O MOVIMENTO ESPÍRITA E A CULTURA DE CANCELAMENTO
Como estamos vivendo o Cristo nas redes sociais e nas nossas instituições?
Você já foi cancelado? Muito provavelmente sim. Em especial se for um trabalhador atuante no Movimento Espírita, um palestrante ou escritor.
Cancelar é a palavra nova que se usa para dizer que a pessoa não merece atenção, não é digna de voz ou visibilidade e merece ser ignorada por todos. Significa quase uma sentença de morte declarada pelo tribunal das bolhas sociais que tomou uma proporção assustadora por causa da internet. É o homem tentando mais uma vez se passar por Deus e julgar aquilo que lhe desagrada. Em uma palavra: é não ser cristão.
Na internet virou mania cancelar alguém por ter falado alguma coisa ou até mesmo por ter aparecido ao lado de alguém que os julgadores não gostam.
Muito antes da invenção das redes sociais, nós espíritas já cancelávamos alguns dos nossos irmãos. Palestrantes cancelados porque citaram um determinado autor, trabalhadores cancelados porque ousaram sugerir mudanças em processos da Casa Espírita, outros cancelados porque já não conseguiam mais abraçar o trabalho voluntário de todos os dias da semana e também aqueles que escreveram livros e foram cancelados porque "os julgadores" entenderam que ele não podia escrever sobre o que quisesse, mas sim pelo que era exigido pelos canceladores.
Já vimos grandes palestrantes cancelados porque um dirigente ouviu fake news sobre ele e decidiu que deveria conspirar para que não participasse de grandes eventos. Que bom que o tempo se encarregou de mostrar a verdade, mas nem todos tem essa oportunidade.
Fiquei sabendo que o trabalhador de um Centro Espírita foi cancelado porque sugeriu ao presidente que a descarga do banheiro deveria ser consertada.
Recentemente, vimos julgadores das redes sociais tentando cancelar nosso querido Divaldo Franco, por causa de opiniões que emitiu sobre determinados acontecimentos do nosso país. Já teve até gente que aproveitou para falar sobre um comentário que ele fez usando metáforas como anjos e o emprego da palavra temor para tentar desqualificar o conteúdo. Como se ele precisasse de uma aula de princípios básicos do Espiritismo para entender o que Allan Kardec escreveu no livro O Céu e o Inferno. Em tempo, pelo que conhecemos de Divaldo Pereira Franco, se alguém, fosse apontar esses "erros" para ele, a resposta seria de "muito obrigado pela gentileza em me falar" seguida de um sorriso. Diferente do que uns poucos falam, ele sempre rejeitou a posição de estrela de qualquer coisa. Felizmente, os canceladores podem até tentar destruir a reputação de um homem de moral ilibada, mas a sua obra é tão grandiosa que seriam preciso 500 anos de ataque de haters* se manifestando na internet para que algum eco fosse capaz de abalar um tijolinho de sua obra. Cada vez que eu lia algum deles falar mal da opinião do Divaldo, mais eu lembrava de sua obra e do que ele fez, incansavelmente, por todos nós e pelo Espiritismo. Meu agradecimento especial para esses irmãos, que por meio da tentativa de cancelar um ser humano tão especial e necessário ao nosso tempo, nos ajudou a lembrar o que ele significa para todos nós. Deu até saudade. Já tem mais de seis meses que não tenho a alegria de estar com ele.
Esse tipo de situações não acontece só no campo do pensamento e ideias. Nas instituições de caridade também estão cancelando pessoas.
Uma jovem executiva que é voluntária em uma ONG foi cancelada porque sugeriu aos colegas um projeto básico de gestão. Seus pares não acreditavam que os controles eram necessários e falaram que a gestão "profissional" dos recursos seria um risco à essência do sentimento de amor e caridade que uniam as pessoas envolvidas. Ninguém mais a procurou ou respondeu às suas tentativas de contato para o trabalho. Em silêncio, ela continuou servindo, mas ainda sente o gosto amargo que fica em quem está com o coração cheio de amor para servir e é cancelado por um sistema que não permite novas ideias, e não está preparado para acolher pessoas capazes de propor outros caminhos.
