A REVOGAÇÃO DO CASAMENTO SOB O PONTO DE VISTA ESPÍRITA
Um católico acusou a esposa de
pedofilia e entrou com uma ação de declaração de nulidade do matrimônio
nos tribunais eclesiásticos. Os conselhos religiosos reconheceram o
pedido de anulação e o veredito teve consonância com as exigências do
Direito brasileiro, inclusive produzindo efeitos civis. “Para isso, o
Superior Tribunal de Justiça (STJ) homologou a sentença do Tribunal de
Assinatura Apostólica, do Vaticano, sobre a declaração de nulidade do
casamento do casal brasileiro, com base no Acordo Brasil-Santa Sé. A
decisão do STJ tem validade tanto para o casamento realizado no cartório
e em igreja quanto o casamento religioso celebrado no templo com efeito
civil” (1).
O casamento celebrado em conformidade
com a lei canônica, ao ser considerado nulo pela Igreja, os esposos
passam a ser solteiros, e não divorciados, como seria se tivessem
conseguido a anulação pela lei civil. É no mínimo extravagante tal
situação, pois a doutrina da igreja romana não consagra o divórcio,
porém juízes eclesiásticos podem decidir sobre anulação de consórcio
matrimonial. É uma maneira de esconder o sol com a peneira.
O desfecho do caso acima é um
espetáculo bizarro, pois a igreja romana, que não acata o divórcio, mas
revoga casamento, que para ela deve ser “indissolúvel”, e culmina por
reconhecer a nulidade de certas uniões matrimoniais problemáticas. É
por essa e outras razões que o Espiritismo afirma que “a
indissolubilidade absoluta do casamento é uma lei humana muito contrária
à da Natureza” (2).
Nem mesmo Jesus consagrou a
indissolubilidade absoluta do casamento. A indissolubilidade matrimonial
é uma imposição teológica que não se justifica, até porque existem
muitas aprovações de nulidade de casamento pela Cúria romana. Para
alguns “experts” o atrativo nesses casos é o retorno ao estado de
solteiro, só possível pelo processo canônico, para os praticantes da
religião católica. Pode ser que isso interesse a muitos católicos, ou
seja, “voltar ao status de solteiro, embora tenham passado os tempos tão
preconceituosos em que ser divorciado ou divorciada era uma nódoa
pesadíssima imposta pela sociedade” (3).
A aceitação pelo Superior Tribunal de
Justiça sobre a decisão da Santa Sé causou desconforto entre
especialistas de Direito Civil. “O debate é se o STJ feriu o princípio
do Estado laico e se a anulação é producente mesmo depois da instituição
do divórcio direto (4)”. No Direito civil, em um divórcio, as partes
podem requerer pensão e partilha de bens. Na anulação eclesiástica, se
um dos cônjuges for considerado culpado não pode reivindicar os
direitos, exceto se houve aquisição de patrimônio enquanto casados.
As leis terrestres (civis e
eclesiásticas) não podem ser estanques porque elas se modificam segundo
os tempos, os lugares e o avanço da inteligência. O casamento é um rito
humano, e não há dois países onde o evento seja categoricamente
semelhante. O que é legal num país (a poligamia, por exemplo), é
adultério noutro país. “A lei humana tem por finalidade regular os
interesses sociais, que variam segundo as culturas. Em certos países, o
casamento religioso é o único legítimo; noutros é necessário, além
desse, o casamento civil; noutros, finalmente, este último casamento
basta” (5).
A certidão de casamento não supera a
lei do amor, contudo o casamento não é contrário à lei da Natureza,
muito pelo contrário, pois “é um progresso na marcha da Humanidade” (6).
A abolição do casamento sim “seria uma regressão à vida dos animais”
(7).
Para Allan Kardec o estágio primário do homem é o da união livre e
ocasional dos sexos. “O contrato matrimonial estabelece um dos
elementares atos de avanço nas sociedades humanas, porque institui o
vínculo jurídico e fraterno e se ressalta entre todos os povos,
inobstante em condições não uniformes” (8).
A proscrição do matrimônio consistiria
em regredir à infância da Humanidade e poria o homem abaixo mesmo dos
seres irracionais. O divórcio não contraria as Leis de Deus e objetiva
“separar legalmente o que já, de fato, está separado, portanto não é
contrário à lei de Deus, e só é aplicável nos casos em que não se levou
em conta o amor.” (9).
Emmanuel aclara o assunto afirmando que
a expectativa de um casamento indissolúvel aumenta o número de uniões
irregulares. É verdade! O que é mais racional se aprisionar um ao outro
os esposos que não podem viver juntos ou restituir-lhes a liberdade?
Obviamente, “partindo do princípio de que não existem uniões conjugais
ao acaso, o divórcio, não deve ser facilitado”(10). É nos casamentos
que ocorrem burilamentos e reconciliações para a sublimação espiritual.
Não nos é justo estimular o divórcio de
ninguém, mas reconhecemos que no limite da resistência pessoal, “é
compreensível que o esposo ou a esposa, relegado a sofrimento indébito
(ameaça de morte, desprezo, infidelidade), se valha do divórcio por
medida extrema contra o suicídio, o homicídio ou calamidades outras que
lhes complicariam ainda mais o destino” (11).
Cabe a cada um de nós reconfortar e
fortificar os esposos em demanda, nos matrimônios provacionais, a fim
de que vençam as próprias aflições, encarando as duras fases de
regeneração ou expiação que pediram antes da reencarnação, em auxílio a
si mesmos. Conquanto o divórcio, baseado em razões justas, seja
providência humana claramente compreensível, não nos compete instigar a
separação, até porque “em briga de marido e mulher se mete a colher”,
respeitemos e saibamos que são eles mesmos, os casais que desejam a
separação entre si é que devem decidir, cabendo-nos exclusivamente a
obrigação de respeitar-lhes o livre arbítrio sem ferir lhes a decisão.
Jorge Hessen
Referências bibliográficas:
(1) Disponível em http://estadao.br.msn.com/ultimas-noticias/stj-reconhece-senten%C3%A7a-do-vaticano
acesso em 04/07/13
(2) Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos, questão 697, RJ: Ed. FEB, 1972
(3) Disponível em http://estadao.br.msn.com/ultimas-noticias/stj-reconhece-senten%C3%A7a-do-vaticano acesso em 04/07/13
(4) Idem
(5) Kardec , Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo, Cap. XXII , RJ: Ed FEB, 2000
(6) Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos, questão 695, RJ: Ed. FEB, 1972
(7) idem questão 696, RJ: Ed. FEB, 1972
(8) Kardec , Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo, Cap. XXII , RJ: Ed FEB, 2000
(9) Idem
(10) Xavier, Francisco Cândido. Sexo e Vida, ditado pelo espírito Emmanuel, Cap 8 – Divórcio ,RJ: Ed. FEB, 1978
(11) Idem
Nenhum comentário:
Postar um comentário