“CURANDEIROS ENDEUSADOS”, CIRURGIÕES DO ALÉM – SOB OS NARCÓTICOS INSENSATOS DO COMÉRCIO
Após leitura de intrigante reportagem da
Revista “VEJA” , deliberamos reproduzir e contextualizar alguns trechos
da matéria publicada. Intitulada “A face humana do mais endeusado
médium brasileiro”(1) , a “VEJA” destacou a capacidade do famigerado
médium de atrair gente do mundo inteiro para um município próximo do
Distrito Federal. Afirma a reportagem que o “santificado médium” convive
o cotidiano sob o manto da contradição entre o “espírito e a carne”, a
“cura e a doença”, o “desprendimento e a vaidade”, os gestos de
“generosidade , os arroubos de cólera” e os negócios terrenos (2) [é
milionário], os amores [tem onze filhos com dez mulheres diferentes]. A
cada dois anos, o “curandeiro-endeusado do cerrado” troca a frota de
carros da família. O dele é um Mohave Kia, avaliado em 170 000 reais..”
(3)
Sabemos que a mediunidade não guarda relação com o desenvolvimento
moral, seu funcionamento independe das qualidades morais, assim como o
coração pulsa independentemente dos sentimentos bons ou maus que a
pessoa alimente. O fato é que os médiuns de tais “cirurgiões do além”
sempre seduzem grande número de fregueses, estabelecendo, não raro, com
a mediunidade, um negócio rendoso, uma polpuda fonte de captação de
dólares e reais. Para comprovar, consideremos o fato aqui comentado.
Chequemos o seguinte: o PIB – Produto Interno Bruto do município onde
“médium-feiticeiro do cerrado” comercializa disfarçada e generosamente a
“cirurgia transcendental” é de 15 milhões de reais ao ano. No mesmo
período, a instituição dirigida por tal “deus da mediunidade de cura” “
tem faturamento de ,no mínimo, 7,2 milhões de reais, levando-se em conta
exclusivamente o comércio de passiflora, preparado à base de maracujá,
produzido ali mesmo, vendido a 50 reais o frasco e receitado a uma
média de 3 000 visitantes semanais.” (4)
Por sérias razões não apreciamos e sequer indicamos esse tipo de
mediunidade, embora, excepcionalmente, acatemos os efeitos mediúnicos
atingidos por alguns poucos médiuns humildes e honestos. Infelizmente
alguns “deuses dos bisturis”, que promovem cirurgias com auxílio de
supostos médicos do além, conseguem robustecer suas contas bancárias.
Há algumas décadas Chico Xavier advertiu: “Creio que isto deva ser fruto
da educação da pessoa simplória, acreditar que, pagando bem, irá
conseguir curas espirituais. O verdadeiro Espiritismo não pode cobrar,
nem mesmo os remédios que receita aos doentes. Também sou contra essa
estória de meter instrumentos cortantes no corpo dos outros, sem ser
clínico. O médico estudou bastante anatomia, patologia e, por isso, está
habilitado a fazer uma cirurgia. Por que eu, sendo médium, vou agora
pegar uma faca e abrir o corpo de um cristão sem ser considerado um
criminoso?” (5)
O médium de Pedro Leopoldo disse que foi operado pelos médicos terrenos
cinco vezes, e vários médiuns lhe ofereceram seus serviços. “O Espírito
Emmanuel lhe repreendeu: Você deveria ter vergonha até em pensar em
receber esse tipo de cura, porque todos os outros doentes vertem sangue,
usam éter, tomam determinados remédios para melhorar. Como você
pretende se curar numa cadeira de balanço?”(6)
Do exposto, indagamos o seguinte: como ajuizarmos atualmente esses
“curandeiros e cirurgiões do além”? Chico Xavier quando estava para se
submeter a uma cirurgia, em 1968, de um tumor na próstata, Zé Arigó [que
não era espírita], mandou lhe avisar que estava pronto para realizar a
operação. Chico respondeu: “como é que eu ficaria diante de tanto
sofredor que me procura e que vai a caminho do bisturi, como o boi vai
para o matadouro? E eu, sabendo disso, vou querer facilidades? Eu tenho é
que operar [com médicos encarnados] como os outros, sofrendo com eles!