Sugerir melhorias e novas práticas tem sido um caminho certo para o cancelamento. Por essa razão, muitas pessoas vão embora das instituições. Contudo, infelizmente, a dor do desapontamento segue com elas.
Por toda parte, temos ouvido relatos de pessoas que pagaram o preço do cancelamento nas Casas Espíritas pelos mais variados motivos. Surpreendentemente, a maioria deles estão relacionados a intolerância religiosa, resistência ao novo nas instituições e inveja.
Na intolerância religiosa interna, julgamos o diferente como inimigo e passamos a rotular a todos. Espíritas deixam de ser apenas irmãos e recebem adjetivos complementares de "roustainguistas", "ramatizistas", ignorantes e outras coisas que agora nem me vem à mente.
A resistência a inovação é o movimento que usa a tradição erroneamente para transformar a Casa Espírita em uma instituição deslocada do nosso tempo, apegada ao passado e incapaz de acompanhar as possibilidades do século XXI. Por causa desse movimento, que é completamente afastado da forma como Kardec se apoiava nos recursos de seu tempo, o uso sério da tecnologia para melhorar a metodologia pedagógica e a difusão da obra Espírita, a melhoria dos ambientes físicos para que os ambientes sejam mais agradáveis e confortáveis, são necessidades básicas que ainda não alcançaram a maioria das instituições. Continuamos sendo uma Doutrina do século XIX, praticadas em casas do século XX e vivida por pessoas do século XXI. Algum outro palpite do motivo pelo qual os jovens não se encaixam?
Claro que a energia da casa é mais importante que tudo. Contudo, se a modernidade já ensinou a cafeterias, universidades, escolas e museus ao redor do mundo, sobre a importância da experiência das pessoas quando estão dentro de um ambiente, por que não podemos fazer o mesmo para proporcionar o bem-estar de quem está no Centro Espírita?
A inveja é mais simples de explicar. Ela acontece quando as pessoas admiram o que você faz e se sentem incomodadas com isso. Por causa desse incomodo, pessoas que brilham podem ser canceladas.
Não precisamos de sermões nem de citações do Evangelho do Cristo para sabermos que nada dito acima condiz com o modelo de comportamento que Jesus nos deixou como legado.
A sociedade que cancela é uma sociedade que julga e está doente.
O Espírita que cancela um irmão deveria lembrar que faz parte de um movimento de resgate da mensagem do Cristo.
Como Emmanuel nos falou, os espíritos vieram em massa para nos apoiar na tarefa de propagação do Evangelho redivivo.
É sério que alguém acha que o pão que doou é mais urgente para o Cristianismo do que a união dos Espíritas e a empatia com quem é diferente de nós?
Particularmente eu não quero saber se você lê um livro que não gosto, se você tem uma opinião política diferente da minha ou se você não leu a codificação de Kardec toda. Existe muita gente capaz de citar de cabeça cada pergunta de O Livro dos Espíritos, mas ataca instituições e pessoas em nome da verdade. Isso me lembra bastante os enganos da Igreja do passado. Talvez sejamos os mesmos inquisidores reencarnados que estamos repetindo nossos erros. A diferença é que naquela época a Igreja cancelava monarquias e pensadores, tentando sumir com eles da história, hoje estamos usando recursos menos poderosos como a fofoca e cancelamento nas redes sociais e nos convites para os eventos.
Espíritas: amai-vos e instrui-vos. Instruir não é ler apenas as obras básicas, é ser capaz de identificar movimentos modernos que nos afastam dos nossos valores e princípios.
Espírita que cancela pode se considerar estudioso, pode ser palestrante, pode ter milhões de seguidores, mas está sucumbindo em executar a missão de amor a qual se propõe.
O Espiritismo não precisa de advogados, ele precisa de agentes de transformação do mundo.
Deus que nos perdoe em continuar causando dor ao nosso próximo.
Se você não concordou comigo, por favor não me cancele. Tem gente que diz que não sente, mas quando chega a noite e eu deito na cama para dormir, eu sinto a dor da intolerância tocar o meu coração.
Jaime Ribeiro
Fonte: Intelitera
haters* São pessoas que sempre irão criticar e tentar desvalorizar o trabalho ou a vida do indivíduo que ele “odeia”, mesmo que não tenha reais motivos para isso.
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