No que consiste o arrependimento? Tem ele a finalidade de nos levar ao sofrimento ou, justamente o contrário, nos libertar desse padecimento? Quem se arrepende deve entregar-se a infindáveis lamentações e pesares? De que maneira os erros podem ser corrigidos?
O tempo em que permanecemos no corpo físico é preciosa oportunidade de crescer, aprender e ser feliz. Nem sempre valorizamos a vida, aproveitando adequadamente as oportunidades que nos são oferecidas. Por vezes, cedemos aos convites que nos afastam de caminhos que, mais tarde, sentimos falta e que gostaríamos de ter trilhado. Desejos inadequados, antigos vícios, amizades inconsequentes, dentre outros fatores, nos afastam do futuro que almejamos. Chega um momento que, revendo o passado, nos arrependemos e nos culpamos pelos desvios. Porém, nunca é tarde para recomeçar e não existe nada que não possa ser recuperado ou que esteja irremediavelmente perdido. O momento é sempre um novo tempo, pois a Vida nos presenteia com ciclos de renovação. Dê a você mesmo outras chances e quantas mais sejam necessárias. Faça um novo programa de recomeço, desta vez com a ajuda de alguém, para que não haja novas quedas, porém, se ocorrerem, inicie de novo a jornada. Não há idade para que se veja um novo tempo, para viver uma nova vida. Não se arrependa mais pelo tempo perdido nem se culpe por isso. Aproveite o arrependimento que surgir e o tome como marco para o recomeço. Livre-se da culpa, saia da inércia e continue na busca de sua felicidade.[1]
A realidade de cada um de nós ainda é caracterizada pelos seguintes aspectos:
· nosso grau evolutivo é limitado;
· infelizmente, nem sempre encontramos respostas para tudo o que nos acontece;
· somos passíveis de falhas e enganos, por mais que, tantas vezes, nos esforcemos por acertar;
· em inúmeras situações, tendemos a agir por impulso, porque no calor das emoções, deixamos de considerar a importância do discernimento, imprudência essa que nos leva a tomar atitudes das quais nos arrependemos mais tarde. Conseguintemente, tais atitudes podem nos trazer atrasos evolutivos; e, com isso, prejudicar o atingimento do principal objetivo da presente existência: nossa evolução integral, que abrange o intelecto, os sentimentos, a moral e a espiritualidade.
Todo o nosso passado, vivido nesta ou em outras encarnações, é parte integrante de nossa individualidade, e, por sua vez, influi no momento presente. Assim, cada um de nós interpreta o mundo, as circunstâncias e as outras criaturas de acordo com o nível de consciência que já alcançou. E quão maior for essa percepção, mais facilmente deixaremos de negar ou mesmo justificar ilusoriamente nossos erros e fracassos, reconhecendo que admiti-los torna-se fundamental para o processo de amadurecimento íntimo. De acordo com o espírito Hammed:
Os erros são quase que inevitáveis para quem avançar e crescer. São acidentes de percurso, contingências do processo evolutivo que todos estamos destinados a vivenciar. [2]
Quando não visualizamos nossos erros, não admitimos que somos nós que produzimos as nossas dores. Quando não percebemos que nossos inimigos residem em nossa casa mental, apontamos os outros como a causa de nossos dissabores; quando não permitimos mudança em nosso mundo interior, exigimos mudança no mundo exterior. [3]
No entanto, criaturas imaturas nem sempre avaliam adequadamente o próprio comportamento e, com isso, não se responsabilizam pelas consequências negativas que suas atitudes provocam nelas e nas demais pessoas. Enquanto os indivíduos que já alcançaram uma relativa consciência das coisas procuram empenhar-se no próprio crescimento e na prática do bem, os imaturos não revelam qualquer incômodo íntimo perante o seu conturbado jeito de ser. Quando sua vida lhes causa perturbações, até procuram uma religião para conseguirem se libertar do medo e da insegurança. Mas quantos são os que, ao se livrarem da dor e do mal, voltam a praticar os mesmos atos como se nada antes tivesse acontecido.
