CIZÂNIAS E DISSIDÊNCIAS
“Vim separar de seu pai o filho, de sua mãe a filha, de sua sogra a nora; e o homem terá por inimigos os de sua própria casa”. - Jesus. (Mt.; 10:35.36.)
Como toda escola
de pensamento, o Espiritismo tem seus adeptos e contraditores, isto é,
criaturas que o acoroçoam e outras que tem por inimigas...
Adversários e
adeptos se dividem em várias modalidades, conforme podemos compreender
pelas explicações oferecidas por Allan Kardec na Codificação Espírita.
Incompreensões existem não somente por parte dos inimigos do
Espiritismo, mas também por parte dos adeptos, haja vista as tricas que
nada deixam a dever às maquinações farisaicas do tempo de Jesus, e que
pululam no movimento espírita, corporificadas pela saraivada de anátemas
mútuos lançados indiscriminadamente em todas as direções...
Jesus foi e ainda é
o Grande Incompreendido pelos que se consideram cristãos, vez que não
obstante, sendo Sua a Lei de amor, na verdade, paradoxalmente, a cizânia
é que é praticada em larga escala.
As incompreensões,
as rixas partidárias, as ciumeiras, as invejas, fazem parte do acervo
da limitada individualidade humana, e é por isso que todas as criaturas
que viveram à frente de seu tempo, como “pontas de lanças”, sofreram as
conseqüências danosas por suas idéias revolucionárias e pagaram alto
preço pelo atrevimento de tentar acordar a Humanidade do ancilosante
marasmo em que se locupleta.
Evidentemente o
Espiritismo não se encontra infenso a essa particularidade
antropológica, aliás, prevista por Jesus no versículo em epígrafe.
No livro
“Libertação”, através da mediunidade de Francisco C. Xavier, André Luiz
narra a lenda egípcia do peixinho vermelho, que por ter dito uma visão
mais abrangente da realidade em que vivia junto com os seus
companheiros, foi expulso do tanque, da mesma forma que foi expulso do
templo aquele cego de nascença que Jesus curou, porque ostentava uma
realidade insofismável que os fariseus, do alto pedestal do orgulho em
que se colocavam, não puderam contemplar e muito menos admitir.
Sócrates, que
viveu milênios à frente de seu tempo foi obrigado a beber cicuta; e
assim sempre aconteceu com os Espíritos de vanguarda que aqui aportaram
para fazer com que a Humanidade avançasse na senda do progresso.
Allan Kardec tem
sido o grande incompreendido tanto pelos não espíritas quanto pelos
espíritas propriamente ditos. E, em conseqüência, o Espiritismo também
não tem tido melhor sorte...
Herculano Pires,
atento a essas questões, oferece-nos uma explicação lógica e clara para a
existência das cizânias e dissidências. Segundo esse grande escritor
espírita este estado de coisas se deve ao fato de que o Espiritismo é
uma doutrina do futuro, e como tal, não foi ainda devidamente assimilada
pelas criaturas; daí as incompreensões que campeiam por todos os lados e
até mesmo a explicação do absurdo dos absurdos que é a incompreensível e
antecipadamente malograda tentativa de “atualização de Kardec”
perpetrada por alguns “entendidos” (!?) Segundo Herculano Pires[1], “(...) Mais de um
século após o advento da Codificação do Espiritismo, reina ainda grande
incompreensão a respeito da Doutrina Espírita, de sua própria natureza e
de sua finalidade. A Codificação, entretanto, foi elaborada em
linguagem clara, precisa, acessível a todos. À lucidez natural do
espírito francês, Kardec juntava a sua vocação e a sua experiência
pedagógicas, além da compreensão invulgar de tratar com matéria
sumamente complexa.
Vemo-lo afirmar, a
cada passo, que desejava escrever de maneira a não deixar margem a
interpretações, ou seja, para divergências interpretativas.