(7)
Por isso, o Espírito André Luiz advertiu para “aceitar o auxílio dos
missionários e obreiros da medicina terrena, não exigindo proteção e
responsabilidade exclusivos dos médicos desencarnados”. (8)
É deplorável os médiuns evocarem “Espíritos” para que lhes atendam como
“cirurgiões do além”, a fim de retalhar e perfurar corpos em nome de
“operações espirituais”; que lhes prescrevam placebos. É lamentável essa
tendência de subestimar a contribuição da medicina humana, entregando
nossas enfermidades aos Espíritos “curandeiros do além”
(preferencialmente com nome germânico ou hindu) para que “curem”
doenças. Precisamos “aproveitar a moléstia como período de lições,
sobretudo como tempo de aplicação de valores alusivos à convicção
religiosa. A enfermidade pode ser considerada por termômetro da fé”. (9)
Não desconhecemos a plausível intervenção dos desencarnados nos
processos terapêuticos na Terra, mas não se pode dar proeminência a esse
tipo de trabalho, na suposição de curas ou na pérfida ideia de
robustecimento do Espiritismo por esses meios. É urgente não abrirmos
mão da precaução! Ainda mesmo que o excesso em tudo seja prejudicial,
contudo, Kardec endossa nossa atitude dizendo que “em semelhante caso,
vale mais pecar por excesso de prudência do que por excesso de
confiança”. (10)
Acreditamos que as “terapias alternativas”, “curandeirismos” e a
fascinação na prática mediúnica, são fatores que têm desestabilizado o
plano [da união] entre os espíritas e da unidade doutrinária. (11) É
pouco significante que um “cirurgião do além-túmulo” faça desaparecer
anomalias inibidoras ou deformantes do corpo. Até porque o perispírito
conservará a patologia, que vai se projetar para reencarnações futuras,
exceto que nos ajustemos com a lei da justiça, cobrindo com amor a
“multidão de pecados” que carregamos. Jamais olvidemos que a cirurgia
transcendente pode até mesmo refrear temporariamente as doenças físicas,
mas o amor, trabalhando nos tecidos sutis da alma, cura, purifica e
redime para a eternidade.
Segundo Divaldo Franco “é uma temeridade transformar o centro espírita
em pequeno hospital para atendimento de todas as mazelas , isso é uma
loucura. É um desvio da finalidade da prática do Espiritismo. Podemos,
sim, fazer uma atividade de atendimento a doentes que são portadores de
problemas na área da saúde espiritual. Poderemos aplicar-lhes passes,
doar-lhes a água fluidificada, se for o caso, mas a função principal do
Centro Espírita é iluminar a consciência daqueles que o buscam.”(12)
Ressalta o tribuno baiano que certa vez o Espírito do “Dr. Fritz” quis
operar Chico Xavier, em 1965, através do médium não espírita Zé Arigó: –
“Eu te ponho bom desse olho. Faço-te a cirurgia agora! Pronunciou
Arigó e Chico Xavier respondeu-lhe: – “Não, isso é um karma. Eu sei que
o senhor pode consertar o meu olho. Mas como o karma continuará, vai
aparecer-me outra doença. Como eu já estou acostumado com essa, eu a
prefiro. Por que eu iria querer uma doença nova?”. (13)
Os Espíritos não estão a disposição para promoverem curas de patologias que não raro representam providências corretivas para nosso crescimento espiritual no buril expiatório.
Os Espíritos não estão a disposição para promoverem curas de patologias que não raro representam providências corretivas para nosso crescimento espiritual no buril expiatório.
Nesse sentido, os dirigentes de núcleos espíritas deveriam promover
bases de estudos e reflexões sobre as propostas filosóficas, científicas
e religiosas do Espiritismo ao invés de encetarem trabalhos espirituais
para os inócuos “curanderismos”.
Jorge Hessen
Referências bibliográficas:
(1) Disponível em http://vejabrasil.abril.com.br/brasilia/materia/joao-do-ceu-e-da-terra-508 acesso em 14/09/2013
(2) Suas economias vêm do garimpo. Ele é dono de fazendas na região, é
proprietário de apartamentos em Brasília, Goiânia, Anápolis e
Abadiânia.
(3) Disponível em http://vejabrasil.abril.com.br/brasilia/materia/joao-do-ceu-e-da-terra-508 acesso em 14/09/2013
(4) Idem
(5) Entrevista, concedida aos jornalistas goianos Batista Custódio —
Diário da Manhã — e Consuelo Nasser — Revista Presença —publicado no
jornal “Goiás Espírita” — órgão de divulgação da Federação Espírita do
Estado de Goiás — edição 284, de janeiro/fevereiro de 1988
(6) Idem
(7) Idem
(8) Vieira, Waldo. Conduta Espírita, Ditado pelo Espírito André Luiz, Cap.35. RJ: Editora FEB, 1977-5ª edição
(9) Idem
(10) Kardec, Allan. Viagem Espírita-1862, Brasília, Ed. Edicel, 2002, pág. 33
(11) Franco. Divaldo. Publicado no jornal Alavanca – abril/maio-2000
(12)Entrevista com Divaldo Franco publicado no jornal “A Gazeta do Iguaçu” em julho de 1997
(13)Idem
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