AS LIÇÕES ESQUECIDAS
“Em vão os homens têm lido as Sagradas Escrituras buscando vaticínios, revelações ou a solução de mistérios da fé como alguém que, olhando para o céu, procura pela luz, mas é incapaz de reconhecer a claridade do Sol.
Em inumeráveis passagens evangélicas encontram-se dispostas as orientações do Cristo acerca da estrada reta, do caminho da iluminação, das condições para a conquista da chamada Salvação.
Os capítulos e versículos das Escrituras nos oferecem verdadeiro manancial de passagens bíblicas nas quais a palavra lúcida do Divino Mestre assegura o roteiro da salvação a qualquer um que tiver olhos de ver e ouvidos de ouvir.
No entanto, ainda assim, boa parte da Humanidade cristã tem-se debruçado sobre estas frases sem lhes identificar a luz meridiana a fluir de cada sílaba, procurando decorar-lhes o fraseado sem entender-lhes a essência. Por tal estrabismo, ingênuo em algumas circunstâncias, mas deliberado na maioria dos casos, poucos têm-se valido de exortações tão lúcidas j quanto de alertas tão oportunos. Então, interesses de ordem material interferem nas pregações, nas interpretações, nos entremeios morais para desnaturar a autenticidade da mensagem cristã, sempre visando a conquista do reino do mundo em detrimento do acesso ao Reino de Deus.
A passagem evangélica desta noite não deixaria margem a nenhum equívoco, não fosse a malícia dos homens a reduzir o conceito mais nobre à sua expressão pecuniária mais sórdida. Observemos o extremo cuidado e zelo do Celeste Amigo ao informar como fazer para que, no momento da separação das almas, a seleção se fizesse por critérios muito claros.
Tive fome e me deste de comer – compartilhar o alimento que se possua.
Tive sede e me deste de beber – dividir o cantil com a necessidade de outrem.
Tive necessidade de alojamento e me alojaste – acolher o desamparado no momento do desamparo, abrindo o campo do egoísmo e o oásis do lar para um sofredor em uma condição de carência transitória.
Estive nu e me vestiste – compartilhar a roupa que se possua com alguém que se viu desprotegido na própria carne em um momento de desdita qualquer.
Estive doente e me visitaste – atenção com o sofrimento alheio na hora difícil da dor e do isolamento.
Estive na prisão e vieste me ver – compaixão diante de quem cometeu um delito, ao invés de julgamento e aversão pela criatura faltosa.
Se observarem com clareza, todas estas atitudes não envolvem o dinheiro.
Não encontramos Jesus dizendo:
Tive fome e compraste um lanche para mim, tive sede e me pagaste um refresco; tive necessidade de alojamento e me alugaste um hotel; estive nu e me compraste uma roupa; estive doente e me pagaste o remédio; estive preso e contrataste um defensor para me tirar da cadeia.
O dinheiro parece não fazer nenhuma diferença na exortação da caridade a que o Cristo se refere. Ao contrário, tudo está ligado a uma postura de doação do Espírito diante da dificuldade de seus semelhantes, combatendo o vilão que se chama Egoísmo. O egoísta faz de tudo para resumir a caridade a alguns trocados, porque lhe é mais fácil abrir o bolso do que ceder de seu tempo, de sua atenção, de seu conforto, de seu luxo, de sua abundância, de seu refugio. É mais simples ao ególatra tomar uma ínfima parte de seu patrimônio para se desculpar dizendo que já fez a sua parte.
Então, dizemos para nós mesmos que praticamos a caridade e que, por causa disso, merecemos as bênçãos do Céu. No entanto, nada mais fizemos que dar coisas para não darmos de nós.
O esforço de Jesus nesse sentido é incisivo.
Trata de nos ensinar que a salvação depende de nos ofertarmos em tudo o que fizermos pelos outros. Mais proveito obtém para si mesmo aquele que já aprendeu a dividir o prato de comida que tem diante de si com um faminto que o busca pessoalmente do que aquele que, com seus milhões, financia um grande programa de abastecimento através da doação de cestas de alimento a pessoas que ele nunca viu nem haverá de ver.
Há pessoas cuja caridade consiste no árduo esforço de assinar uma folha de cheque.
Aí está a desnaturação do ensinamento cristão. Do alto das pregações religiosas, os representantes do culto viram a oportunidade de enganar os fiéis com a ideia de que a caridade era dar – dar para a igreja, para o templo, para o centro espírita, para os pobres. Tal pregação lhes garantiu o enriquecimento material e a conquista de poderes mundanos sem, no entanto, tornar melhores os fiéis que, ao se desfazerem de certa parte de seu patrimônio o fazem como alguém que está depositando em um fundo de investimento ao invés de se o fazerem pela bondade espontânea de seus corações. Geralmente, é a cobiça que tem motivado a maioria das atitudes caridosas, fundamentadas no sonho de um lugar melhor à custa das moedas espalhadas na Terra. Estaria, então, o Reino de Deus dependente dos cofres humanos? Teria sido essa a recomendação do Cristo? Os eleitos seriam os esbanjadores de dinheiro e não os demais? Claro que não. Essa foi a deturpação que os homens fizeram ao exortar seus irmãos a uma caridade de dar coisas, bens, comida, roupa, alojamento, como se a caridade ou o dar se esgotasse nele mesmo.
Nada disso está registrado no ensinamento evangélico.
A Caridade não é um objetivo que se esgota na assinatura de um papel valioso, na entrega de pratos repletos de alimento, na compra e distribuição de cobertores, dispensando os que fazem isso da obrigação de serem bons. Então, meus filhos, estejamos atentos ao entendimento da essência porque, em verdade, a Salvação existe, mas para aqueles que, entendendo a caridade como um meio, aceitam ser esculpidos por ela, dando coisas, comprando alimentos, roupas, remédios – se lhes é possível fazer isso com os recursos que possuam – mas, acima disso, tornando-se caridosos pela prática pessoal e direta do DAR-SE NAS COISAS.
Aquele que se limita a dar coisas, é o investidor que, ao tilintar das moedas, espera a aprovação de sua entrada no Paraíso.
Aquele que se dá, é o que, mesmo sem esperar o Paraíso, é convocado para nele penetrar pela força das preces que os infelizes elevam a Deus a seu benefício. Isso porque deu-se no pedaço de pão, no copo d’água, na roupa, no teto, na saúde, no tempo, compartilhando o próprio ser, solidário e fraterno, com aquele a quem faltava. Os que fizerem isso, esses encontrarão o Juízo Favorável na hora da separação das ovelhas e dos bodes.
Que Jesus nos perdoe a ignorância e a pouca vontade em seguirmos suas lições, mas que nos ajude a abrirmos os olhos para a compreensão de tais Verdades.”
Livro Herdeiros do Novo Mundo, cap. 37, Espírito Lúcius – psicografia de André Luiz Ruiz.
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