CARIDADE
A alma da caridade
Abomina o rumor que alimenta a vaidade;
Para o seu labutar, toma vestes singelas;
Para fazer o bem, corre o fecho às janelas.
Não lê Anacreonte e ignora Petrarcas;
Não reconhece a lei que emana dos monarcas.
Nunca soube notar, nem sabe discernir
Qual deles foi maior, se Goethe ou Shakespeare;
Se houve o pincel de Goya e o buril de Bordalo,
Se Calígula quis endeusar um cavalo;
Se o nome de Mafoma é o mesmo que Maomet,
Se houve no tempo antigo uma arca de Noé;
Se a Patti cantou bem pelas festas mundanas,
Se viveram maus reis, entre más soberanas;
Não entende Voltaire, nem ás literaturas,
Somente lhe interessa a sorte das criaturas.
Nunca soube enxergar se há Lutero e Jesuítas,
Sabe somente ver as dores infinitas.
Não vai a Roma ver o Papa que se cobre
De fulgentes milhões para humilhar o pobre.
Não vai à Terra Santa em peregrinações,
Jamais toma lugar para fazer sermões.
Passa no mundo a pé, jamais anda de sege,
Nem sabe distinguir entre um pária e Carnegie.
Nunca aos concílios foi dar suas opiniões,
Nunca reza em latim, nunca fez procissões.
Jamais focalizou questões eleitorais,
E não vai desfolhar misérias nos jornais.
Entra no lupanar, não lhe estorva a política,
Não lhe pode abalar a opinião da crítica.
Nunca viu povoléus, nem divisa a ralé,
Nem problemas sociais, nem dogmas de fé!
Rejeita a excomunhão, jamais amaldiçoa,
Sabe somente que ama e também perdoa.
Sabe apenas que há pranto ao longo dos caminhos,
Que falta o amor e o pão, água e calor nos ninhos.
Corre, sem se cansar, desde o nascer da aurora,
Para buscar a dor da orfandade que chora.
Reconhece na treva a fonte dos pecados
E abraça com carinho os grandes torturados.
Sabe onde falta sol, onde escassa é a saúde,
Onde se mete a flor excelsa da virtude.
Olha sem se anojar, mágoas, misérias, dor,
Não conhece opinião, segue a Nosso Senhor!
Anda no Novo Mundo, corre por toda a Europa,
Mendigando uma luz e um bocado de sopa,
Luz para desfazer a baixeza de instintos,
Sopa para matar a fome dos famintos.
Foge da discussão, não está nas pelejas,
Nem no ambiente hostil e estreito das igrejas.
Sabe amar e querer flores e passarinhos,
Os mendigos e os reis, os palácios e os ninhos!
Tem abnegação. Sabe rasgar o peito,
E escrever com seu sangue a Justiça e o Direito!
Sabe o amor. Sabe o bem. A alma da caridade
Sabe endeusar a luz e adorar a verdade.
Vai a todo lugar, recôndito e diverso.
Não existe num mundo. Existe no Universo.
Poeta amigo, adeus! Há muito que me espera
A imensidão da dor. Procuro a pomba e a fera.
Tenho muito a prestar às ovelhas transviadas,
Que ouvem as tentações do beiral das estradas.
É preciso que eu vá visitar os covis,
Amparar o chacal, as aves e os reptis;
Necessário que eu siga em minhas romarias,
Procurando os pardais, melros e cotovias.
Vou subir as colinas e descer aos valados,
Caçando o pranto e a dor dos pobres desgraçados.
Chama-me o sofredor, chama-me a orfandade,
Necessário é lhes leve a vida e a liberdade.
Se tua alma quiser inda encontrar-me um dia,
Desce ao antro sem paz, donde foge a alegria;
Vai sem medo e receio à lôbrega mansarda,
Onde tarda a saúde e onde o conforto tarda.
Vai às roças louçãs nas alvoradas claras...
Estou com o lavrador na tarefa das searas,
Como do seu farnel, tomo o arado e a charrua,
Lá me ponho a lidar e de lá volto à rua,
Para guiar os maus, para guiar felizes;
Minha missão é amar os vermes e os países! . . .
Muito tempo passara e a noite inda era escura.
Noite de neve atroz, noite de desventura!
Foi-se a linda visão, dissipando as neblinas,
Repartindo o seu pão de carícias divinas.
Tudo voltou à paz silenciosa e calma! . . .
O inverso e o pesar; e aos olhos da minhalma,
O mundo famulento, a Terra, parecia
O planeta da sombra e a mansão da agonia!
