AS VIDAS SUDESSIVAS
A alma, depois de residir temporariamente no Espaço, renasce na condição
humana, trazendo consigo a herança, boa ou má, do seu passado; renasce
criancinha. Reaparece na cena terrestre para representar um novo ato do
drama da sua vida, pagar as dívidas que contraiu, conquistar novas
capacidades que lhe hão de facilitar a ascensão, acelerar a marcha para a
frente.
A lei dos renascimentos explica e completa o princípio da imortalidade. A
evolução do ser indica um plano e um fim. Esse fim, que é a perfeição, não
pode realizar-se em uma existência só, por mais longa que seja. Devemos
ver na pluralidade das vidas da alma a condição necessária de sua educação
e de seus progressos. É à custa dos próprios esforços, de suas lutas, de seus
sofrimentos, que ela se redime de seu estado de ignorância e de
inferioridade e se eleva, de degrau a degrau, na Terra primeiramente, e,
depois, através das inumeráveis estâncias do céu estrelado.
A reencarnação, afirmada pelas vozes de além-túmulo, é a única forma
racional por que se pode admitir a reparação das faltas cometidas e a
evolução gradual dos seres. Sem ela, não se vê sanção moral satisfatória e
completa; não há possibilidade de conceber a existência de um Ser que
governe o Universo com justiça.
Se admitirmos que o homem vive atualmente pela primeira e última vez
neste mundo, que uma única existência terrestre é o quinhão de cada um de
nós, a incoerência e a parcialidade, forçoso seria reconhecê-lo, presidem à
repartição dos bens e dos males, das aptidões e das faculdades, das
qualidades nativas e dos vícios originais.
Por que para uns a fortuna, a felicidade constante e para outros a miséria, a
desgraça inevitável? Para estes a força, a saúde, a beleza; para aqueles a
fraqueza, a doença, a fealdade? Por que a inteligência, o gênio, aqui; e,
acolá, a imbecilidade? Como se encontram tantas qualidades morais
admiráveis, a par de tantos vícios e defeitos? Por que há raças tão diversas?
Umas inferiores a tal ponto que parecem confinar com a animalidade e
outras favorecidas com todos os dons que lhes asseguram a supremacia? E
as enfermidades inatas, a cegueira, a idiotia, as deformidades, todos os
infortúnios que enchem os hospitais, os albergues noturnos, as casas de
correção? A hereditariedade não explica tudo; na maior parte dos casos,
estas aflições não podem ser consideradas como o resultado de causas
atuais. Sucede o mesmo com os favores da sorte. Muitíssimas vezes, os
justos parecem esmagados pelo peso da prova, ao passo que os egoístas e
os maus prosperam!
Por que também as crianças mortas antes de nascer e as que são
condenadas a sofrer desde o berço? Certas existências acabam em poucos
anos, em poucos dias; outras duram quase um século! Donde vêm também
os jovens-prodígios - músicos, pintores, poetas, todos aqueles que, desde a
meninice, mostram disposições extraordinárias para as artes ou para as
ciências, ao passo que tantos outros ficam na mediocridade toda a vida,
apesar de um labor insano? E igualmente, donde vêm os instintos precoces,
os sentimentos inatos de dignidade ou baixeza contrastando às vezes tão
estranhamente com o meio em que se manifestam?
Se a vida individual começa somente com o nascimento terrestre, se, antes
dele, nada existe para cada um de nós, debalde se procurarão explicar estas
diversidades pungentes, estar tremendas anomalias e ainda menos
poderemos conciliá-las com a existência de um poder sábio, previdente,
eqüitativo. Todas as religiões, todos os sistemas filosóficos
contemporâneos vieram esbarrar com este problema; nenhum o pôde
resolver. Considerado sob seu ponto de vista, que é a unidade de existência
para cada ser humano, o destino continua incompreensível, ensombra-se o
plano do Universo, a evolução para, torna-se inexplicável o sofrimento. O
homem, levado a crer na ação de forças cegas e fatais, na ausência de toda
justiça distributiva, resvala insensivelmente para o ateísmo e o pessimismo.
Ao contrário, tudo se explica, se torna claro com a doutrina das vidas
sucessivas. A lei de justiça revela-se nas menores particularidades da
existência. As desigualdades que nos chocam resultam das diferentes
situações ocupadas pelas almas nos seus graus infinitos de evolução. O
destino do ser não é mais do que o desenvolvimento, através das idades, da
longa série de causas e efeitos gerados por seus atos. Nada se perde; os
efeitos do bem e do mal acumulam-se e germinam em nós até o momento
favorável de desabrocharem. Às vezes, expandem-se com rapidez; outras,
depois de longo lapso de tempo, transmitem-se, repercutem, de uma para
outra existência, segundo a sua maturação é ativada ou retardada pelas
influências ambientes; mas, nenhum desses efeitos pode desaparecer por si
mesmo; só a reparação tem esse poder.
Cada um leva para a outra vida e traz ao nascer, a semente do passado. Essa
semente há de espalhar seus frutos, conforme a sua natureza, ou para nossa
felicidade ou para nossa desgraça, na nova vida que começa e até sobre as
seguintes, se uma só existência não bastar para desfazer as conseqüências
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más de nossas vidas passadas. Ao mesmo tempo, os nossos atos cotidianos,
fontes de novos efeitos, vêm juntar-se às causas antigas, atenuando-as ou
agravando-as, e forma com elas um encadeamento de bens ou de males
que, no seu conjunto, urdirão a teia do nosso destino.
Assim, a sanção moral, tão insuficiente, às vezes tão sem valor, quando é
estudada sob o ponto de vista de uma vida única, reconhece-se absoluta e
perfeita na sucessão de nossas existências. Há uma íntima correlação entre
os nossos atos e o nosso destino.
Sofremos em nós mesmos, em nosso ser
interior e nos acontecimentos de nossa vida, a repercussão do nosso
proceder. A nossa atividade, sob todas as suas formas, cria elementos bons
ou maus, efeitos próximos ou remotos, que recaem sobre nós em chuvas,
em tempestades ou em alegres claridades. O homem constrói o seu próprio
futuro. Até agora, na sua incerteza, na sua ignorância, ele o construiu às
apalpadelas e sofreu a sua sorte sem poder explicá-la. Não tardará o
momento em que, mais bem instruído, penetrado pela majestade das leis
superiores, compreenderá a beleza da vida, que reside no esforço corajoso.
Léon Denis
Obra: O porquê da vida
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