O INABITUAL
Para assegurar que há fatos anormais, maravilhosos sob o ponto de vista da ciência atual, invocarei em primeiro lugar o argumento de autoridade. Em favor da nova ciência, há de um lado certos sábios e do outro certo público.
Em primeira lugar falarei dos sábios.
É facílimo dizer que se enganaram e que foram enganados. É uma objeção que está à altura do primeiro sabichão que aparece. Quando o grande William Crookes relata ter visto, em seu laboratório, Katie King, fantasma capaz de se mover, de respirar ao lado de sua médium, Florence Cook, o dito sabichão pode erguer os ombros e dizer: “É impossível. O bom senso faz-me afirmar que Crookes foi vítima de uma ilusão. Crookes é um imbecil.” Mas esse pobre sabichão não descobriu nem a matéria radiante, nem o tálio, nem as ampolas que transmitem a luz elétrica. E assim, minha escolha está feita. Se o sabichão disser que Crookes é um farsante ou um louco, serei eu quem sacudirá os ombros. E pouco importa que, rebocados pelo sabichão, uma multidão de jornalistas — que nada viram, nem nada aprofundaram, nem nada estudaram — diga que a opinião de Crookes de nada vale. Não me admirarei.
Se Crookes ainda estivesse só! Mas não! Há uma nobre plêiade de sábios (grandes sábios) que presenciaram esses fenômenos extraordinários. Em lugar de fazer essa simples suposição que eles presenciaram do inabitual, poderei considerá-los cretinos ou mentirosos?
Stainton Moses, um homem de uma piedade rara, de elevada moralidade, com seu amigo Speer e Sra. Speer, anotou diariamente, durante dez anos, fenômenos que ele observava consigo próprio. E isso apesar dos riscos que sua audácia o fazia correr.
Os fenômenos produzidos por Eusapia Paladino foram afirmados e confirmados por toda uma série de ilustres experimentadores, por Enrico Morselli, um dos mais sábios psiquiatras da ltália, por Filippo Bottazzi, Foá Herlitzka, professores de Fisiologia nas Universidades italianas, pelo célebre Lombroso, por sir Oliver Lodge, por Ochorowicz, por Fr. Meyers, por Camilie Flammarion, por Schrenck-Notzing, por Albert de Rochas. O testemunho de um só desses grandes homens seria suficiente. Então, quando eles se reúnem numa mesma afirmação, irei eu dar ouvidos às criticas infantís que se resumem quase todas nesta pequena frase ingênua: “Não é possível”?
E por que não é possível?
Unicamente porque não é habitual.
Na Alemanha, o grande matemático Zöllner presenciou, com Slade, fenômenos realmente estranhos.
Meu distinto amigo, Dr. Gibier, Diretor do Instituto Pasteur de Nova York, constatou fenômenos semelhantes com a Sra. Salmon.
Geley obteve com Kluski surpreendentes modelagens que toda a habilidade mecânica dos modeladores não poderiam reproduzir e que só se explicam pela desmaterialização de formas moldadas.
Quanto aos fenômenos mentais de adivinhação, de leitura de pensamento, de premonição, citarei os nomes de William James, de Sir Oliver Lodge, da Sra. Sidgwíck, de Schrenck-Notzing, de Frederic Myers, de Osty, de Flammarion. No decurso deste livro farei referências de algumas de suas constatações, mas desde já afirmo que a autoridade desses sábios é suficiente para, a priori, fazer-nos admitir que eles não se enganaram completamente.
Repito: trata-se de homens versados em ciências experimentais, tendo o espírito constantemente alerta para com a série de todas as fraudes possíveis.
As objeções dos jornalistas de pasquins que negam a realidade dos fatos são da mesma espécie que as objeções feitas à realidade dos meteoritos. O grande Lavoisier ousou dizer: “Não há pedras que caem do céu porque no céu não existem pedras”. Boucher de Perthes chamou a atenção sobre o sílex, que ele dizia ter sido talhado por homens primitivos. Durante dez anos ele foi ridicularizado, como ridicularizaram aqueles que julgavam possível o voo de máquinas mais pesadas que o ar. Denis Papin construiu um barco a vapor. Foram necessários mais de cem anos para que essa invenção fosse adaptada à prática náutica.