Abomina o rumor que alimenta a vaidade;
Para o seu labutar, toma vestes singelas;
Para fazer o bem, corre o fecho às janelas.
Não lê Anacreonte e ignora Petrarcas;
Não reconhece a lei que emana dos monarcas.
Nunca soube notar, nem sabe discernir
Qual deles foi maior, se Goethe ou Shakespeare;
Se houve o pincel de Goya e o buril de Bordalo,
Se Calígula quis endeusar um cavalo;
Se o nome de Mafoma é o mesmo que Maomet,
Se houve no tempo antigo uma arca de Noé;
Se a Patti cantou bem pelas festas mundanas,
Se viveram maus reis, entre más soberanas;
Não entende Voltaire, nem ás literaturas,
Somente lhe interessa a sorte das criaturas.
Nunca soube enxergar se há Lutero e Jesuítas,
Sabe somente ver as dores infinitas.
Não vai a Roma ver o Papa que se cobre
De fulgentes milhões para humilhar o pobre.
Não vai à Terra Santa em peregrinações,
Jamais toma lugar para fazer sermões.
Passa no mundo a pé, jamais anda de sege,
Nem sabe distinguir entre um pária e Carnegie.
Nunca aos concílios foi dar suas opiniões,
Nunca reza em latim, nunca fez procissões.
Jamais focalizou questões eleitorais,
E não vai desfolhar misérias nos jornais.
Entra no lupanar, não lhe estorva a política,
Não lhe pode abalar a opinião da crítica.
Nunca viu povoléus, nem divisa a ralé,
Nem problemas sociais, nem dogmas de fé!
Rejeita a excomunhão, jamais amaldiçoa,
Sabe somente que ama e também perdoa.
Sabe apenas que há pranto ao longo dos caminhos,
Que falta o amor e o pão, água e calor nos ninhos.
Corre, sem se cansar, desde o nascer da aurora,
Para buscar a dor da orfandade que chora.
Reconhece na treva a fonte dos pecados
E abraça com carinho os grandes torturados.
Sabe onde falta sol, onde escassa é a saúde,
Onde se mete a flor excelsa da virtude.
Olha sem se anojar, mágoas, misérias, dor,
Não conhece opinião, segue a Nosso Senhor!
Anda no Novo Mundo, corre por toda a Europa,
Mendigando uma luz e um bocado de sopa,
Luz para desfazer a baixeza de instintos,
Sopa para matar a fome dos famintos.
Foge da discussão, não está nas pelejas,
Nem no ambiente hostil e estreito das igrejas.
Sabe amar e querer flores e passarinhos,
Os mendigos e os reis, os palácios e os ninhos!
Tem abnegação. Sabe rasgar o peito,
E escrever com seu sangue a Justiça e o Direito!
Sabe o amor. Sabe o bem. A alma da caridade
Sabe endeusar a luz e adorar a verdade.
Vai a todo lugar, recôndito e diverso.
Não existe num mundo. Existe no Universo.
Poeta amigo, adeus! Há muito que me espera
A imensidão da dor. Procuro a pomba e a fera.
Tenho muito a prestar às ovelhas transviadas,
Que ouvem as tentações do beiral das estradas.
É preciso que eu vá visitar os covis,
Amparar o chacal, as aves e os reptis;
Necessário que eu siga em minhas romarias,
Procurando os pardais, melros e cotovias.
Vou subir as colinas e descer aos valados,
Caçando o pranto e a dor dos pobres desgraçados.
Chama-me o sofredor, chama-me a orfandade,
Necessário é lhes leve a vida e a liberdade.
Se tua alma quiser inda encontrar-me um dia,
Desce ao antro sem paz, donde foge a alegria;
Vai sem medo e receio à lôbrega mansarda,
Onde tarda a saúde e onde o conforto tarda.
Vai às roças louçãs nas alvoradas claras...
Estou com o lavrador na tarefa das searas,
Como do seu farnel, tomo o arado e a charrua,
Lá me ponho a lidar e de lá volto à rua,
Para guiar os maus, para guiar felizes;
Minha missão é amar os vermes e os países! . . .
Muito tempo passara e a noite inda era escura.
Noite de neve atroz, noite de desventura!
Foi-se a linda visão, dissipando as neblinas,
Repartindo o seu pão de carícias divinas.
Tudo voltou à paz silenciosa e calma! . . .
O inverso e o pesar; e aos olhos da minhalma,
O mundo famulento, a Terra, parecia
O planeta da sombra e a mansão da agonia!
Guerra Junqueiro
PARNASO DE ALÉM-TÚMULO, FRANCISCO
CÂNDIDO XAVIER - 1931
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