Muitos
espíritas acreditam que todos os homens e mulheres, após a
desencarnação, deverão passar pelo Umbral, região espiritual
caracterizada pelo sofrimento. Será isso verdade? Como nem sempre as
afirmações possuem base doutrinária segura, vamos neste estudo tentar
melhor compreender o processo da volta ao mundo espiritual. E para isso
nada melhor do que iniciar com Allan Kardec, o codificador do
Espiritismo, trazendo para nossas reflexões o capítulo 3 da 2ª parte de O
Livro dos Espíritos, “Retorno da Vida Corpórea à Vida Espiritual”.
Logo no início, a partir da questão 149, ficamos sabendo que a morte
nada mais é do que o retorno da Alma ao mundo espiritual, onde ela
mantém a sua individualidade e faz sua identificação através do
perispírito, ou corpo espiritual. Na questão 150b os benfeitores
espirituais da humanidade ensinam que levamos de volta o desejo de ir
para um mundo melhor, e quanto mais pura for a Alma mais ela estará
desligada das coisas materiais. Essa informação já provoca um
questionamento: se o indivíduo, homem ou mulher, que é a Alma imortal,
teve uma existência dedica ao bem e vivendo com simplicidade, levando
consigo a aspiração de conseguir elevação espiritual por isso, por que
haveria de passar, mesmo que por um minuto, nas zonas umbralinas?
Na questão 154 ficamos sabendo que a Alma nada sofre no momento da
separação do corpo, pois o processo é gradual.
Comentando esse processo,
na questão 155, temos a seguinte explicação de Kardec:
“Durante a vida o Espírito está ligado ao corpo pelo seu envoltório
material ou perispírito; a morte é apenas a destruição do corpo, e não
desse envoltório, que se separa do corpo quando cessa a vida orgânica. A
observação prova que no instante da morte o desprendimento do Espírito
não se completa subitamente; ele se opera gradualmente, com lentidão
variável, segundo os indivíduos.
Para uns é bastante rápido e pode
dizer-se que o momento da morte é também o da libertação, que se
verifica logo após. Noutros, porém, sobretudo naqueles cuja vida foi
toda material e sensual, o desprendimento é muito mais demorado, e dura
às vezes alguns dias, semanas e até mesmo meses, o que não implica a
existência no corpo de nenhuma vitalidade, nem a possibilidade de
retorno à vida, mas a simples persistência de uma afinidade entre o
corpo e o Espírito, afinidade que está sempre na razão da preponderância
que, durante a vida, o Espírito deu à matéria. É lógico admitir que
quanto mais o Espírito estiver identificado com a matéria, mais sofrerá
para separar-se dela. Por outro lado, a atividade intelectual e moral e a
elevação dos pensamentos operam um começo de desprendimento, mesmo
durante a vida corpórea, e quando a morte chega é quase instantânea”
Lembremos que Allan Kardec muito observou e estudou sobre a realidade da
vida após a morte, e suas pesquisas sempre tiveram o critério do método
científico, nada aceitando que não explicasse os fatos e não estivesse
de acordo com a universalidade do ensino dos Espíritos (ou Almas). Com
esses critérios ele esclarece que aquele/a que viveu no campo moral,
utilizando a inteligência para o bem, mantendo elevação de pensamento,
já mesmo no corpo inicia seu desprendimento, lançando-se à dimensão
espiritual com naturalidade e rapidez. Então, voltamos a indagar: por
que uma pessoa do bem, uma pessoa altruísta, que domina a si mesmo,
teria que passar pelo Umbral após a morte do corpo?
Será que Chico Xavier, Irmã Dulce, Madre Tereza de Calcutá, Francisco de
Assis, Bezerra de Menezes, Gandhi e tantos outros benfeitores
encarnados, homens e mulheres que semearam o bem e o amor, que
combateram em si mesmos os vícios e foram campeões de virtudes, ao
desencarnarem, tiveram que passar pelo Umbral? Se a resposta for
positiva, outra indagação: e a justiça divina, onde fica? Então nossos
esforços em sermos melhores, mais moralizados e espiritualizados não nos
isenta de sofrer, mesmo que pouco, na volta à condição plena de
Espírito? A razão nos diz que não pode ser assim, que a lei é de
evolução, e que os atos de caridade nos dão os méritos necessários para
sermos recebidos como vencedores de nós mesmos e do mundo. Deus não
poderia ser injusto para com seus filhos que, famosos ou não, cumpriram
integralmente com suas missões de melhorar a si mesmos e ao mundo.
Reproduzamos agora a questão 160: “O Espírito encontra imediatamente
aqueles que conheceu na Terra e que morreram antes dele? – Sim, segundo a
afeição que tenham mantido reciprocamente. Quase sempre eles o vêm
receber na sua volta ao mundo dos Espíritos, e o ajudam a libertar-se
das faixas da matéria. Vê também a muitos que havia perdido de vista
durante a passagem pela Terra; vê os que estão na erraticidade, bem como
os que se encontram encarnados”.
Tudo está mergulhado no amor, e a misericórdia, bondade e justiça
divinas não poderiam funcionar diferente: os que nos amam nos aguardam e
recebem do outro lado da vida. Afeições cultivados ao longo da
existência terrena granjeiam para nós sólidas amizades, outras tantas
afeições que vão nos amparar, motivo pelo qual podemos perguntar: Se
temos tantos que nos amam, que nos querem o bem, que nos são gratos, e
eles podendo (e podem) interceder a nosso favor, por que deveríamos
primeiro sofrer, para só depois podermos conviver com eles?
Pertubação espiritual
O que confunde muitos espíritas de pouco estudo, é o item, no mesmo
capítulo de O Livro dos Espíritos, sobre a Perturbação Espírita.
Entretanto, a leitura atenta das duas primeiras questões já nos
esclarece, não deixando margem a qualquer dúvida:
“163. Deixando o corpo, a alma tem imediata consciência de si mesma?
– Consciência imediata não é o termo: ela fica perturbada por algum tempo”.
“164. Todos os Espíritos experimentam, no mesmo grau e pelo mesmo tempo,
a perturbação que se segue à separação da alma e do corpo?
– Não, pois isso depende da sua elevação. Aquele que já está depurado se
reconhece quase imediatamente, porque se desprendeu da matéria durante a
vida corpórea, enquanto o homem carnal, cuja consciência não é pura,
conserva por muito mais tempo a impressão da matéria”.
Perturbação espiritual no após morte não significa passar pelo Umbral, e
sim aquele momento, de maior ou menor tempo, de maior ou menor
intensidade, de readquiri a própria consciência, o que vai depender da
elevação moral/espiritual da pessoa (Espírito), do seu maior ou menor
grau de apego à matéria. Temos, nesse sentido, o testemunho de milhares
de depoimentos dos Espíritos através da mediunidade, onde muitos
declaram que não se lembram do que lhes aconteceu, mas apenas que caíram
em sono mais ou menos profundo, vindo a despertar num posto de socorro
ou colônia espiritual, já atendidos e amparados.
Bem, de tudo o que pudemos refletir, podemos concluir que nem todo
Espírito, após a desencarnação, tem que passar, necessariamente, pelo
Umbral. Todos teremos, de forma mais leve ou não, a perturbação
espiritual, mas aquele que pratica o bem e ama o próximo, readquire sua
consciência de forma quase imediata, sendo recebido pelos seus amigos e
familiares, todos em júbilo, por poderem compartilhar com ele as
benesses da lei divina, que reconhece o justo do injusto, o bom do mau,
como só poderia acontecer em face da razão e da lógica.
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