DESEMPREGO - VIOLÊNCIA:
CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS, TERAPIAS E PROFILAXIAS
De Frededrico Mayor, ilustre diretor-geral da Unesco, em memorável página intitulada “Educar os que Construirão o seu Próprio Futuro”:
O mundo de amanhã dependerá da visão que dele terão nossos filhos. Qual será essa visão e como pode a educação contribuir para modelá-la? Implícita a essas interrogações há uma dupla problemática: uma está ligada à contribuição que a Educação deve dar à sociedade; outra, ao desenvolvimento e à reforma do próprio sistema educacional para que este possa corresponder às expectativas por ele suscitadas e às esperanças que a sociedade nele deposita.
Os desafios à Educação são universais, mas as medidas que ela terá de adotar para enfrentá-los terão de surgir do interior das culturas de cada região. A Educação deve refletir o melhor e o mais autêntico de nós próprios e de nossas sociedades (...) Em todas as partes e sob qualquer ponto de vista, a Educação é essencial para a Paz. A Paz que, como sabemos, é mais que mera ausência de conflito. É uma cultura baseada na tolerância e no respeito aos demais; é um espírito de solidariedade ativa entre os indivíduos que se fundamenta em uma esperança comum de justiça e de paz (...)
Devemos estar preparados para investir na Educação o que, no passado investiamos na guerra; devemos estar dispostos a pagar o preço da paz (...) Em um mundo onde o progresso depende cada vez mais dos produtos da inteligência, são cada vez mais numerosos os que reconhecem que a Educação é o vetor, a força do futuro.
Amartya Sem, Prêmio Nobel de Economia de 1998, nasceu em Shantinik, na Índia, em 1953; mantém a cidadania indiana e caracteriza-se por apresentar seu pensamento com clareza e rigor lógico, mesclando, com habilidade, a matemática e a história na construção de seus argumentos; trata de temas com alto teor de significado social como: pobreza, fome e desigualdade, conforme transcrevemos:
No seu livro A Desigualdade Reexaminada, de 1992, Sem transita da economia para a filosofia ao discutir a idéia de igualdade, argumentando que as teorias normativas sobre organização social propõem que haja igualdade sob algum aspecto (por exemplo, igualdade de oportunidades de renda ou no atendimento às necessidades das pessoas (...)
Os programas públicos de combate à fome, desnutrição e probreza são analisados no livro de Amartya Sem, em co-autoria com Jean Drèze, intitulado Fome e Ação Pública, de 1989 no qual “(...) o Brasil é mencionado de maneira algo caricatural como exemplo de uma economia que usou pessimamente os recursos gerados pelo crescimento econômico para reduzir a pobreza.”
Ramesh Singh, diretor da Action Aid, no Vietnã, destaca o importante papel da cultura no combate à pobreza: “(...) é a cultura local que mais frequentemente está na origem da pobreza (...) A cultura dominante é estruturada de tal forma que certos grupos ou indivíduos permanecem a serviço dos outros. Ela perpetua a pobreza desses grupos”.
O relatório “Vencer a Pobreza Humana”, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), afirma que a única verdadeira solução para o desenvolvilmento humano na superação da pobreza: é uma melhor organização, uma participação crescente de todos na tomada de decisões e no desenvolvimento das habilitações, no quadro de uma mobilização da dinâmica social.
Lembramos e isso é importante assinalar, que erradicação da pobreza: tanto a política (qualitativa), bem como a sócio-econômica (quantitativa), só acontecerá com a competente atuação do pobre, isto é, com a minha, a sua, com a nossa efetiva participação na construção da cidadania.
Outrossim, é importante assinalar que erradicar a pobreza no Brasil constitui-se também como um dos objetivos fundamentais de nosso País, segundo o artigo 3º da atual Constituição do Brasil.
Acreditamos que devemos e podemos, vencendo, inclusive, a Síndrome do Misticismo Alienante (SMA), incrementar políticas, especialmente públicas, que privilegiem o ser humano, o bem-comum, que promovam melhores condições de vida, pois, no dizer de Václav Havel, a única digna deste nome é a política a serviço do próximo, a serviço das gerações futuras, seu fundamento é ético.
