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15 agosto 2019

O espírita e a racionalidade - Alexandre Mota



O ESPÍRITA E A RACIONALIDADE


A partir de 2013, com a necessidade das pessoas se posicionarem politicamente frente à situação econômica e social do Brasil, o movimento espírita inicia um processo em que ficam claros posicionamentos de diversas matizes e, de certa maneira, antagônicas, que podemos aqui classificar como os conservadores e os progressistas. Divergem aqueles que defendem a institucionalização do movimento e os que querem a prática espírita kardecista livre de qualquer amarra.

Com a polarização, não só no espiritismo, mas em linhas evangélicas cristãs, houve ampla campanha contra ideias socialistas, comunistas, marxistas. Em uma dessas campanhas, o pensador alemão Karl Marx é demonizado por ter tirado Deus de seus trabalhos, dando força ao materialismo e contaminando a ciência e filosofia desde o fim do século XIX até hoje.

Assim, partindo do espiritismo como lente para olhar o mundo e as ideias, há quem diga que aqueles que defendem ideias socialistas não podem ser espíritas, pois se creem em Deus e no mundo espiritual, não poderiam aderir ou sequer estudar qualquer assunto materialista. A conclusão dessa narrativa é que aqueles que se denominam espíritas progressistas, que constroem pontes entre ideias materialistas e espiritismo, seriam falsos espíritas que buscariam na verdade acabar com o movimento espírita no Brasil.

Não há sentido nesse tipo de afirmação.

Aqui vale a pena desenvolver um contra ponto à questão de que o estudo, a análise e o uso de teorias materialistas não permite que alguém seja um espiritualista. Algum tempo atrás, em uma entrevista de Stephen Hawking para a revista Scientific American, o físico declarou que não podia dizer se Deus existia ou não, mas que a ciência até onde foi não precisava dele para nada. Foi uma declaração de um cientista maduro que sabe como se estabelecem as teorias cientificas que dão corpo e sentido à realidade que nos rodeia. Enquanto elas traduzirem essa realidade, elas persistem.

Ou seja, a física, como ciência, se apropriou de sistemas e métodos que proporcionaram que ela se estabelecesse no mundo como guardiã da verdade relacionada ao funcionamento do mundo material sem Deus, sem espíritos ou qualquer crença sobrenatural. Se nos debruçarmos sobre a origem do universo devemos abraçar a teoria criacionista da Bíblia ou o Big Bang?

Na Introdução do Livro dos Espíritos, Kardec nos mostra como foi seu processo ao tomar contato com o fenômeno das mesas girantes e como isso evoluiu para seu trabalho de pesquisa. Teve mente aberta, sem ideias pré-concebidas, fazendo a análise de todas as possibilidades sobre os fatos que observava. Como intelectual, ele estava mergulhado no ambiente filosófico e científico de sua época, porém não limitou seu olhar a partir das premissas em voga. Ele criou um método totalmente novo para abordar o mundo espiritual que se descortinava. Significa dizer que o Espiritismo, isso é bem claro, não é uma revelação, é um trabalho de ciência e filosofia empreendido por Kardec, que após suas pesquisas, concluiu implicações morais e religiosas. Ele ligou nossa vida material à espiritual mostrando que existia um encadeamento lógico e evolutivo, a partir de uma entidade superior que criou o mundo e todas as coisas.

A partir do entendimento das implicações morais e religiosas (no sentido de se ligar a Deus), Kardec desenvolveu seus argumentos da fé racionalizada: sem dogmas e sem qualquer misticismo. Nada poderia ser aceito sem reflexão e senso crítico, especialmente a tradição religiosa daquele tempo que ainda está presente nos dias de hoje.

Se eu vejo o mundo pelo olhar do espiritismo, se me coloco como progressista e consigo dialogar com teorias materialistas, como as de Marx ou de Hawking, eu amplio meu entendimento de mundo e capacidade de ser um espírito que trabalha em prol da evolução de todos. Não há problema algum com essa postura, já que a fé racionalizada leva à emancipação e não à submissão do espírito. Essa emancipação é demonstrada no uso da razão para além da fé, quando partimos das premissas básicas presentes em Kardec, como o papel do amor e da igualdade na evolução, para balizar nossa postura ativa no mundo. Com essas premissas, a compreensão e o estudo de ideias materialistas fazem com que tais ideias ganhem uma dimensão que nunca tiveram, assim como nós espíritas ganhamos uma visão de mundo mais rica e complexa.


Alexandre Mota


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