Desse modo, o arrependimento pode ser compreendido como a tomada de consciência de certos aspectos de nossa personalidade que negávamos, consciente ou inconscientemente, e que, agora, nos permite refletir sobre o quê e como estamos fazendo as coisas em nossa vida. Tanto é assim, que a definição da palavra arrependimento é: “Mudança de opinião ou de atitude em relação a fatos passados. Contrição sincera pela incorrência em pecados, a serem redimidos pela prática do bem.” [4]
Em outras palavras, o arrependimento trata-se de um sentimento verdadeiro de remorso pelas faltas cometidas, que serve para renovação de conceitos e atitudes, a se manifestar quando tomamos ciência de que poderíamos ter feito algo melhor e não o fizemos. Ninguém, porém, de forma deliberada, tem o desejo de ser infeliz. Por que, então, deixamos de agir de modo adequado? Segundo Novaes:
Toda atitude negativa do passado e que gerou arrependimento deve ser entendida como pertencente à ignorância de seu autor. Ocorreu daquela forma por causa da ausência de lucidez para realizá-la de outra maneira melhor. Mesmo que tenha sido feita consciente de que causaria prejuízo a si próprio e a terceiros, ainda assim é parte da ignorância humana. [5]
Podemos afirmar que todas as experiências que vivemos, negativas e positivas, têm sempre algo de muito importante a nos ensinar, desde que devidamente analisadas. Compreendidos dessa maneira, os erros se transformam em significativas formas de aprendizagem que nos permitem evitar futuros comprometimentos. O problema surge quando não os queremos perceber ou nos recusamos a examiná-los, o que nos predispõe a repeti-los – muitas vezes até.
Todavia, o arrependimento não deve nos induzir à autocondenação, e, sim, à autoanálise e transformação íntima, sobretudo porque a autopunição não auxilia em nada no processo de libertação da consciência culpada.“Quem se arrependeu é porque aprendeu que é simplesmente humano, falível e nem melhor nem pior do que os outros.” [6]
A maior parte das pessoas concentra-se exclusivamente em seus erros e tropeços. Mas esse enfoque negativo gera vibrações de igual teor que, por sua vez, estimulam ainda mais um estado de espírito negativo. Daí Emmanuel explicar que a autocondenação prejudica consideravelmente o processo de reabilitação perante os enganos:
Não vale a chuva de lágrimas despropositadas, ante a falta cometida.
Arrependermo-nos de qualquer gesto maligno é dever, mas pranteá-lo indefinidamente é roubar tempo ao serviço de retificação. [7]
Sendo assim, quem se arrepende não deve envolver-se em lamentações e pesares, causando a própria ruína física e emocional. Ademais, podemos aprender na literatura espírita que, apesar de o plano espiritual superior procurar auxiliar o encarnado, se este não se dispuser a assumir a responsabilidade de redimir (resgatar, ressarcir, reparar) suas negativas atitudes pela “prática do bem”, continuará envolto na revolta e no sofrimento.
Em alguns casos, entretanto, a reparação exige do indivíduo uma conduta mais firme e de maior renúncia do que aquela mesma que não conseguira ter anteriormente. Por esse motivo, muitos são os que, trazendo o peso do arrependimento e da culpa em seu íntimo, mas vendo o tamanho do esforço que precisariam fazer para repararem os equívocos, preferem optar pela fuga, pelo afastamento – mudando de cidade, de bairro – ou mesmo produzindo para si mesmos um estado interior de alheamento, com o qual pretendem passar da condição de responsáveis à de vítimas.
O autoperdão, desse modo, torna-se imprescindível para a retomada do equilíbrio interior. Ao abrandar o autojulgamento – ou seja, deixar de ser tão crítica em relação aos próprios deslizes –, mais facilmente a pessoa conquista força moral e espiritual para seguir adiante, tentando corrigir, interna e externamente, tudo aquilo que esteja causando sua intranquilidade pessoal. Nessa direção, Novaes afirma:
Todo evento passado deve ser analisado à luz da ignorância. As reações que se teve diante dos eventos do passado se deram da forma possível àquele momento. Ninguém deve se culpar pelo que fez, mas assumir as responsabilidades pertinentes. Deve-se entender que o evento traumático tem a dimensão da ignorância que se tem a respeito de si mesmo e do funcionamento da vida.
