em favor de nossa edificação.

Se os enfrentarmos com serenidade e bom ânimo, dispostos a fazer o melhor, verificaremos que apesar de tudo, na Terra ou no Além, jamais haverá espaço em nosso coração para angústias e perturbações que fazem a infelicidade de tanta gente.

De "A presença de Deus"
De Richard Simonetti

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