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14 janeiro 2016

Crueldade - Orson Peter Carrara


CRUELDADE


A crueldade é uma imperfeição humana. Ela é uma figura de duas faces. Muitas vezes se apresenta como é mesmo, ou seja, furiosa, agressiva, declarada. Outras vezes é dissimulada. Surge elegante, com boas maneiras e muito educada na frente de suas vítimas e age manipulando nos bastidores, prejudicando sem considerar outros aspectos. Não sei qual é pior, porque em ambas falta o respeito e a civilidade. Nos dois casos, porém, é sempre maquiavélica, se define por uma posição de oportunismo, má-fé, ou para resumir, é uma postura de velhaco.

A presente abordagem surgiu ao assistir num único fim de semana dois filmes que desejo recomendar aos leitores, seja pela inteligencia que se traduz na produção, seja pela lição que transmitem, ao constatar o quanto isso ainda está presente no planeta e como se repete diariamente. Penso que em breve tais filmes estarão disponíveis nos portais do Youtube ou do Netflix.

Ambos, todavia, indicam uma história que se repete no tenso relacionamento humano: a presença sempre constante da crueldade, ou seja do excesso de rigor ou mesmo da falta de humanidade para com os semelhantes, em total desrespeito a condição humana como se apresenta. E não é só. Toda vez que alguém busca algo com a persistência de quem acredita no que realiza, toda vez que alguém se destaca, pronto: lá estão os contrários de plantão, os críticos por mero prazer, os incomodados ou frustrados que, não conseguindo alcançar o que outros alcançam ou realizam, colocam-se simplesmente na oposição, sem se darem ao trabalho de pelo menos conhecerem as razões, as propostas, de abrirem o coração e a mente para enxergarem além do próprio preconceito. Parece-nos que seria sempre prudente, antes da oposição declarada ou disfarçada, que nos dessemos ao trabalho de antes conhecer o que queremos combater. Esse conhecer exige todo um trabalho que vai além das aparências que normalmente nosso preconceito apresenta.

Pois esta imperfeição humana está presente nos dois filmes que motivaram a presente abordagem. Ambos são de 2014 e dispenso-me acrescentar outras informações (sobre atores, direção e sinopse etc.), além do título, para não alongar a abordagem. Sugiro ao leitor que pesquise na internet para conhecer outros detalhes importantes, inclusive históricos. Os filmes são Whiplash e O Jogo da lmitação.

O primeiro mostra a luta na conquista de um sonho, em que um aluno de famoso conservatório musical enfrenta a crueldade do professor e maestro da orquestra, numa luta que culmina com uma grande lição de moral e garra, graças a persistência do jovem estudante. A história é muito envolvente e faz pensar nas razões da crueldade exposta que se manifesta em tantas pessoas, ainda tão comum na sociedade humana. Posturas que requerem coragem e firmeza de ânimo para o real enfrentamento dessas criaturas dormentes na ilusão de serem os únicos e os melhores, com a tola pretensão de domínio sobre os outros, mediante a arrogância declarada da petulância que tantos prejuizos traz ao convivio harmonioso que se espera na vida social. Com que direito agem assim, penso eu, esses mandatários do orgulho?

Por outro lado, o segundo filme mostra a dedicação de um dos pioneiros dos atuais computadores que hoje utilizamos com tanta facilidade, e os preconceitos que enfrentou pela condição que vivia, em ambientes formalizados de suposta fineza educativa, mas corrompido pela crueldade disfarçada, que depois se declara, como sempre acontece. A temática do filme vale por si mesmo uma pesquisa a parte sobre Alan Turing - em quem se baseia o filme -, cujo esforço e beneficios trazidos a humanidade vale a pesquisa do leitor. E como no primeiro caso, a lição moral predominante faz reconhecer o valor do esforço e da dedicação, do talento e da honestidade, apesar do enfrentamento rude proveniente da crueldade.