Os espíritas e, bem como outros segmentos sociais, não têm se furtado, ao longo dos anos, a darem sua colaboração no encaminhamento à solução de tão magno problema, que ora trazemos à baila, não só ao nível teórico, em consonância com o Espiritismo, como ao nível prático também, em suas ações baseadas na Doutrina Espírita, evidentemente.
Hoje, pensamos, devido, entre outros, à ignorância generalizada das Leis da Natureza, principalmente no campo da Ética; a desestruturação da família (a célula-mater: pedra angular da sociedade) causando a desorganização social, a delinquência e tanta coisa ruim; a crise de paradigmas, que se alteram com as constantes mudanças; a falta de políticas públicas que privilegiem mais o Homem: fundamentalmente a educação e saúde públicas; a incompetência dos sistemas de ensino e das religiões; ao cinismo da “politicagem” e a hipocrisia da “vendilhagem” dos templos; a exarcebação do orgulho; a hipertrofia do egoísmo; a corrupção; o desequilíbrio advindo do progresso tecnológico, de um lado, e o uso, de outro, onde, egoisticamente, apenas uns poucos usufruem dos seus benefícios e outros são excluídos.
Tudo pode gerar, inclusive, a instabilidade social, o desemprego, os vícios, a prostituição, os quais, por sua vez, vão originar e aumentar uma série enorme de outros problemas: a desconfiança, insegurança, medo, violência, miséria, drogas etc.
Se é assim, amigos, continuemos nossas pesquisas bibliográficas sobre o tema em tela, que visto sob o enfoque do Espiritismo, poderá nos trazer novas luzes.
Deolindo Amorim, lúcido escritor espírita brasileiro, assim se pronuncia:
“(...) Não é da índole da Doutrina fazer profecias nem lhe compete muito menos apresentar um modelo ideal de regime político, porque não é este, na realidade, o seu campo de perquirição. Todavia, partindo de induções perfeitamente compreensíveis, porque nada têm de fantasiosas, a Doutrina preconiza uma aristocracia intelecto-moral, isto é, uma sociedade em que devam prevalecer ao mesmo tempo a competência e a honestidade. Não é uma forma de governo, não é um programa específico, mas um estágio de adiantamento pelo processo de seleção, escolhendo-se os mais capazes e mais idôneos, moralmente falando. O fator tempo há-de ter, aí, sua parte relevante”.
Amilcar Del Chiaro Filho, repeitável jornalista espírita, escreveu sobre o assunto: “(...) Acreditamos que o combate à pobreza e à ignorância é prioridade dos espíritas; Aliás, não só dos espíritas, mas de todas as pessoas que tenham fraternidade no coração. Pobreza e ignorância são geradoras dos maiores males da humanidade, portanto, no nosso modo de entender, a doutrina política que erradicar a pobreza e a ignorância proporcionando vida digna, mesmo que simples para todas as pessoas, terá nossa preferência. Para isso não é preciso empobrecer os ricos, basta despertar a solidariedade, a fraternidade em todos os corações (...) Finalizando, queremos deixar bem claro que, como espíritas, somos contra toda a forma de ditadura, opressão, de egoísmo, de privilégios e demagogia, e a favor de uma política de fraternidade, de igualdade de direitos e que tenha por base o combate incansável à ignorância e à pobreza. Por último, repetimos a resposta à pergunta 930 de O Livro dos Espíritos: “Em uma sociedade organizada segundo a lei do Cristo, ninguém deveria morrer de fome (...)”.
AÇÃO SOCIAL ESPÍRITA
Os textos abaixo fazem parte de um artigo de Maria Thereza C. de Oliveira, intitulado "Novas Idéias para a Ação Social Espírita".
Há de nos preocupar alguns dados sociais, exigindo de cada um de nós, enquanto sociedade, um posicionamento mais rigoroso, no sentido do envolvimento. Gilberto Dimenstein em Eles já Vivem na Recessão (Folha de S. Paulo, 14/12/97), analisa a situação de jovens desempregados. Segundo ele, “existe a preocupação de um fenômeno, que estudos já comprovaram nos EUA e Europa, é o de que esse desemprego gere combustão para o aumento ainda maior da criminalidade”.
