As Guerras e Nós
Quem é que não se aturde ao ouvir falar de guerra?
É uma tragédia da Humanidade. As guerras representam o esvurmar dessa infecção interna que a alma carrega em si.
Todas as vezes que não estamos em paz conosco, a nossa tendência é derramar esse produto da nossa intimidade no ambiente em que estamos e sobre as pessoas que nos cercam. Aí temos sementes de guerras.
O que nos apavora nas guerras é a impiedade, a crueldade, o massacre, as explosões, o bombardeio, a pouca possibilidade de defesa que as pessoas têm. Parece que há uma obrigatoriedade em matar, em destruir.
Construções que o tempo demorou a fazer, que os homens demoraram a erguer, se esboroam num só bombardeio.
Ficamos a pensar de onde é que vem essa força demoníaca, patética que, de repente, toma conta da criatura humana como se fosse um surto.
Tudo isso provém das entranhas da própria criatura humana.
Sim. O mundo físico não faz guerras.
Encontramos os vulcões, os terremotos, os maremotos, tudo isso correspondendo aos processos de ajustamento planetário para o nosso bem, para o equilíbrio determinado pelas Leis de Deus. Mas guerras, jamais.
As primaveras se repetem a cada ano, como os verões, os outonos e os invernos. As árvores florescem, os animais piam, cantam, voam, correm, reproduzem-se. Tudo normalmente.
Entre nós, criaturas humanas, parece que há uma sede de sangue para nada, pelo prazer mórbido de dominar, pelo prazer mórbido de determinar, de ter nas mãos, de destruir.
Naturalmente, pensamos no quanto o mundo ainda tem que evoluir, que crescer, para se livrar da guerra, para se livrar da tormenta guerreira, belicosa.
Mas não é propriamente o mundo que se tem que modificar, é o ser humano relativamente ao seu mundo interno.
As malquerenças, as violências, as agressões verbais e físicas representam essa explosão da criatura humana, o temperamento rebelde, o grito de cólera. Tudo isso são sementes de guerras.
É por causa dessas sementes de guerras que encontramos as guerras grandes, de grandes proporções, as guerras agigantadas dos campos de batalha, das nações entre si, das múltiplas potências.
Tudo isso que nós vemos em tamanho grande tem começo no campo de batalha interno de cada um de nós.
Imaginemos o que significa estarmos de mal com alguém.
Maquinamos o tempo todo a melhor forma de agredir, de atacar, de ferir esse alguém. Não nos importamos se caluniamos, se mentimos. O nosso objetivo, naquele momento infeliz, é o de destruir a criatura.
Então, qual é a diferença de um exército que lança bombas sobre outro, que atira com rajadas de metralha nos outros?
A diferença é que há um momento em que essas coisas partem de nós fisicamente e há outros momentos em que essas coisas são psíquicas, são mentais. Os torpedos mentais que enviamos, infelicitando a tanta gente.
Vale a pena pensarmos na destruição facultada pelas guerras e em nossa condição diante disso tudo.
* * *
Quando pensamos nessa questão das guerras relacionadas com a criatura humana, lembramos de que um dia escreveu Sigmund Freud, o Pai da psicanálise, que todos somos dotados de uma dualidade de impulsos internos, que ele chamou de pulsões.
Carregamos um instinto de vida e um instinto de morte. Freud chamou ao instinto de vida de Eros, instinto de Eros, força de Eros ou impulso de Eros.
Eros significa tudo aquilo que é em favor da vida, que conspira em prol da vida, da alegria, da saúde, do trabalho, da ética, do bom tom, da amizade.
E o impulso de morte, um de seus discípulos austríacos chamou de impulso de Tânatos. Tânatos, morte no idioma grego.
Então, o impulso de morte não é propriamente da morte biológica, é dessa morte moral, essa morte idealística, essa morte que representa tudo que é negativo para a vida. Tudo que conspira contra a vida faz parte, segundo Freud, desse instinto ou impulso de morte ou de Tânatos.
Desse modo, quando optamos pela vida, pela saúde, pelo equilíbrio, pela paz, estamos trabalhando dentro do impulso de Eros.
Tudo quanto faz bem à vida, tudo quanto se dirige à vida, tudo que a enaltece, que a sublima, faz parte de Eros.
Mas quando surtamos internamente e nos deixamos arrastar pela cólera, pela mentira, pelo ódio, pela inveja, pelo despudor, estamos em território aberto da morte, de Tânatos.
E é nesse território aberto que costumamos provocar as guerras.
É muito comum que, no mundo, não estejamos acostumados a viver em paz uns com os outros.
Seja pela inveja que nos faz provocar o vizinho, seja pelo orgulho, quando desejamos ser o centro do Universo, o centro das coisas, quando temos a impressão de que somos a última coca-cola do deserto.
Nessa hora em que nos damos essa supraimportância, certamente estamos fazendo guerras. As guerras mentais, esses combates que travamos mente a mente.
Odiamos as pessoas sorrindo para elas, fazemos de conta que somos amigos de criaturas que odiamos, que detestamos: no emprego, na rua, na família.
São as nossas guerras internas que, antes de explodirem do lado de fora e provocar as tragédias que bem conhecemos, implodem a nossa realidade íntima, estouram dentro de nós. Adoecemos fisicamente porque, antes, já estamos adoecidos espiritualmente.
É por isso que as guerras são formadas pelos componentes que lhes dão as criaturas humanas.
Não somente os governantes contribuem para as guerras, não somente os líderes de Estado contribuem para ela mas cada cidadão, cada pessoa, cada indivíduo que não vive a sua vigilância ética, moral, espiritual.
Cada um de nós que se dá o direito de avançar sobre as coisas dos outros, sobre o direito dos outros, sobre a vida alheia.
Somos, de certa maneira pomicultores da guerra mas, nem de longe, isso passa pela mentalidade da massa.
Estamos sempre imaginando que somos vítimas das guerras e dos guerreiros, dos beligerantes, dos violentos e não nos damos conta de que nos associamos a eles, de que alimentamos essas fontes de violência com o nosso impulso de Tânatos, nosso impulso de morte.
Perceberemos, gradativamente que, nesse momento ciclópico do mundo, nessa hora densa da Humanidade, temos necessidade de rever nossos papeis na sociedade.
O que é que temos oferecido ao mundo para que ele seja melhor, mais digno, mais rutilante?
O que é que temos oferecido à vida para que ela seja mais digna de ser vivida, para que ela tenha mais sabor, para que ela tenha fulgor?
E essa família onde nós estamos, o que é que temos feito por ela?
E a nossa família, aquela que formamos, aquela que construímos, o que temos feito por ela?
As guerras são o corolário, são o enfeixamento das nossas próprias realizações.
Vale a pena buscar a paz através do pensamento superior, da oração, da vivência positiva no bem, do socorro ao nosso semelhante, até o dia em que o nosso relógio cardíaco pare e viajemos daqui para o Reino da paz.
Transcrição do Programa Vida e Valores, de número 157, apresentado por Raul Teixeira, sob coordenação da Federação Espírita do Paraná.
Programa gravado em julho de 2008. Exibido pela NET, Canal 20, Curitiba, no dia 06.09.2009.
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