O espiritismo demonstra a importância de nos libertarmos de fantasias. Uma delas é a dos rótulos. O espírita sincero - que está longe de ser perfeito - é apenas aquele que estuda e vivencia a doutrina e, assim, se esforça por dominar as suas más inclinações. A ser conhecido como tal, que o seja pela validade das suas atitudes.
Tenho um amigo que não é espírita. Nem conhece o espiritismo. Que eu saiba, não é nem religioso. Chama-se Augusto e é jornalista. A sua conduta invariavelmente fala mais alto. Em matéria de idade, podia ser meu pai. Ele vive com a pureza de um menino, pensa com a lucidez de um homem e aplica o seu discernimento com notável sentido humanista.
Um destes dias deslocávamo-nos a pé na baixa do Porto. Impessoal aquele vaivém de gente, na hora de almoço. Uns passos adiante, via-se um mendigo. Sentava-se no passeio. Afagava um dos dois cães que o ladeavam, encostados, aproveitando o sol escasso daquele dia ainda frio.
Quem me acompanhava - pessoa que não é espírita - abrandou o passo. Quis fazer-me saber, indicando o pedinte: «Aquele homem ali é meu amigo!». Percebeu a minha perplexidade e insistiu: «Não estou no gozo! Um homem que se põe a pedir na rua acompanhado de dois cães tem de ser meu amigo, pá!».
E riu, percebendo talvez a minha reação à sua assertiva.
Chegámos a dois passos do mendigo. Era ainda jovem, já com algumas rugas prematuras. O meu amigo - que não é espírita - saudou-o. Percebi que não o fazia pela primeira vez. Logo vi que o indigente estava familiarizado. Mas o Augusto não se limitou a ser amistoso nas palavras: estendeu-lhe a mão e cumprimentou-o.
Não me lembro se lhe deu algumas moedas. Acho que não tinha. Mas venceu o abismo da indiferença tão espontaneamente, lançou de tal modo a ponte da fraternidade autêntica, que jamais me esquecerei do seu exemplo.
Num outro dia, fixei-lhe estas ideias numa conversa sobre outros assuntos: «Nós não nos distanciamos assim tanto da situação dessas pessoas. O espaço que nos separa de uma circunstância igual é muito escassa. São gente a quem, às vezes, muitos sentem até nojo de lhes tocar, pela sujidade e outras coisas». Noutro dia, opinava: «Muitas pessoas, em situações extremas, fazem coisas que nunca lhes passaram pela cabeça. Eu fico extremamente grato a alguém que, em vez de me apontar uma faca, me estenda a mão a pedir algumas moedas!...».
Aprimoramento sem rótulo
É freqüente vermos pessoas alheias ao espiritismo com atitudes quotidianas de inspiração superior. E vice-versa. Não são exibicionistas, nem procuram recompensas ante ou post-mortem. Aquilo sai-lhes espontaneamente. Essas individualidades admiráveis existem em número reduzido nos diversos grupos religiosos, políticos, profissionais, étnicos e por aí fora.
Não há motivo para espanto. Os espíritos esclarecidos ensinam que o ser humano se encontra sujeito à lei da imortalidade, das vidas sucessivas, de causa e efeito, quer conheça essas leis ou não. Elas agem sobre ele, modelando-lhe a maneira de ser, num processo educativo extraordinário como é aquele a que todos estamos submetidos. Nesse esquema de aperfeiçoamento, agiganta-se o volume da sabedoria e cresce a capacidade de amar.
Ser-se espírita não é entrar em regime de exceção ou de privilégio perante os outros. É apenas ter uma visão de maior responsabilidade sobre o mundo e a nossa ação nele.
Pessoas desinformadas costumam criticar o espiritismo, encarando-o como uma doutrina que aliena o homem deste mundo. Nada mais errado. Terá havido espíritas que se poderão ter enquadrado por ignorância doutrinária nesse quadro. Mas basta verificar que, com as ideias da reencarnação, com o horizonte da responsabilidade e da vinculação às consequências dos nossos atos, nós somos herdeiros da Terra, já que a ela provavelmente retornaremos. Veja o leitor o quanto isto é marcante no capítulo da ecologia!...
