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05 janeiro 2016

Mapas - Richard Simonetti


MAPAS


É como se caminhássemos à procura de uma cidade distante, sem um mapa, sem noção de direção.

Segundo velhas tradições judaicas, quando a comunidade não ia bem realizavam-se reuniões especiais em que, por sortilégios religiosos, seus pecados eram transferidos para um bode

Sacrificava-se o animal, em seguida, e o seu sangue depurava os fiéis. Daí a expressão corrente, bode expiatório, quando se pretende imputar a alguém a culpa de outrem.

Seguindo essa mesma linha de raciocínio, os teólogos medievais entenderam que Jesus foi o cordeiro (eufemismo que substituiu a expressão original) de Deus que veio expiar com seu sangue a mácula do pecado original, supostamente cometido por suposto casal, Adão e Eva, em suposto paraíso.

Talvez um dos prodígios operados pelo Cristianismo tenha sido fazer de idéias fantasiosas, como a existência de Adão e Eva, o pecado original, e a redenção com o sangue de Jesus, a crença de considerável parcela da Humanidade.

Desde Darwin sabe-se que o ser humano é a culminância de um processo evolutivo que começou com organismos unicelulares, até atingir a complexidade necessária para o aparecimento da inteligência na Terra. Adão e Eva constituem figuras simbólicas, que poderiam impressionar os fiéis do passado, mas não atendem às necessidades do presente, quando antes de crer devemos cogitar de compreender, sob o crivo da razão.

Para quem admite a existência de Adão e Eva, fica a pergunta: Que crime inominável teriam cometido, capaz de derramar-se para sempre em culpa sobre toda a raça humana? A malícia popular fala da maçã, simbolizando o sexo. O pecado de exercitar o sexo no paraíso. Basta ler o texto bíblico, em Gênesis, para se saber que não foi nada disso.

O crime nem mesmo foi transgressão criminosa, e muito menos foi passível de prisão. Jeová não queria que comessem o fruto da árvore da ciência do bem e do mal. Eles comeram. Mas como poderiam ter incorrido em desobediência antes de saboreá-lo, e, portanto, sem ter noção do que é desobediência?

E por que haveria toda a descendência humana de pagar por isso, em flagrante injustiça, já que, atendendo ao mais elementar princípio de direito, os filhos não podem pagar pelos crimes dos pais.

Darwin pôs por terra as teorias teológicas do pecado original, da existência de Adão e Eva e da expiação dos pecados humanos pelo sangue derramado por Jesus.

A Doutrina Espírita, antes de Darwin, em nenhum momento pretende desmerecer o trabalho de Jesus, nem deixa de reconhecer seus méritos e sua grandeza espiritual. Isso está bem patente na questão 625 de O Livro dos Espíritos, quando o mentor espiritual proclama que Jesus é a maior figura da Humanidade. Reconhecendo isso, Kardec fala de Jesus em todas as suas obras e deu-se ao trabalho de escrever O Evangelho segundo o Espiritismo para exaltar a importância dos princípios morais enunciados pelo Mestre Nazareno. A concepção espírita sobre Jesus distingue-se das demais religiões evangélicas, em alguns pontos.

Jesus não é o filho de Deus encarnado. É um irmão nosso, Espírito já puro e perfeito quando a Terra surgiu, há quatro bilhões e quinhentos milhões de anos. E não veio lavar com seu sangue supostos pecados, injustamente herdados pela Humanidade. Foi o professor que veio ensinar as regras para nos comportarmos como filhos de Deus, superando limitações e habilitando-nos a caminhar mais depressa rumo à nossa gloriosa destinação.

Ainda que possa parecer uma heresia, podemos proclamar, à luz da Doutrina Espírita: mesmo que Jesus não viesse, continuaríamos evoluindo. Somos seres perfectíveis, destinados à perfeição. Lá chegaremos, inexoravelmente, mais cedo ou mais tarde, porquanto é a vontade de Deus, que não falha jamais em seus objetivos.

Jesus veio acelerar a marcha, mostrando-nos como andar de forma mais rápida e segura. É como se caminhássemos à procura de uma cidade distante, sem um mapa, sem noção de direção. Demandaria meses de viagem. Com um mapa chegaríamos bem mais depressa.

Jesus trouxe esse mapa, enunciando princípios que regem nossa evolução moral para que, cumprindo-os, nos ajustemos mais rapidamente à ordem universal, apressando o passo, rumo à perfeição.

Qual o papel da Doutrina Espírita nessa história?
Diríamos que Jesus nos deu o mapa do coração. O Espiritismo nos oferece o mapa da razão.

Jesus falava a uma Humanidade adolescente, incapaz de grandes vôos do raciocínio. O Espiritismo fala a uma Humanidade amadurecida, intelectualmente, para compreender a extensão de suas responsabilidades, com a certeza de uma vida que não acaba nunca, da qual nunca se ausenta a justiça de Deus.

Fácil perceber a conjugação de princípios que se completam, dirigidos ao sentimento e à razão, em variados contextos: Perdão

Jesus recomendava que perdoe

O Espiritismo demonstra ser indispensável que perdoemos, porquanto todo sentimento de ódio, rancor, mágoa, ressentimento desajusta o nosso psiquismo, situando-nos à mercê das sombras.

Culto

Jesus nos convidava à comunhão com Deus em termos de absoluta simplicidade. No célebre encontro com a mulher samaritana explicou que o culto a Deus deve ser despido de formalismos e exterioridades.

O Espiritismo explica que toda intermediação, no empenho de nossa comunhão com o sagrado, através de ritos e rezas, ofícios e oficiantes, desvitaliza a emoção e dificulta esse contato.

Enfermidade

Jesus dispensava os beneficiários de suas curas dizendo-lhes que não pecassem mais para que não lhes sucedesse pior.

O Espiritismo ensina que todo mal praticado em pensamentos, palavras ou ações é uma agressão que fazemos a nós mesmos, habilitando-nos a penosos padecimentos para a retificação.

Convivência

Jesus convidava a fazermos ao semelhante todo o bem que desejamos receber.

O Espiritismo informa ser indispensável praticar a caridade, porquanto essa é a fórmula fundamental para nos livrarmos do egoísmo, o sentimento gerador de todos os males humanos.

Jesus convidava ao Bem.

O Espiritismo exorta-nos a que sejamos bons

Por isso, se Jesus trouxe a revelação do Amor, o Espiritismo nos traz a revelação do Dever, chamados que somos à vivência dos princípios cristãos, não por mero ideal ou sonho, mas porque agora sabemos que assim deve ser feito e o conhecimento da verdade implica em compromisso com ela.


Richard Simonetti
Revista Reformador - outubro/2008

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