Perpetuar o trauma é conservar o sofrimento causado, reduzindo a possibilidade de sua dissolução. Para que esta venha a ocorrer, a pessoa deve primeiramente aceitar seus próprios limites, entendendo que ninguém é perfeito nem tem a capacidade de tudo absorver tranquilamente. Aceitar os próprios limites também é não querer mais do que é possível alcançar. Em segundo lugar, entender que o erro é parte do aprendizado humano, não devendo lamentar-se por ele, nem se martirizar ou envergonhar-se por qualquer insucesso. Muitas vezes, precisa-se perder para aprender a ganhar, portanto, uma derrota não deve ser tomada como prejuízo à personalidade. Nunca mais empreender algo, porque passou por uma perda, é equívoco grave. Traumatizar-se pelo prejuízo de uma ação pode levar a pessoa ao fundo do poço. O medo é uma emoção instintiva humana. Todos têm medo diante de certos obstáculos. Esse automatismo vem desde o período animal, no qual os instintos permitiam o preparo do organismo para uma reação: fugir ou atacar. O medo gera uma energia que deve ser utilizada para uma ação. Temer e fugir é não aprender. Todo evento aversivo gerador de medo deve ser tomado como catalisador de uma atitude progressiva. Não se intimidar nem se acomodar com as crises e derrotas permitirá o fortalecimento do ego, evitando a consolidação de um trauma. [8]
É preciso coragem até mesmo para assumir nossos erros e fracassos, prelúdio da coragem para corrigi-los. [9]
No Evangelho de Lucas (19:1-10), temos que Jesus, ao passar por Jericó, se defronta com Zaqueu, rico publicano, sobre uma árvore. É que ele desejava conhecer Jesus, mas, por ter pequena estatura, não o enxergava do meio da multidão. Ao encontrá-lo, o Mestre lhe disse: “Zaqueu, desce depressa, pois me convém ficar hoje em sua casa.” Ele desceu a toda a pressa, recebendo Jesus com muita alegria. No entanto, muitos daqueles que presenciaram a situação, criticaram Jesus pelo fato de ele se hospedar na casa de um pecador. Porém, Zaqueu, provavelmente bastante tocado pela consideração dispensada por Jesus, se levantou e disse: “Senhor, resolvo dar aos pobres a metade dos meus bens; e, se nalguma coisa tenho defraudado alguém, restituo quatro vezes mais.” Então, Jesus lhe respondeu: “Hoje, houve salvação nesta casa.” [10]
Muitos acreditam que arrepender-se significa sentir-se mal consigo mesmos, quando procedem erroneamente. Assim, o arrependimento e o sentimento de culpa, para esses indivíduos, representam uma merecida autopunição por terem feito o que não deveriam. Mas, com essa passagem, podemos afirmar que Jesus não compreendia o arrependimento dessa maneira. Diante da atitude do publicano, o Cristo alegrou-se por um único fato: Zaqueu mudou de ideia, isto é, decidiu inverter o rumo de sua vida, seguindo por um caminho totalmente diferente.
Podemos interpretar que Jesus falava sobre o arrependimento nesse sentido. Ele queria ajudar as pessoas a abandonarem hábitos antigos, a renovarem conceitos, a melhorarem a maneira de pensar, de sentir e de agir, e não fazer com que os “pecadores” se sentissem mal a respeito de si mesmos.
Assim sendo, o arrependimento não consiste em fechar-se nas consequências negativas dos atos e das palavras, mas em permanecer aberto a mudanças, porque a pessoa consciente e inteligente aprende com os próprios erros e modifica a trajetória de sua vida para voltar a sentir-se digna perante a própria consciência.
Allan Kardec, na questão 999 de O Livro dos Espíritos, pergunta:
“O arrependimento sincero durante a vida basta para apagar as faltas e fazer encontrar graça diante de Deus?” [11]
Resposta:
“O arrependimento ajuda o progresso do Espírito, mas o passado deve ser expiado (reparado, purificado).”
Complementando as considerações dos Espíritos Superiores, o espírito André Luiz ensina: “O arrependimento é, porém, caminho para a regeneração e nunca passaporte direto para o céu”. [12]
Na questão 1000, de O Livro dos Espíritos:
“Podemos nós, desde esta vida, resgatar nossas faltas?”
Resposta:
“Sim, reparando-as. Mas não creiais resgatá-las por algumas privações pueris ou doando depois de vossa morte, quando não tereis mais necessidade de nada. Deus não tem em nenhuma conta um arrependimento estéril, sempre fácil, e que não custa senão a pena de se bater no peito.
(...) O mal não é reparado senão pelo bem, e a reparação não tem nenhum mérito, se não atinge o homem no seu orgulho ou nos seus interesses materiais.
De que lhe serve, para sua justificação, restituir depois da morte o bem mal adquirido, agora que se lhe torna inútil e que deles já se aproveitDe que lhe serve a privação de alguns prazeres fúteis e de algumas superfluidades, se o mal que ele fez a outro continue o mesmo?
De que lhe serve, enfim, se humilhar diante de Deus, se conserva seu orgulho diante dos homens?
