SILÊNCIO IMPOSSÍVEL
O
progresso marcha, lenta ou aceleradamente, e ninguém o pode deter. É o
processo natural da vida, que evolui sistematicamente sem nunca parar. O
repouso, por isso mesmo, e a inércia não fazem parte dos seus quadros.
O mesmo ocorre com a verdade. Não pode ser impedida, porque o seu fluxo, o seu curso, é inestancável.
Quanto mais lúcida a civilização, mais claro se lhe desvela o
conhecimento da verdade, ultrapassando o chavão comum, que fala a
respeito daquela que é de cada um. Expande-se e, mesmo quando sombreada
pelos cúmulos dos preconceitos e dos comportamentos arbitrários, rompe o
aparente impedimento e brilha com todo o esplendor.
A verdade é única, embora sejam conhecidas apenas algumas das suas
faces; particularmente aquelas que podem ser aceitas sem muitas
discussões ou querelas.
As palavras, que pretendem apresentá-la ao mundo e às pessoas, não
poucas vezes, alteram-na, confundem quem a busca, divide-a em ideologias
e interpretações, causando dificuldades e problemas.
Dela se utilizam todos os indivíduos conforme a estrutura mental e o interesse moral de cada qual.
Matam em seu nome, embora ela proceda do Amor; personagem sob a sua
bandeira, apesar de expressar-se como paz; confundem-na, mediante os
seus textos, e a sua proposta é clara quão universal; preparam, seguindo
as regras da interpretação que lhe concedem, mesmo originada do
pensamento unívoco de Deus...
Todas as pessoas pretendem possuí-la, e quando pensam detê-la, ou querem retê-la, eis que escapa e expande-se.
Buscam asfixiá-la em um lugar e ressurge noutro.
Imbatível, termina por impregnar as mentes e acolher-se nos corações.
A verdade é transparente como a luz diáfana do amanhecer; é vida que nutre e pão que alimenta.
A verdade procede de Deus e a Ele conduz o pensamento, as realizações e os seres.
Por isso, é impossível o seu silêncio.
A inquietação é inimiga da serenidade, e esta resulta do conhecimento da verdade.
Na quietude da meditação e no recolhimento do trabalho, ei-la que se expressa, abrindo espaço para a iluminação.
Para perpetuá-la no seu conteúdo espiritual os místicos e santos de
todos os tempos retiveram-na em indumentárias delicadas: contos, koans,
lendas, e Jesus apresentou-a em encantadoras parábolas.
Os homens, em diferentes épocas, temiam-na, e, por isso, não a aceitavam
desnuda. Mas a recebiam, para o entendimento, quando adornada de
fantasias, de fábulas, de símbolos.
Naquela circunstância era necessário que todos a conhecessem na sua apresentação legítima: o fato consumado, inegável.
Todos quantos ali estavam viram-na e comoveram-se. Talvez não a entenderam.
Por isso, apelaram para os envoltórios, a que se acostumaram.
O coxo andara e prosseguia andando. Não se tratava de um impressionável
adolescente, mas, sim, de um homem de quarenta anos, maduro, que sabia
discernir, e dava o testemunho: - Eu era limitado; agora ando.
Este o fato: a verdade inconfundível!
Há pessoas que preferem ignorar a verdade, porque aceitá-la é ver-se na
encruzilhada da decisão. Não mais pode ser como anteriormente, receando
mudar e não possuir forças para prosseguir. Essa energia, no entanto,
haure-se nela mesma, que impulsiona para a frente, que sustenta no
desempenho a vivência dos seus postulados.
Adiá-la, significa prosseguir na ignorância, sofrer, quando se torna possível ser feliz.
Jesus afirmou que a verdade liberta, porque desalgema, dignifica,
impondo responsabilidade e dever, que são as suas primeiras
conseqüências.
Pedro e João conviveram com o Mestre, que a expressara nas palavras, na conduta e na autodoação.
Pedro fora vítima da própria defecção por fragilidade moral, porém, sustentado por ela reergueu-se e tornou-se seu embaixador.
Com o jovem amigo, que a tinha iluminando-o interiormente, pôs-se a
apresentá-la de forma incorruptível. Agora era a hora de confirmá-la.
A notícia do feito alcançou os ouvidos das torpes e atormentadas autoridades da governança.
Receosos do efeito do acontecimento, tomaram providências, mandando seus
esbirros aprisionarem os dois humildes galileus que provocavam tal
reboliço.
Temiam que o fermento do bem levedasse a massa informe e ameaçasse a sua dominação inescrupulosa.
A alternativa para a sua mesquinhez era o poder da força.
E mandaram ao cárcere os inimigos em potencial conforme via sua óptica distorcida.
Sempre se repete a cena da covardia: intimidar a verdade, ameaçando ou
vencendo aqueles que a apresentam. Porque não a podem vencer, buscam
silenciá-la, inutilizando os seus porta-vozes.
Já era tarde quando os prisioneiros foram trazidos ao Tribunal, e por
isso mesmo, foram arrojados ao cárcere até o dia seguinte, quando os
submeteram a interrogatório diante do recuperado paciente, que
prosseguia saudável.
Novamente mediunizado, Pedro enfrentou os algozes e não se deixou
atemorizar ou confundir ante os hábeis sofistas enganadores do povo.
Haviam sido presos, porque fizeram o bem em nome de Jesus Cristo.
- Ele - afirmou o Apóstolo - é a pedra, desprezada por vós... Não há
salvação em nenhum outro (*)... porque dentre os homens Ele é o maior.
Havia altivez no porte e exatidão no verbo.
Assombraram-se os pusilânimes e tomaram a atitude que lhes era habitual: conciliar-ameaçando, libertar-intimidando.
Assim, num conluio infame resolveram proibi-los de referir-se a Jesus, o Cristo.
Não detectaram nos discípulos do Rabi qualquer crime ou erro passível de
punição, mas também por medo do povo, que glorificava a Deus, do que
por outra razão.
Responderam-lhes, então, os interrogados:
- Se é justo diante de Deus ouvir-vos antes do que a Deus, julgai-o;
pois nós não podemos deixar de falar das coisas que vimos e ouvimos.
O silêncio era-lhes impossível.
Podiam perder o corpo; mas com a verdade ganhavam a vida.
Não se pode deixar de mencionar a verdade que decorre do encontro com os seus conteúdos.
As perseguições chegariam, mas a verdade permaneceria também, sem jamais ser abafada...
Autor: Amélia Rodrigues
Psicografia de Divaldo Franco
Jornal Mundo Espírita de Agosto de 1997
(*) Atos - 4: 1 a 22. (Nota da Autora espiritual.)
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