Ser espírita não é ser mais alto
Assim, ser espírita não é «ser mais alto», como no poema de Florbela. Verifica-se com facilidade...
Como em quaisquer outros grupos, no movimento espírita encontra-se de tudo: espíritos atrasados e outros mais equilibrados; e, note-se, sejam (do subgrupo dos) dirigentes associativos ou não. Pessoas há que sentindo-se tocadas pelo ideal singular que é o espiritismo, aproximando-se, se ressentem do contraste permitido pelos equívocos humanos. Tudo isto recrudesce onde se alimentam ilusões tácitas ou não de infalibilidade vindas de encarnados ou de desencarnados. E, se esses neófitos não conseguem discernir se o seu interesse se vincula ao espiritismo ou a espíritas, às vezes afastam-se, recusando possibilidades enriquecedoras do seu património evolutivo.
Ser espírita não é ser mais alto. É tão-só dispor de uma escada para escalar no imo de si próprio, trabalhar aprendendo a servir. É apenas estar mais bem informado sobre as dimensões grandiosas da existência humana, no levantar do véu da materialidade, deixando visualizar o Além com antecedência, o panorama de um passado rico e um tanto complicado, sobretudo determinante do agora, agora este que estrutura o depois, nesta ou noutras vidas. Das consequências práticas de comportamento interior que daí resultam - um campo inesgotável de estudo.
Há que aceitar os outros e as suas opções. Estas são sempre temporárias e fazem parte das experiências por que precisam passar. Tal como acontece conosco. Aceitemos as nossas diferenças sem exigências cegas e às vezes cruéis remetidas a outrem. E, se ainda ocorre confortamo-nos com rótulos que nem sequer neste plano vibratório nos adiantam, passemos a instalar em nós próprios uma disposição constante de sermos mais lúcidos e fraternos, pois de Deus sempre tudo veio a favorecer-nos, a impelir-nos a um melhoramento progressivo como pessoas num grupo muito maior do que imaginamos: a humanidade (sem rótulo).
Tenho um amigo que não é espírita. Nem conhece o espiritismo. Que eu saiba, não é nem religioso. Chama-se Augusto e é jornalista. A sua conduta invariavelmente fala mais alto. Em matéria de idade, podia ser meu pai. Ele vive com a pureza de um menino, pensa com a lucidez de um homem e aplica o seu discernimento com notável sentido humanista.
Um destes dias deslocávamo-nos a pé na baixa do Porto. Impessoal aquele vaivém de gente, na hora de almoço. Uns passos adiante, via-se um mendigo. Sentava-se no passeio. Afagava um dos dois cães que o ladeavam, encostados, aproveitando o sol escasso daquele dia ainda frio.
Quem me acompanhava - pessoa que não é espírita - abrandou o passo. Quis fazer-me saber, indicando o pedinte: «Aquele homem ali é meu amigo!». Percebeu a minha perplexidade e insistiu: «Não estou no gozo! Um homem que se põe a pedir na rua acompanhado de dois cães tem de ser meu amigo, pá!».
E riu, percebendo talvez a minha reação à sua assertiva.
Chegámos a dois passos do mendigo. Era ainda jovem, já com algumas rugas prematuras. O meu amigo - que não é espírita - saudou-o. Percebi que não o fazia pela primeira vez. Logo vi que o indigente estava familiarizado. Mas o Augusto não se limitou a ser amistoso nas palavras: estendeu-lhe a mão e cumprimentou-o.
Não me lembro se lhe deu algumas moedas. Acho que não tinha. Mas venceu o abismo da indiferença tão espontaneamente, lançou de tal modo a ponte da fraternidade autêntica, que jamais me esquecerei do seu exemplo.