As novas verdades, estabelecidas pelos grandes sábios, custam a ser aceitas pelo público. É necessário muito tempo para que uma descoberta científica seja aceita. Que será então quando se tratar de fatos inabituais? Toda constatação de um fato novo, a princípio, parece inverossímil. Então, quando é inabitual, não podendo ser repetido à vontade, é negado, apesar das provas que se apresentam. Sim! É negado obstinadamente, porque nada é tão fácil quanto uma negativa.
Voltemos à Metapsíquica.
Um primeiro fato é evidente: é que todas as vezes que um sábio assentiu em estudar de maneira aprofundada esses fenômenos, chamados outrora ocultos, adquiriu a convicção da existência desses fenômenos. Na história da Metapsíquica, não conheço somente um caso, não somente um, de um observador consciencioso que, após dois anos de estudos, tenha concluído por uma negativa.
Dois anos de estudos, não é realmente muito, porque não é suficiente para fazer (com ideias preconcebidas e a intenção determinada de negar) duas ou três experiências prematuras e incompletas.
Portanto, dou uma importância primordial a esta constatação que jamais, até o momento presente, um experimentador perseverante, tendo feito pacientemente uma trintena de experiências (pelo menos), com dois ou três médiuns julgados autênticos por observadores competentes, tenha finalizado por uma negativa.
Uma objeção ridícula frequentemente nos é apresentada. Os negadores, quando consentem com outra coisa que motejos, pretendem que nós, metapsiquistas, empreguemos todos os nossos esforços para provar não que esses fatos existem, mas que eles não existem. Nossa constante preocupação é procurar a fraude possível, o erro sistemático. Pensar que queremos encontrar fenômenos sobrenaturais ou paranormais, é loucamente absurdo. Não temos mais que uma preocupação: é a de descobrir os embustes. Qualquer que seja o fantasma que se nos apresente, não temos outro receio que o de ser ludibriado por um indivíduo real, um odioso impostor.
Todos aqueles que publicaram as suas experiências sabiam que por essa publicação comprometiam seu renome científico, expondo-se às zombarias de seus colegas e aos sarcasmos do povo. Não é, pois, com satisfação que se entra nessa batalha, onde não há mais que golpes a receber. É porque nos limitamos à honra de defender a verdade, por mais arriscada que ela possa ser.
Não imaginam as angústias interiores por que passa um sábio assim que se lhe apresenta um fenômeno extraordinário, anormal, cruelmente inverossímil, que parece estar em contradição evidente com tudo quanto ele conhece, com tudo que seus mestres lhe ensinaram, com tudo que ele próprio ensinou. Poderá um jornalista adivinhar o que pensa um fisiologista quando presencia (como eu presenciei), uma expansão sair do corpo do médium, prolongar-se formando duas pernas estranhas que se fixam no solo, emitindo depois mais alguns prolongamentos que tomam aos poucos a forma de mão, da qual se distinguem vagamente os ossos, sentindo a sua pressão nos joelhos? É necessário coragem para crer nisso! E é necessário muito mais coragem para relatar.
Pensais por exemplo que Crookes, Oliver Lodge, Schrenck-Notzing, de Rochas, Flammarion, Lombroso ignoravam que seriam olhados com desprezo por ousarem dizer que o inverossímil e o absurdo são muitas vezes verdadeiros?
Se tivemos a audácia de falar é porque estávamos absolutamente certos de nossa experimentação, muito mais certos que inúmeros sábios estão frequentemente quando sustentam um fato verdadeiro, mas novo.
Vitam impendere veto. Essa é a nossa divisa.
Faço um resumo:
1 – Os fatos metapsíquicos foram afirmados por uma trintena de sábios de honorabilidade absoluta, após provas anteriormente adquiridas por uma irrepreensível competência experimental.
2 — Empregaram todos os esforços para não admitir o extraordinário.