Analisemos um dado que Dimenstein nos traz, estatisticamente: “A imensa maioria das populações carcerárias é feita de jovens, incapazes de se colocar no mercado de trabalho, vítimas de processo contínuo de exclusão. No Brasil, de cada 100 presos, 85 voltam a delinquir. Pagamos, portanto, não para reeducar marginais mas para torná-los mais violentos”.
Mais adiante, continua Dimenstein: “A taxa de desemprego entre adolescentes brasileiros (de 15 a 19 anos) chega aos 30% em São Paulo (números da Fundação SEADE, junto com o DIEESE). O IBGE revela hoje (1997) que existem no País dois milhões de adolescentes que não estudam nem trabalham”.
Social e economicamente não estamos nos preparando para essa onda. Políticas sociais mais justas, políticas de segurança etc. têm que ser levadas em consideração, haja vista a linha tênue entre drogas, crimes e desemprego juvenil.
Acentua Dimenstein: Os melhores projetos para combater a marginalidade, em qualquer parte do planeta são bem sucedidos quando misturam educação com geração de renda. Temos exemplos nos projetos sociais desenvolvidos no morro da Mangueira, no Rio de Janeiro e no bairro do Harlem, em Nova York.
Roberto Mangabeira Unger, na página Violência e Ternura, escrita para a Folha de S. Paulo (17/02/98), segundo Thereza Oliveira, assim se pronuncia: “Faz observações interessantes sobre como o desvirtuamento familiar influi, sobremaneira, sobre a desorganização social, criando uma cadeia de desequilíbrios a gerar o contraste entre a violência física e social do dia-a-dia e a procura sôfrega do afeto e da ajuda. Dessa situação resultam muitos males: a repetência e a evasão escolares, o desvio de comportamento acabando no crime e, até mesmo, o desmantelamento físico dos brasileiros. Países pobres, como o México e a Índia, escaparam do pior porque preservaram melhor a família unida dentro da comunidade organizada. Continuando, diz Unger: fundemos em torno da Escola Associações de Mães, Pais e Professores que co-formulem e co-executem os programas sociais, inclusive os programas de apoio à criança em sua família e, quando necessário, de colocação das crianças em família substituta.”
Depois de citar esses dois articulistas (Dimenstein e Unger) e fornecimento de alguns outros dados sobre este tema, de tamanha relevância e do qual não podemos nos omitir e muito menos nos “alienar”, devido a sua repercussão em nossas vidas diárias, Thereza C. de Oliveira chega a algumas conclusões, das quais escolhemos: A questão está num ângulo maior e não tem somente o enfoque de justiça. É isto (justiça) e mais família, saúde, educação, trabalho, infra-estrutura de habitação, transporte, etc. Precisamos de políticas sociais bem definidas, de âmbito familiar e comunitário, possibilidades de oportunizar a sobrevivência básica a todos, com justiça (...) Diante dessa realidade o serviço assistencial trabalhando pelos grupos espíritas precisam acompanhar os fatos que emergem e buscar novas alternativas de trabalho, além das que existem.
Finalizando o artigo, diz Oliveira: “idéias ou outras similares, esteremos prestando uma colaboração social enorme, atuando de fato, no âmago de muitas questões, ajudando a crianças e adolescentes a saírem das ruas e buscarem novas alternativas de educação, profissionalização e renda”.
PROJETO DE EDUCAÇÃO COMUNITÁRIA
Eis aí, prezados companheiros de ideal espírita, material para nossas reflexões críticas, visando provocar ainda mais, mediante nossa atuação, a formação de uma massa crítica sobre esse atualíssimo tema, de natureza estrutural e que emerge em nosso contexto conjuntural, afrontando-nos. Massa crítica esta que apostamos, seja capaz de vencer os desafios decorrentes das atuais mudanças, que estão ocorrendo atualmente no cenário mundial, testando-nos acerca da construção de nossa cidadania (nos seus vários aspectos) em mares nunca dantes navegados.