Qual o motivo,
então, por que os próprios adeptos do Espiritismo, ainda hoje, divergem,
no tocante a questões doutrinárias de importância? E qual o motivo por
que os não-espíritas continuam a tratar o Espiritismo com a maior
incompreensão? Note-se que não nos referimos aos adversários, pois estes
têm a sua razão, mas aos “não-espíritas”. Parece-nos que a explicação,
para os dois casos, é a mesma. O Espiritismo é uma doutrina do futuro. À
maneira do Cristianismo, abre caminho no mundo, enfrentando a
incompreensão de adeptos e não-adeptos.
Em primeiro lugar,
há o problema da posição da doutrina: Uns a encaram como sistematização
de velhas superstições; outros, como tentativa frustrada de elaboração
científica; outros, como ciência infusa, não organizada; outros ainda,
como esboço impreciso de filosofia religiosa; outros, como mais uma
seita, entre as muitas seitas religiosas do mundo. Para a maioria dos
adeptos e não-adeptos, o Espiritismo se apresenta como simples “crença”,
espécie de religião e superstição, ao mesmo tempo, eivada de resíduos
mágicos.
Ao contrário de
tudo isso, porém, o Espiritismo, segundo a definição de Kardec e dos
seus principais continuadores, constitui a última fase do processo do
conhecimento. Última não no sentido de fase final, mas da que o homem
pôde atingir até agora, na sua lenta evolução através do tempo. É
evidente que se trata do conhecimento em sentido geral, não limitado a
um determinado aspecto, não especializado... Nesse sentido geral, o
Espiritismo aparece como uma síntese dos esforços humanos para
compreensão do mundo e da Vida. Justifica-se, assim, que haja
dificuldade para a sua compreensão, apesar da clareza da estrutura
doutrinária da Codificação. De um lado, o povo não pode abarcá-lo na sua
totalidade, contentando-se com o seu aspecto religioso; de outro, os
especialistas não admitem a sua natureza sintética; e de outro, ainda os
preconceitos culturais levantam numerosas objeções aos seus
princípios”.
Como então
identificar os Verdadeiros Espíritas? Em qual setor encontra-se o
verdadeiro sentido do Espiritismo? Quem, afinal está com a razão e
caminhando na direção certa? Para responder a estas indagações, só mesmo
recorrendo à Codificação Espírita[2], onde o Espírito de Verdade
desenhou o perfil e a performance do Espírita Cristão, isto é, dos
Verdadeiros OBREIROS DO SENHOR.
Ditosos os que
hajam dito a seus irmãos: “Trabalhemos juntos e unamos os nossos
esforços, a fim de que o Senhor, ao chegar, encontre acabada a obra”,
porquanto o Senhor lhes dirá: “Vinde a mim, vós que sois bons
servidores, vós que soubestes impor silêncio aos vossos ciúmes e às
vossas discórdias, a fim de que daí não viesse dano para a obra!” Mas,
ai daqueles que, por efeito das suas dissensões, houverem retardado a
hora da colheita, pois a tempestade virá e eles serão levados no
turbilhão! Clamarão: “Graça! graça!” O Senhor, porém, lhes dirá: “Como
implorais graças, vós que não tivestes piedade dos vossos irmãos e que
vos negastes a estender-lhes as mãos, que esmagastes o fraco, em vez de o
amparardes? Como suplicais graças, vós que buscastes a vossa recompensa
nos gozos da Terra e na satisfação do vosso orgulho? Já recebestes a
vossa recompensa, tal qual a quisestes. Nada mais vos cabe pedir; as
recompensas celestes são para os que não tenham buscado as recompensas
da Terra.”