Num outro dia, fixei-lhe estas ideias numa conversa sobre outros assuntos: «Nós não nos distanciamos assim tanto da situação dessas pessoas. O espaço que nos separa de uma circunstância igual é muito escassa. São gente a quem, às vezes, muitos sentem até nojo de lhes tocar, pela sujidade e outras coisas». Noutro dia, opinava: «Muitas pessoas, em situações extremas, fazem coisas que nunca lhes passaram pela cabeça. Eu fico extremamente grato a alguém que, em vez de me apontar uma faca, me estenda a mão a pedir algumas moedas!...».
Aprimoramento sem rótulo
É freqüente vermos pessoas alheias ao espiritismo com atitudes quotidianas de inspiração superior. E vice-versa. Não são exibicionistas, nem procuram recompensas ante ou post-mortem. Aquilo sai-lhes espontaneamente. Essas individualidades admiráveis existem em número reduzido nos diversos grupos religiosos, políticos, profissionais, étnicos e por aí fora.
Não há motivo para espanto. Os espíritos esclarecidos ensinam que o ser humano se encontra sujeito à lei da imortalidade, das vidas sucessivas, de causa e efeito, quer conheça essas leis ou não. Elas agem sobre ele, modelando-lhe a maneira de ser, num processo educativo extraordinário como é aquele a que todos estamos submetidos. Nesse esquema de aperfeiçoamento, agiganta-se o volume da sabedoria e cresce a capacidade de amar.
Ser-se espírita não é entrar em regime de exceção ou de privilégio perante os outros. É apenas ter uma visão de maior responsabilidade sobre o mundo e a nossa ação nele.
Pessoas desinformadas costumam criticar o espiritismo, encarando-o como uma doutrina que aliena o homem deste mundo. Nada mais errado. Terá havido espíritas que se poderão ter enquadrado por ignorância doutrinária nesse quadro. Mas basta verificar que, com as ideias da reencarnação, com o horizonte da responsabilidade e da vinculação às consequências dos nossos atos, nós somos herdeiros da Terra, já que a ela provavelmente retornaremos. Veja o leitor o quanto isto é marcante no capítulo da ecologia!...
Ser espírita não é ser mais alto
Assim, ser espírita não é «ser mais alto», como no poema de Florbela. Verifica-se com facilidade...
Como em quaisquer outros grupos, no movimento espírita encontra-se de tudo: espíritos atrasados e outros mais equilibrados; e, note-se, sejam (do subgrupo dos) dirigentes associativos ou não. Pessoas há que sentindo-se tocadas pelo ideal singular que é o espiritismo, aproximando-se, se ressentem do contraste permitido pelos equívocos humanos. Tudo isto recrudesce onde se alimentam ilusões tácitas ou não de infalibilidade vindas de encarnados ou de desencarnados. E, se esses neófitos não conseguem discernir se o seu interesse se vincula ao espiritismo ou a espíritas, às vezes afastam-se, recusando possibilidades enriquecedoras do seu património evolutivo.
Ser espírita não é ser mais alto. É tão-só dispor de uma escada para escalar no imo de si próprio, trabalhar aprendendo a servir. É apenas estar mais bem informado sobre as dimensões grandiosas da existência humana, no levantar do véu da materialidade, deixando visualizar o Além com antecedência, o panorama de um passado rico e um tanto complicado, sobretudo determinante do agora, agora este que estrutura o depois, nesta ou noutras vidas. Das consequências práticas de comportamento interior que daí resultam - um campo inesgotável de estudo.
Há que aceitar os outros e as suas opções. Estas são sempre temporárias e fazem parte das experiências por que precisam passar. Tal como acontece conosco. Aceitemos as nossas diferenças sem exigências cegas e às vezes cruéis remetidas a outrem. E, se ainda ocorre confortamo-nos com rótulos que nem sequer neste plano vibratório nos adiantam, passemos a instalar em nós próprios uma disposição constante de sermos mais lúcidos e fraternos, pois de Deus sempre tudo veio a favorecer-nos, a impelir-nos a um melhoramento progressivo como pessoas num grupo muito maior do que imaginamos: a humanidade (sem rótulo).
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