Diante do exposto, compete-nos assumirmos nossa postura espírita, isto é, aplicando as recomendações da Doutrina Espírita no enfrentamento das problemáticas em foco, envidando esforços na busca de caminhos à luz do Espiritismo, a fim de também dar a nossa modesta contribuição na construção de uma melhor qualidade de vida. A começar pelas pessoas (as protagonistas da qualidade) e considerada toda as suas dimensões, ou seja, globalmente: social, ambiental, econômica, política, cultural e, sobretudo ética.
Para tanto, cumpre-nos fazermos, primeiramente, uma análise diagnóstica da presente situação em que nos encontramos: pesquisando suas causas, planejando nossos procedimentos futuros, avaliando-os constantemente a fim de otimizá-los, tendo como objetivo atingirmos, sequencialmente e em tempo hábil, as metas confirmadas; tudo, sob a chancela da Doutrina Espírita.
Haveremos de começar, acreditamos, por cada um de nós, ampliando-se aos que nos rodeiam: a família, e daí estendendo-se à sociedade.
Elejamos, permita-nos sugerir, mediante as razões apontadas, a Educação como centro da questão. Educação no seu sentido amplo, que a Ética (compromissada com a Fraternidade) como sua diretriz básica norteadora, admitida também como um espaço incomensurável, onde se desenvolvem múltiplos relacionamentos, diálogos, nos que acontecem, ciclicamente, reflexões/ações práticas.
É a Educação, além disso, um espaço em que associados às respectivas comunidades, podemos, como uma das alternativas, elaborar gradativamente, implementar projetos educacionais comunitários que, no nosso caso, devido estarmos comprometidos com o Espiritismo e, por conseguinte, aliados ao Movimento Espírita, hão de estar respaldados, obiamente, na Codificação Espírita Kardeciana.
Esses projetos podem ser complementados por oficinas comunitárias de arte, esportes, etc. que constituem-se em verdadeiros braços através dos quais um projeto educativo chega ao âmago das comunidades, alastrando-se pela sociedade...
Frisemos que cada comunidade, devido as suas peculiaridades, é singular quando da elaboração e implementação do seu projeto político-pedagógico: sócio-cultural sob a égide da Codificação Espírita.
Projeto Educacional este que, antes, ouviu os seus atores-sociais. Pois um projeto não pode ser bem sucedido sem a compreensão da cultural local, sobe a qual ele pretende atuar, no sentido de melhorá-la, trazendo reais benefícios (espirituais e materiais) à sua comunidade. Seu objetivo é ajudar seus participantes, desde criança, a se tornarem, pouco a pouco, cidadãos plenos, conscientes, esclarecidos, criativos, críticos, participativos, solidários, autônomos e, sobretudo, ético.
Só assim serão responsáveis pela paulatina edificação de um mundo melhor com uma sociedade mais justa, democrática e fraterna, com uma melhor qualidade de vida. O programa é vasto, portanto. Deve basear-se na paz, no afeto, nas liberdades políticas, econômicas e sociais. Criar uma vida saudável, harmoniosa e criativa com educação e saúde, alimentação, habitação, transporte, lazer e demais condições necessárias ao bem-estar humano. Enfim, cidadania, justiça social, emprego com trabalho, aposentadoria e democratização da terra, melhor distribuição dos bens e da renda, meio ambiente, e biosfera (social e física), ciências e tecnologia com pesquisa e desenvolvimento, cultura e alegria de viver.
Um projeto educacional, portanto, não pode ser um milagroso pacote extraterrestre a ser imposto de forma violenta, catequista, um projeto pasteurizado. Muito pelo contrário, um Projeto Educacional tem a cara de sua comunidade e se operacionaliza por meio da efetiva participação desta comunidade (interna e externa) que visa, através deste projeto, por meio de seus próprios esforços cotidianos, transformar-se para melhor, onde as pessoas se sintam mais felizes, desde os dias de hoje e para o futuro.
Luiz Lemos e Nina Lemos
Os autores são dirigentes do movimento "Pelo Menos Kardec", sediado no Rio de Janeiro (RJ). Contatos com Luiz Lemos, R. Joaquim Serra, 18 - CEP 20745-300 - Rio de Janeiro (RJ). Artigo publicado no jornal Abertura (agosto de 1999)
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