ABORTO E O PAPEL DA MÃE
Hoje, vivemos uma ampla discussão acerca do aborto, onde um dos pontos de debate é o direito da mãe em decidir por fazer o aborto. Porém, ninguém discute a respeito do direito que a mãe possui em escolher não fazer o aborto.
Geralmente, a gestante sofre pressões por parte da família, do companheiro e dos amigos. Ouvem coisas do tipo “você é louca de ter um filho acéfalo”, “não temos condições de ter outro filho”, “você vai morrer, sua maluca”, etc.
Como se não bastasse, ainda há a questão profissional, onde muitas empresas passam a negar ascensão de carreira das mães, quando não as demite após o intervalo de tempo estabelecido por lei.
A legislação brasileira afirma que a prática do aborto é crime, excetuando os casos de gestação que ponha a vida ou a saúde da mãe em risco, consequente de estupro e que gere fetos com anencefalia, punindo quem o pratica, quem o incentiva (com ou sem pressões) e a mãe, caso consente e tenha condições para isso.
A legislação também prevê, nos casos em que o aborto seja permitido, que a mãe precisa concordar com o aborto, tanto que exige que ela ou algum representante ou procurador legal obtenha a permissão jurídica para isso. Assim sendo, a lei abre espaço para que o aborto não seja realizado se assim for o desejo da gestante, cabendo punição a quem coagí-la ao contrário.
Não é difícil encontrarmos mulheres dispostas a muitos sacrifícios em nome dos seus filhos, inclusive o da própria vida. Nesse cenário, não é surpresa conhecermos casos em que a gestante negue o aborto, preferindo levar a gravidez a termo, ainda que isso implique no seu desencarne, preservando a vida do filho.
Essa disposição ao sacrifício apresentado por diversas mães, se comprova na pergunta 890 de O Livro dos Espíritos (Capítulo XI – Da Lei de Justiça, Amor e Caridade – Item Amor Materno e Filial):
“Será uma virtude o amor materno ou um sentimento instintivo comum aos homens e aos animais?
Resposta: “Uma e outra coisa. A Natureza deu à mãe o amor a seus filhos no interesse da conservação deles. No animal, porém, esse amor se limita às necessidades materiais; cessa quando desnecessários se tornam os cuidados. No homem, persiste pela vida inteira e comporta um devotamento e uma abnegação que são virtudes. Sobrevive mesmo à morte e acompanha o filho até no além-túmulo. Bem vedes que há nele coisa diversa do que há no amor do animal.”
Um ponto que se constitui mesmo num desafio a uma mulher, é abraçar com o mesmo carinho e abnegação a gestação consequente de um estupro. Porém, Jesus nos orienta, segundo o nosso irmão Mateus (5: 38 a 42):
“Aprendestes que foi dito: olho por olho e dente por dente. – Eu, porém, vos digo que não resistais ao mal que vos queiram fazer; que se alguém vos bater na face direita, lhe apresenteis também a outra; – e que se alguém quiser pleitear contra vós, para vos tomar a túnica, também lhe entregueis o manto; – e que se alguém vos obrigar a caminhar mil passos com ele, caminheis mais dois mil. – Dai àquele que vos pedir e não repilais aquele que vos queira tomar emprestado”.
Logo, acolher com carinho o fruto de uma violência é responder o mal com o bem, agindo de acordo com a Lei do Amor e Caridade.
Sobre a gestação que leva risco a existência materna, O Livro dos Espíritos, na sua pergunta 359 (Capítulo VII – Da Volta do Espírito à Vida Corporal – Ítem União da Alma e do Corpo), traz:
“Dado o caso que o nascimento da criança pusesse em perigo a vida da mãe dela, haverá crime em sacrificar-se a primeira para salvar a segunda?”
Resposta: “Preferível é se sacrifique o ser que ainda não existe a sacrificar-se o que já existe.”
Num primeiro momento, a mãe que nega o aborto, ainda que diante do risco de vida, segue na contra mão da recomendação dos espíritos superiores. Mas, atentando-se um pouco mais, verificamos que o vocábulo “preferível” leva ao entendimento de que a opção de negar o aborto em tal situação não constitui agressão a qualquer lei divina ou natural, não cabendo, daí, qualquer processo de endividamento moral.
É análogo ao que, a certo tempo atrás, vinha nas contas que chegavam nas nossas casas: “até a data de vencimento, pagável, preferencialmente, no banco X”. Significava que, até a data de vencimento, a conta poderia ser paga em qualquer outro banco que não fosse o X, não havendo, por essa decisão, nenhuma sanção ou multa.
Tal gesto poderia, ainda, ser visto como um ato suicida, uma vez que a gestante teria consciência de que poderia ter a sua existência abreviada. Porém, como são as intenções o que pesam nos nossos atos e sabendo que o desejo da mãe é o de garantir a vida do filho, não temos suicídio.
Consultando o livro O Céu e o Inferno, no seu Capítulo V (Suicidas), no caso O Pai e o Conscrito, temos a situação de um pai que sacrificou a própria vida para livrar o filho da convocação para a guerra. A respeito disso, o nosso irmão Luis explica:
“Este espírito (o pai) sofre justamente, pois lhe faltou a confiança em Deus, falta que é sempre punível. A punição seria maior e mais duradoura, se não houvera como atenuante o motivo louvável de evitar que o filho se expusesse à morte na guerra. Deus, que é justo e vê o fundo dos corações, não o pune senão de acordo com suas obras”.
Se o gesto desse pai não é classificado como suicídio, por semelhança, o gesto de uma mãe que nega o aborto, dando continuidade à gestação e, por consequência disso, vem a falecer, também não o é.
Além disso, uma mãe que opta por não abortar, mesmo ciente da possibilidade do seu desencarne, aposta na sobrevivência de ambos. Afinal, uma gravidez de risco não implica na morte certa da mãe, mas, sim, de chances disso acontecer. Desta forma, quem garante que ambos não sobrevivam? Trata-se de uma mulher que, muitas das vezes, deposita na fé a sua esperança na dupla sobrevivência e, havendo o entendimento das necessidades que nós mesmos provocamos com as nossas decisões infelizes no pretérito, percebe que, uma eventual não sobrevivência constitui em lição que havia a necessidade de aprender.
André Luiz Gadelha
Fonte:
Referências:
→ Artigo 128 do Código Penal Brasileiro – Decreto Lei 2848/40
→ Leonardo da Costa Gobira – Obstetra e Ginecologista do Exército Brasileiro – Manaus – AM
→ Deise Calixto – Advogada – São Pedro da Aldeia – RJ
→ O Livro dos Espíritos – Allan Kardec
→ O Céu e o Inferno – Allan Kardec
→ O Evangelho Segundo o Espiritismo – Allan Kardec
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