Deus procede,
neste momento, ao censo dos seus servidores fiéis e já marcou com o dedo
aqueles cujo devotamento é apenas aparente, a fim de que não usurpem o
salário dos servidores animosos, pois aos que não recuarem diante de
suas tarefas é que ele vai confiar os postos mais difíceis na grande
obra da regeneração pelo Espiritismo. Cumprir-se-ão estas palavras: “Os
primeiros serão os últimos e os últimos serão os primeiros no reino dos
céus.” Segundo Fénelon[3], (...) As criaturas
que se acham imbuídas dos verdadeiros princípios do Espiritismo vêem
unicamente irmãos em todos os espíritas, e não rivais. Os que se
mostrassem ciosos de outros grupos provariam existir-lhes no íntimo uma
segunda intenção, ou o sentimento do amor próprio, e que não os guia o
amor da verdade. Afirmo que, se essas pessoas se achassem entre vós,
logo semeariam no vosso grupo a discórdia e a desunião. O verdadeiro
Espiritismo tem por divisa benevolência e caridade. Não admite qualquer
rivalidade, a não ser a do bem que todos podem fazer. Todos os grupos
que inscreverem essa divisa em suas bandeiras estenderão uns aos outros
as mãos, como bons vizinhos, que não são menos amigos pelo fato de não
habitarem a mesma casa.
Os que pretendam
que os seus guias são Espíritos melhores que os dos outros deverão
prová-lo, mostrando melhores sentimentos. Haja, pois, luta entre eles,
mas luta de grandeza d`alma, de abnegação, de bondade e de humildade. O
que atirar pedra a outro provará, por esse simples fato, que se acha
influenciado por maus Espíritos. A natureza dos sentimentos recíprocos
que dois homens manifestem é a pedra de toque para se conhecer a
natureza dos Espíritos que os assistem”.
Em uníssono com Fénelon, S. Vicente de Paulo acrescenta[4]: O Espiritismo
deve ser uma égide contra o espírito de discórdia e de dissensão; mas,
esse espírito, desde todos os tempos, vem brandindo o seu facho sobre os
humanos, porque cioso ele é da ventura que a paz e a união
proporcionam.
Espíritas! Bem
pode ele, portanto, penetrar nas vossas assembléias e, não duvideis,
procurará semear entre vós a desafeição. Impotente, porém, será contra
os que tenham a animá-los o sentimento da verdadeira caridade. Estai,
pois, em guarda e vigiai incessantemente à porta do vosso coração, como à
das vossas reuniões, para que o inimigo não a penetre. Se forem vãos os
vossos esforços contra o de fora, sempre de vós dependerá impedir-lhe o
acesso em vossa alma. Se dissensões entre vós se produzirem, só por
maus Espíritos poderão ser suscitadas.
Mostrem-se, por
conseguinte, mais pacientes, mais dignos e mais conciliadores aqueles
que no mais alto grau se achem penetrados dos sentimentos dos deveres
que lhes impõe a urbanidade, tanto quanto o vero Espiritismo. Pode
dar-se que, às vezes, os bons Espíritos permitam essas lutas, para
facultarem, assim aos bons, como aos maus sentimentos, ensejo de se
revelarem, a fim de separar-se o trigo do joio.
Eles, porém, estarão sempre do lado onde houver mais humildade e verdadeira caridade”.
Em inspirada peroração completa Dufêtre[5]:"Espiritismo!
Doutrina consoladora e bendita! felizes dos que te conhecem e tiram
proveito dos salutares ensinamentos dos Espíritos do Senhor! Para esses,
iluminado está o caminho, ao longo do qual podem ler estas palavras que
lhes indicam o meio de chegarem ao termo da jornada: caridade prática,
caridade do coração, caridade para com o próximo, como para si mesmo;
numa palavra: caridade para com todos e amor a Deus acima de todas as
coisas, porque o amor a Deus resume todos os deveres e porque impossível
é amar realmente a Deus, sem praticar a caridade, da qual fez ele uma lei para todas as criaturas”.
[1] - Herculano Pires “O Espírito e o Tempo”- Edicel – 3ª edição.
[2] - Kardec, A. “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – Capítulo XX, item 5
[3] - Kardec, A. “O Livro dos Médiuns” – 2ª parte - Capítulo XXXI, tomo XXII, § 2º e 3º.
[4] - Kardec, A. “O Livro dos Médiuns” – 2ª parte - Capítulo XXXI, tomo XXVI,
[5] - Kardec, A. “O Evangelho Segundo o Espiritismo” – Capítulo X, item 18, § 2º.
Rogério Coelho