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21 fevereiro 2022

Uma fé capaz de “reconhecer” montanhas - Iris Sinoti


UMA FÉ CAPAZ DE "RECONHECER" MONTANHAS

Vivemos dias estranhos, talvez essa seja a maneira mais simples de descrever os últimos quase dois anos. Ouvimos que tudo isso seria para nosso crescimento, que sairíamos melhores dessa experiência, que era uma coisinha simples... Aqui estamos nós, tentando entender os acontecimentos ou nos entender?

A OMS (Organização Mundial da Saúde) já nos havia alertado para o risco muito grande de passarmos até 2030 por um episódio ainda não descrito em casos de depressão no mundo, e em 2021 já alcançamos a estimativa de 300 milhões de indivíduos com depressão. O Brasil é, na América Latina, o país com o maior número de casos, somos também os mais ansiosos no mundo.

Mas tudo isso foi por causa da pandemia?

Não, não foi. A pandemia provavelmente nos lembrou da nossa vulnerabilidade. Ela nos lembrou também das diferenças, muitas diferenças, nos lembrou da nossa sanha descontrolada por crescimento econômico e nos mostrou que nada disso é o suficiente para nos manter vivos, somos vulneráveis, é um fato.

Nós, a humanidade, somos tão frágeis e ao mesmo tempo tão necessários para a transformação que esperamos e ansiamos viver que, apesar de toda essa incontrolável situação que compartilhamos, precisamos entender que já havia passado da hora de enfrentarmos um inimigo que é muito mais forte que o vírus e suas mutações. Nosso egoísmo!

Escolhemos enxergar a humanidade pelo resultado econômico que ela gerava e isso falou e fala muito sobre nós, mostra como nos vemos, mostra como nos tratamos. Estávamos nos importando com uma parte muito limitada e nos excluímos da própria existência. O vírus, a fome, a violência, a depressão, tudo já estava passando por nós e fomos deixando.

Teremos coragem para mudar?

Nas vivências ancestrais a palavra coragem tinha uma definição diferente de como fazemos a leitura dela hoje. Coragem em sua raiz significa: “falar o que se pensa abrindo o coração”. E esse é o grande passo que precisamos aprender, e como já dizia Dona Canô, “precisamos de coragem para sermos felizes”, então, chegou o momento de olharmos por outro ângulo e nos amar como um ato definitivo de coragem.

Como afirmava Bell Hooks, “começar a pensar sempre em amor como ação em vez de sentimento é a forma pela qual as pessoas que usam a palavra dessa maneira automaticamente assumem responsabilidade. ” E assumir responsabilidade nos convida para acendermos a esperança, exercermos nossa liberdade e atendermos o chamado da nossa fé. Pôr o amor em ação, nesse momento, é fundamental para seguirmos em frente, como povos, tribos, constelações de gente, dispostas para juntos amenizarmos as tempestades desse mundo.

Conseguiremos manter a Esperança?

Segundo a mitologia grega, existiu uma mulher que foi criada pela deusa Atena e pelo deus Hefestos. Essa mulher era Pandora.

O nome Pandora, assim como Pandemia, é formada de Pan, “todos”, “tudo” e doron, que significa “dom ou virtude”. Essa mulher era a portadora das virtudes que todos nós possuímos, segundo o mito, ela foi responsável por uma caixa que guardava todos os males da humanidade e que para amenizar todo o terror contido na caixa, no fundo dela foi deixada a esperança.

Quando tudo nos alcança, segundo a mitologia, deveremos buscar no fundo da “caixa de Pandora”, nas nossas virtudes, a esperança, a nossa capacidade de não sucumbir ao desespero, de fazer acontecer tudo aquilo que esperamos que aconteça, de continuar mesmo parecendo que tudo diz o contrário. O mundo pós-moderno, o mundo da pandemia da Covid-19, tenta nos dizer que não existe espaço para a Esperança, mas em meio a tantas mortes é absolutamente necessário que possamos manter em nós a chama da esperança.

E se a esperança se faz presente a fé será concreta.

Toda essa crise deveria despertar nossa humildade e nossa humanidade, nos aproximando um dos outros, fortalecendo nossa fé de uma maneira tal que reconheceremos as montanhas que teremos de atravessar, mesmo sabendo que a tradição nos diz para movê-las. Uma fé que nos mostra que a felicidade não pode ser individual, uma fé que nos ajuda a entender que estamos viajando e que não é o trem que importa, mas o modo como estamos viajando, ou seja, como estamos vivendo.

Iris Sinoti
Artigo do Jornal Correio Espírita - Fevereiro 2022
Fonte:
Correio Espírita

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