Voltemos, mais uma vez, à definição da palavra arrependimento: “Mudança de opinião ou de atitude em relação a fatos passados. Contrição sincera pela incorrência em pecados, a serem redimidos pela prática do bem.” Não foi a isso que Zaqueu se propôs?
“Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus.” (Mt 4:17)
Ele (Jesus) nos convidava a essa percepção diferente do mundo, quando declarava “Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus.” Arrepender-se é convidar a não fazer mais o que se fazia; é não entender a vida com os mesmos valores que se tinha; é, ainda, não se culpar pelo que fez no passado, mas encarar uma nova realidade que se avizinha.
Arrepender-se é autoconhecer-se. É fazer um mergulho no próprio mundo consciente e no inconsciente, a fim de modificar suas disposições internas e passar a vibrar numa faixa psíquica mais elevada. Este estágio mais adiantado é aquele que nos permite viver com a disposição de enfrentar com equilíbrio e humildade os revezes que a Vida nos apresenta.
A proximidade do reino dos céus é a certeza de que ele se encontra no nosso interior. Não é um estado externo, mas interno. É possível alcançá-lo pela sua íntima condição. Não é necessário viajar, nem buscá-lo muito longe. Não está em nenhum lugar mágico ou nas alturas dos montes, nem nas florestas virgens, nem em caminhadas intermináveis. Não se encontra no espaço infinito, mas tão somente no infinito de nossas moradas interiores.
(...) Quando percebermos que estamos num estado que pode chegar ao desequilíbrio, é conveniente que façamos uma parada para meditar, orar, e desfocar o problema, a fim de melhor captar a influência espiritual salutar, para o encontro de soluções dos conflitos e para a harmonia das idéias.
O Cristo nos convida à esperança em nós mesmos a partir do estado de espírito que nos predispõe a viver confiantes na certeza de que um mundo interior em paz produz uma sociedade em harmonia. [13]
Referência:
[1] NOVAES, Adenáuer M. F. de. Felicidade sem culpa. 2. ed. Salvador: Fundação Lar Harmonia, 2002. Cap. “Culpas que interferem na felicidade”. p. 64.
[2] HAMMED (espírito); SANTO NETO, Francisco do Espírito (psicografado por). Espelho d’água. 1. ed. Catanduva, SP: Boa Nova Editora, 2001. p. 106.
[3] HAMMED (espírito); SANTO NETO, Francisco do Espírito (psicografado por). Um modo de entender: uma nova forma de viver. 1. ed. Catanduva, SP: Boa Nova Editora, 2004. Cap. 6. p. 31.
[4] iDicionário Aulete. Disponível em: . Acesso em: 27.10.2012.
[5] NOVAES, Adenáuer M. F. de. Alquimia do amor – Depressão, cura e espiritualidade. 1. ed. Salvador: Fundação Lar Harmonia, 2004. Cap. “Curando a depressão”. p. 220.
[5] NOVAES, Adenáuer M. F. de. Alquimia do amor – Depressão, cura e espiritualidade. 1. ed. Salvador: Fundação Lar Harmonia, 2004. Cap. “Curando a depressão”. p. 220.
[6] HAMMED (espírito); SANTO NETO, Francisco do Espírito (psicografado por). Espelho d’água. 1. ed. Catanduva, SP: Boa Nova Editora, 2001. p. 26.
[7] EMMANUEL (espírito); XAVIER, Francisco Cândido (psicografado por). Fonte viva. 12. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira. Cap. 90.
[8] NOVAES, Adenáuer M. F. de. Alquimia do amor – Depressão, cura e espiritualidade. 1. ed. Salvador: Fundação Lar Harmonia, 2004. Cap. “Causas do ponto de vista psicológico e espiritual”. p. 207.
[9] MIRANDA, Hermínio Corrêa; ANJOS, Luciano dos. Eu sou Camille Desmoulins: a Revolução Francesa revelada por um dos seus líderes. 3. ed. Publicações Lachâtre, 1993. Leitura complementar 41. p. 149.
[10] BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudo Almeida. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.
[11] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de Salvador Gentile, revisão de Elias Barbosa. 100. ed. Araras, SP: IDE, 1996.
[12] ANDRÉ LUIZ (espírito); XAVIER, Francisco C[ândido (psicografado por). No mundo maior. 20. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira. Cap. 3. p. 40.
[13] NOVAES, Adenáuer Marcos Ferraz de. Psicologia do Evangelho. 2. ed. Salvador, BA: Fundação Lar Harmonia, 2001. Cap. 5.
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