E que a história se repete sempre, em algo que ainda não aprendemos no convivio social. Por que ainda teimamos em afastar, discriminar ou desprezar aqueles que pensam ou trazem idéias ou comportamentos diferentes do que adotamos? E ciúme? Inveja? O que e exatamente? Por que criamos tantas barreiras aos que ameaçam nossa zona de conforto? Isso está sempre presente nos relacionamentos humanos. Em todos os tempos, nacionalidades e até mesmo no ambiente familiar.

O que não dizer, então, no ambiente profissional? Basta alguém pensar diferente e surge a hostilidade, a oposição, e poucos, mas poucos mesmo são os que acreditam ou valorizam o arrojo das idéias, as tentativas que vão além do comum, o dinamismo dos que buscam alternativas diferentes.

É de se lamentar realmente. Mas pelo menos vão ficando as lições e o que temos visto e que os hostilizados, os marginalizados, os que tem coragem de ser diferentes e que fa-zem a humanidade caminhar e sair dos paradigmas que travam o progresso. O custo e alto - pagam com o desprezo que enfrentam, com as inverdades que se criam em torno deles e outros desdobramentos bem conhecidos -, mas mesmo assim, a luta nunca é em vão, porque são essas lutas que deslocam o marasmo e alavancam o progresso.

No ano em que se comemoram os 150 anos de O Céu e o Inferno, de Allan Kardec, parece-nos oportuno transcrever aqui dois pequenos trechos extraidos dos depoimentos dos espfritos, constantes da segunda parte da obra em referenda, que estão bem a propósito do que acima escrevemos.

O primeiro deles é de um espírito identificado como Verger - no capftulo VI - classificado como Arrependido. Diz o espírito em determinado trecho: "(...) deixei-me dominar pelo orgulho e pelo ciúme; enganei-me e disso me arrependo, porque o homem deve sempre fazer esforços para dominar as suas más paixões, e eu não o fiz (...)". O outro e de um espirito classificado como Feliz e identificado como Bernardin. Afirma no final de seu comovente depoimento (no capítulo II da mesma segunda parte): "(...) A vós todos, pois, meus irmãos, coragem, paciência, resignação (...)", uma vez que sua vida havia sido de muita luta, mas de imensa confiança na vida, despojado de quaisquer sentimentos de revolta ou arrogância, ou mesmo agressividade diante das adversidades.

Por que ainda teimamos em afastar, discriminar ou desprezar aqueles que pensam ou trazem idéias ou comportamentos diferentes do que adotamos?

Ora, a situacao em que se apresentam tais espíritos e de um céu interior (no caso do espirito feliz) e de um inferno interior (no caso do espírito arrependido pelo remorso), como bem denota a expressão céu e inferno, utilizado por Kardec no tftulo do citado livro, uma vez que esses são apenas estados de consciência, e não lugares determinados, como bem sabido.

E no caso dos filmes nos deparamos com as mesmas situações. Os personagens igualmente vivem o céu e o inferno interiores. Os lutadores do ideal estao no céu da consciência em paz, apesar do inferno das adversidades que enfrentaram, desde o preconceito a agressividade sofrida. Os cruéis, por sua vez, estão no inferno da consciência em desassôssego, motivados pelo ciúme, pela inveja, pela prepotência, pelo orgulho exacerbado.

Isso tudo nos motiva inteiramente a novo reestudo de O Evangelho Segundo o Espiritismo, exatamente nos capítulos das bem-aventuranças, do V ao X, repletos dessa suavidade dos que atendem a consciência, apesar -repetimos - de todas as adversidades que enfrentam. É a mesma temática igualmente nos remete a magnífica questão 573 de O Livro dos Espiritos sobre a missão dos espritos encarna-dos, que outra não é : "(•••) Instruir os homens, auxiliar seu progresso, melhorar suas instituições (...)". Como bem fizeram os personagens dos dois filmes em questão, que esperamos o leitor possa ver o quanto antes.


Orson Peter Carrara | orsonpeter92@gmail.com
RIE - Maio/2015

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