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13 dezembro 2012

Nem Prata, Nem Ouro, Mas... - Amélia Rodrigues

 


nem  Prata,  Nem  Ouro,  Mas...




Pairavam, na memória dos discípulos de Jesus, o doce encantamento das experiências ao Seu lado e as cruas quão dilacerantes cenas da Tragédia.


Reconfortados pela Sua ressurreição, cantavam-lhes nas almas as festivas reminiscências dos reencontros com o Amigo redivivo, em exuberante vitalidade, que nunca mais desapareceria das suas existências.


O palco imenso da rude e ingrata Jerusalém, onde se desenrolaram os acontecimentos quase inexplicáveis que o Gólgota exibira em hediondez e o túmulo não silenciara em sombras, agora era novo cenário, no qual ocorrências diferentes e multiplicadas aconteciam.


As notícias do retorno do Mestre produziram diferentes reações, como seriam de esperar-se: alegria e curiosidade nas massas, medo e perversidade nos culpados.


Desejando silenciar a Voz da Verdade, tomaram-na mais potente; pretendendo matar o Cantor, fizeram-nO mais vivo e objetivando anular-Lhe a mensagem abriram mais amplo espaço para fazê-lA ouvida.


Uma sucessão de eventos ditosos impediu que o esquecimento geral sepultasse a melodia de libertação do Conquistador Celeste, o que sacudia continuamente a opinião nas praças e assustava os habitantes soezes dos palácios e dominadores do Templo.


Jesus prosseguia vivo na memória geral e atuante em toda parte.


Fora visto em diferentes lugares, e os testemunhos eram insuspeitos.


Uma aragem perfumada espraiava-se pelas diferentes regiões e nelas Ele retomava, dialogando, cumprindo o anúncio da sobrevivência.


Ninguém, nem nada pudera detê-lO.


O ódio, que envilece, também cega; igualmente intoxica, e alucina.


O assassinato do Justo não bastara para os criminosos, que, desejando fazê-lO um traidor, criaram um mártir, planejando maculá-lO, desnudaram-Lhe a pureza, e crendo aniquilá-lo, abriram-Lhe as portas fantásticas da imortalidade com que confirmava todos os ditos e feitos.

A orgulhosa e fria Jerusalém fora erguida com pompa, e o seu Templo, sobre o monte Moriá, constituía o máximo da glória de Israel, que se ufanava do Deus único, embora subjugada pela águia romana, em cujas garras o mundo conhecido se debatia e estertorava.


A política vil e a ganância arbitrária se misturavam nas disputas governamentais dos poderes civil e militar, entregues aos romanos, e religioso, nas mãos hábeis dos sacerdotes, na sua maioria, inescrupulosos.


O poder e a miséria mesclavam-se, trocavam de lugar, qual ocorre ainda hoje.


Os átrios e a entrada do Templo suntuoso, desafiador, majestoso e extravagante nas ornamentações com que Salomão o engrandecera, após a sua construção por Zorobabel, e posterior destruição, permaneciam repletos de miséria: a moral — dos cambistas e vendedores; a mental — dos alucinados; a orgânica — dos enfermos; a econômica —dos pobres; a ociosa — dos desocupados e aventureiros.


No seu interior, entre liturgias e cerimoniais, a face gelada da religião formal confundia o temor a Deus e o ódio aos romanos, a indiferença pelas criaturas e a astúcia para manter o domínio sobre as consciências adormecidas.


Os perfumes rituais exalavam dos incensórios e trípodes espalhados por todos os lados, confundindo-se com a sudorese do poviléu e suas chagas abertas.


O país, porém, e a cidade, acorriam com a assiduidade exigida aos cultos que ali se celebravam, conforme o calendário estabelecido. Além dos dias festivos, que celebravam o cativeiro ou a libertação, o sofrimento no deserto ou as concessões divinas, também se apresentavam os ofícios habituais expostos pela Lei.


Foi num dia comum, igual a outro qualquer, ante as atividades da cidade febril e a monotonia da realização religiosa, que Pedro e João, dando prosseguimento à obediência exigida pela Tradição, subiram ao Templo para a oração da hora nona.


Esfervilhavam nas suas mentes as recordações de Jesus e a sinfonia das Suas palavras marcava os movimentos e o pulsar dos sentidos e do coração.


Os infelizes desfilavam suas misérias e as dores exibiam suas exulcerações.


Quase à Porta Formosa, rica de adornos, entrada especial para o interior das imponentes edificações do Templo, um coxo de nascença que era trazido ali para mendigar, vendo que eles iam entrar, implorou-lhes que lhe dessem esmola.


A esmola sempre foi um recurso da indignidade humana, que afronta aquele que a recebe e toma mesquinho quem a oferta.


Jesus subverteu-a, oferecendo o amor que dignifica e que liberta.


Pedro, recordando-se do Divino Médico e Benfeitor, tomado de compaixão, disse ao solicitante:

— Olha para nós.


Supondo que ia receber as migalhas habituais, o mendigo dirigiu-lhe o olhar e foi surpreendido com a dádiva incomum: — Não tenho prata nem ouro para te dar — esclareceu o Apóstolo — mas o que eu tenho dou-te: em nome de Jesus, o Nazareno, anda!


­Aconteceu muito rápido. Relâmpago que fere a noite escura e cinde-a, os fatos atropelaram-se para espanto geral.


Tomando-o pela mão direita o levantou; logo os seus pés e artelhos se firmaram; e, dando um salto, pôs-se de pé e começou a andar.


Ato contínuo, cantando louvores, ele entrou no Templo com os dois, andando e exaltando Deus.


Como era natural, a estupefação tomou conta das pessoas, que conheciam o pedinte da Porta Formosa, agora recuperado. Tomadas de espanto, acorreram a informar-se do acontecido.


Instaurava-se em definitivo o amanhecer da Nova Era.


O arrependido das negações erguia-se para demonstrar que o amor é a terapia por excelência e a misericórdia é a companheira que balsamiza todas as chagas da vida e do coração.


A Humanidade possui prata e ouro em abundância e misérias morais em quantidade.


Poucos distribuem esses valores e perdem-se entre os celerados, os carentes morais do mundo.


Alguns se liberam dessa escravidão e repartem um pouco.


Os verdadeiros cristãos, no entanto, que não possuem os tesouros que se gastam, se roubam, se perdem, despertam disputas e paixões, oferecem o que têm, distendem e promovem a criatura, impulsionando-a para a felicidade, para caminhar por si mesma no rumo da libertação.


Não doam coisas — doam-se.


Não possuem moedas, mas amor.

Nem prata, nem ouro, mas...



 Amélia Rodrigues

Página psicografada pelo médium Divaldo P. Franco, 
em 25-7-1996, em Paramirim-BA
Revista Reformador - Março - 1998

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