3 – Não receiam comprometer-se, perder-se, ao publicarem o resultado de suas experimentações.
Eis o que se pode dizer dos sábios que fizeram experimentações. Mas não há somente os sábios, há também um numeroso público, de cultura intelectual não descuidada, público cujo número e atividade crescem cada dia. Estarei longe da verdade dizendo que há, tanto na Europa como nas duas Américas, duzentas sociedades psíquicas, sejam espíritas, sejam metapsiquicas, particulares ou não, e pelo menos cinquenta jornais de pesquisas psíquicas. Sei bem que esses jornais se entregam muitas vezes a lucubrações teóricas e místicas sem valor, enfadonhamente embaraçantes, cruelmente indigestas. Do mesmo modo, fatos curiosos são relatados, cuja documentação é muitas vezes nula ou medíocre. Mas para que se decidam a publicá-los é mister que se tenham solidamente convencido de sua realidade.
Cada um dos membros de cada uma dessas sociedades está absolutamente certo de que o paranormal existe. É, pois, qualquer coisa que deve ser levada em consideração, em vista da convicção raciocinada de trinta mil pessoas judiciosas.
Elas estão convictas, não como se está de uma crença religiosa. Não é uma fé mais ou menos cega, como a dos católicos, dos protestantes, dos muçulmanos, é uma fé científica, pessoal, apoiando-se em observações, porque realmente, posto que essas observações sejam frequentemente bem imperfeitas, essas pessoas observaram, viram, tocaram, controlaram, ouviram, ou pelo menos pensaram ver, tocar, ouvir, controlar.
Ao lado dos jornais há livros dos quais alguns são notáveis. Somente a bibliografia desses livros e os artigos de Espiritismo ou de metapsiquismo seria de duzentas páginas, talvez ainda mais. É uma biblioteca muito volumosa, mesmo só tomando os trabalhos escritos desde há meio século (ver por exemplo o último catálogo de Rider, em Londres).
Recuso-me absolutamente a crer que todos esses livros, todos esses jornais, são uma coleção de mentiras e de equívocos. Que haja algumas mentiras, muitos equívocos, e mais ainda, ilusões, é absolutamente positivo. Mas Jeová teria perdoado a Gomorra se lá houvesse um único justo e há certamente mais de um escrito verídico nas relações que nos são dadas em abundância.
A todos esses escritos, a todos esses fatos confirmados por sábios ilustres, expostos por pessoas de boa fé, trazem sempre a mesma objeção: “É contrária ao bom senso, é absurdo!” Não sei que sábio ousou dizer: “Não quero assistir à experiência que me propõe, porque já estou certo de que, se eu cresse, ela me induziria em um erro formidável”. Oh! que terrível cegueira recusar com antecedência uma experimentação nova. É necessária uma fé inabalável, injustificável, entretanto, nos miseráveis dados atuais de nossos sentidos e de nossas ciências para negar qualquer coisa a priori.
Tanto mais que nada é contraditório, os fenômenos são novos e inabituais, eles nada destróem. Não é o absurdo, é o desconhecido ainda.
O bom-senso de 1933 não é o mesmo de 1833.
Em 1833 quem poderia supor que se colocariam todas as doenças em pequenos frascos, que se poderia fazer as mais graves operações sem que o operado sentisse a menor dor, que máquinas carregando cinco mil quilos iriam, em menos de duas horas, pelos ares de Londres a Paris, que se ouviria em Paris, em Berlim ou em Roma, um discurso pronunciado, ou um concerto, realizado em Nova York, que se reproduziria a imagem, não somente das pessoas, mais ainda de seus movimentos etc...?
É todo um mundo que os acadêmicos de 1833 teriam considerado farsa ou feitiçaria, e teriam, em nome do mais elementar bom-senso (de 1833), repudiado essas extravagâncias.
Abordaremos, portanto, com risco de ofender o bom-senso dos acadêmicos de 1933, o inacreditável, o inabitual e absurdo.
Charles Richet
Livro: A Grande Esperança
LAKE – Livraria Allan Kardec Editora
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