A AMIZADE
Saint-Exupéry afirma que Num mundo que se faz deserto... é urgente encontrar amigos.
O extraordinário e oportuno conceito do inesquecível aviador e escritor francês soa-nos rico de atualidade. Nunca igual a hoje o ser humano vem caminhando tão a sós! O individualismo, que toma conta da cultura moderna, isolou-o de tal forma que a existência, a cada dia, faz-se mais difícil e obscurecida. Legiões deambulam nos seus próprios mundos emocionais de conflitos, medos e solidão. O instinto gregário impele-o em direção ao grupo, ao mesmo tempo que o de conservação da vida adverte-o para que se afaste e desconfie.
Afirma-se com certa razão que os amigos são sempre poucos, isto é, aqueles afetos que participam das nossas necessidades, que estão de braços abertos aguardando por nós, que renunciam e se encantam quando podem ser úteis.
Os jogos da competitividade e da usurpação impõem predominância, superioridade, presunção, num olvido inequívoco da temporalidade de todas as coisas terrestres. Daí asseverar o velho refrão: Nunca beberás a mesma água num córrego, o que podemos também dizer do tempo, que sempre passa e nunca se detém.
A amizade é uma das mais nobres conquistas morais do espírito humano, que faculta a agregação das pessoas, dando-lhes vigor e motivação para viver. Pode-se mesmo afirmar que uma existência sem amigos é destituída de sentido psicológico e de crescimento interior.
Na filosofia grega, narra-se a amizade existente entre Damon e Pítias, em pleno regime de Dionísio, de Siracusa. Eram discípulos de Pitágoras e o orador Cícero refere-se que o rei foi informado que Pítias, excelente orador, referia-se pessimamente à sua conduta. Exasperado, chamou os dois jovens amigos e explicou que não toleraria que o fato se repetisse. Inutilmente, porque a censura pública prosseguiu na palavra ardente do que protestava. Não tendo outra alternativa, chamou-o ao palácio e, depois de incriminá-lo, condenou-o à morte.
Com muita calma, Pítias aceitou a punição e pediu somente uns dias enquanto viajaria ao lar para despedir-se da família. A solicitação foi repelida com zombaria. Talvez cedesse se houvesse uma garantia. Nesse momento, Damon apresentou-se para ficar prisioneiro em seu lugar, e se ele não voltasse, a sua vida seria consumada.
Passou o tempo cedido e, na data aprazada, quando se preparava a forca para punir o substituto, que continuava confiando no amigo, ei-lo que chega, exausto, ferido, em tempo, explicando que o navio naufragou, que foi assaltado, mas chegou conforme prometido para salvar o amigo. O gesto foi tão grandioso, que Dionísio solicitou a ambos, humildemente, permissão para participar da sua amizade.
Seria encantador que a amizade voltasse à Terra.
Divaldo Pereira Franco
Artigo publicado no jornal A Tarde,
coluna Opinião, em 3.5.2018.
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