INTOLERÂNCIA PARA INTOLERANTES
Emanuel Lévinas escreveu uma vez que “todo rosto é um enigma” e que o respeito pelo divino que se esconde no rosto do outro deve ser um imperativo ético intransponível.
Para quem foi vítima do ódio racial do nacional socialismo, o apelo a tolerância e a luta pela convivência pacífica das diversidades e das alteridades pode realmente ser a única maneira possível de se resistir as misérias do mundo.
Esta parece ser (nestes anos pós-modernos), a grande oração da intelectualidade de esquerda, que repete como um mantra a palavra “tolerância”. Temos que amar o inimigo, dar a outra face, perdoar as ofensas cometidas e encontrar, na face do outro, o caminho que aproxima a vítima de seu carrasco na busca de uma conciliação social que apazigue o sofrimento dos povos, das classes, das culturas.
Essa cantilena tem lá suas razões ideológicas e deve ser posta entre parênteses quando as condições de temperatura e pressão política dão sinal de que os antigos fantasmas de tempos sombrios ameaçam nos assombrar, com insuspeitas ressurreições.
Falo da prisão, amigo velho, na semana da morte do grande Chico Anysio, dos blogueiros fascistas que ameaçavam fuzilar jovens universitários do curso de ciências sociais em uma casa frequentada por alunos da UNB.
Hannah Arendt já escreveu que: “compreender não é perdoar”. Essa é uma grande verdade para a arena política. Os esforços de Arendt em entender as origens do totalitarismo foram muito providenciais para a direita do pós-guerra. Ela ajudou os liberais democratas a se libertar do peso do fascismo (o resíduo da direita após a crise do entre guerras).
A grande força de seu pensamento estava justamente em demonstrar que a experiência totalitária não surge fruto da loucura de dois ou três tarados fardados com insígnias de magia ritual. O fascismo emerge de sistemas de poder que usaram as diferenças raciais, étnicas ou de classe como catalizadores do rancor das massas. É por isso que o combate à lógica que fomenta esses delírios de violência e exclusão precisam ser vigiados de perto, com muito rigor e cuidado.
Vivemos um tempo fértil para o retorno dessas práticas de extermínio e violência. A sensação de insegurança, aliada a névoa de crise e a descrença cada vez mais forte nas instituições da democracia liberal produz um território muito fértil para que os sonhos dos velhos fascistas voltem a nos assombrar, dessa vez com a ferramenta do terror e o delírio que mistura elementos sexuais, religiosos, ideológicos; unidos às mitologias regionalistas que separam o Brasil do norte do Brasil do sul.
A ideia de que o respeito pelo outro é o axioma ético mais essencial pode ser bom para delimitar uma fronteira, um limite para o tolerável na arena política. Mas quando esse limite se quebra e a intolerância se torna perigosa, temos que combater outro tipo de combate.
Um combate que não pode seguir as regras da tolerância que nós mesmos buscamos defender. O paradoxo está no fato de que, na arena política, não há como ser tolerante com os intolerantes.
Há um proverbio judaico que diz: “quando alguém salva um homem da morte está salvando toda a humanidade”. Hoje, nesse tempo de fantasmas virtuais é preciso reescrever esse ditado porque não há mais espaço, depois de Treblinka e Auschwitz, de se ter somente a disposição de salvar as víti
mas. É preciso também combater implacavelmente os seus carrascos, para que as lições da história não retornem como tragédia.
Pablo Capistrano
Escritor, professor de filosofia do IFRN
www.pablocapistrano.com.br
twitter.com/@pablocapistrano
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