ATIRE-LHE A PRIMEIRA PEDRA
As três principais
religiões abraâmicas apresentam algumas similaridades. Por questões
óbvias elas são monoteístas e concebem um Deus com atributos
antropomórficos. As características de suas narrativas partilham
relativamente os mesmos valores de histórias e lugares, embora os
apresentem com desempenhos, expectativas e significados bastantes
dessemelhantes. Há extremas contendas internas entre os abraâmicos com
base nas particularidades doutrinais e suas práticas, a exemplo do
tradicional cristianismo, desmembrado em três segmentos (católico,
ortodoxo e protestante). O cognominado islã tem dois ramos (sunitas e
xiitas), cada um tendo várias denominações. E o quase eclético judaísmo contemporâneo se apresenta também sob várias denominações (ortodoxos,
conservadores e reformistas).
Quase sempre, em vários locais as
diferentes religiões abraâmicas denunciam um conflito amargo entre si
através de intolerância, guerra e terrorismo, com muito derramamento de
sangue humano. “No início do século XXI havia 3,8 bilhões de seguidores
das três principais religiões abraâmicas e estima-se que 54% da
população mundial se considere adepta de uma dessas religiões.”(1)Nesse
panorama nefasto, ainda hoje chegou-nos a notícia de que jihadistas(2) ultrarradicais
da província setentrional síria de Raqa condenaram e mataram através do
apedrejamento em uma praça pública (tradição mosaica), uma mulher de
Tabaqa, sob a acusação de adultério, conforme afirmou o Observatório
Sírio de Direitos Humanos (OSDH).
Infelizmente observa-se aqui uma prática
consoante a tradição abraâmica: consta no Decálogo a lei do “não
adulterarás”(3), motivo pelo qual o Velho e Novo Testamentos estão
superlotados de advertências sobre o tema. Consta em Êxodos, em
Levítico, nas narrativas de Jeremias, de Ezequiel, de Oséias e
outros, e são assinaladas nos Evangelhos, citações sobre o assunto.
Mateus expõe: “Vocês ouviram o que foi dito: ‘Não adulterarás’. Mas eu
digo: Qualquer que olhar para uma mulher e desejá-la, já cometeu
adultério com ela no seu coração”.(4) Marcos anota: “Ele respondeu: Todo
aquele que se divorciar de sua mulher e se casar com outra mulher,
estará cometendo adultério contra ela. E, se ela se divorciar de seu
marido e se casar com outro homem, estará cometendo adultério”.(5) Um
homem comete adultério com a mulher do seu próximo, outro contamina
vergonhosamente a sua nora, e outro desonra a sua irmã, filha de seu
próprio pai”.(6)
Nas Velhas Escrituras, constam em
Provérbios: “Mas o homem que comete adultério não tem juízo; todo aquele
que assim procede a si mesmo se destrói. Gazela amorosa, corça
graciosa; que os seios de sua esposa sempre o fartem de prazer, e sempre
o embriaguem os carinhos dela”.(7) Nas narrativas dos três profetas
lemos “Por que deveria eu o perdoar?” “Seus filhos me abandonaram e
juraram por aqueles que não são deuses. Embora eu tenha suprido as suas
necessidades, eles cometeram adultério e frequentaram as casas de
prostituição”.(8) “E entre os profetas de Jerusalém vi algo horrível:
eles cometem adultério e vivem uma mentira. Encorajam os que praticam o
mal, para que nenhum deles se converta de sua impiedade. Para mim são
todos como Sodoma; o povo de Jerusalém é como Gomorra.”(9) ”Você, mulher
adúltera! Prefere estranhos ao seu próprio marido! (…) Eu a condenarei
ao castigo determinado para mulheres que cometem adultério e que
derramam sangue; trarei sobre você a vingança de sangue da minha ira e
da indignação que o meu ciúme provoca.”.(10) “Quando o Senhor
começou a falar por meio de Oseias, disse-lhe: “Vá, tome uma mulher
adúltera e filhos da infidelidade, porque a nação é culpada do mais
vergonhoso adultério por afastar-se do Senhor”.(11)
Rememoremos Jesus. Nos idos apostólicos
Ele, diante de uma adúltera, foi questionado: “Mestre, esta mulher foi
surpreendida em ato de adultério. Na Lei, Moisés nos ordena apedrejar
tais mulheres. E o senhor, que diz? ”Eles estavam usando essa pergunta
como armadilha, a fim de terem uma base para acusá-lo. Mas Jesus
inclinou-se e começou a escrever no chão com o dedo. Visto que
continuavam a interrogá-lo, ele se levantou e lhes disse: “Se algum de
vocês estiver sem pecado, seja o primeiro a atirar pedra nela”.
Inclinou-se novamente e continuou escrevendo no chão. Os que o ouviram
foram saindo, um de cada vez, começando pelos mais velhos. Jesus ficou
só, com a mulher em pé diante dele. Então Jesus pôs-se em pé e
perguntou-lhe: “Mulher, onde estão eles? Ninguém a condenou?”. ”Ninguém,
Senhor”, disse ela. Declarou Jesus: “Eu também não a condeno. Agora vá e
abandone sua vida de pecado”.(12)
No episódio da adúltera diante do Messias
há um fato relevante: onde estava o adúltero? Por que então só a mulher
deveria ser condenada e apedrejada? Não deveriam ambos, homem e
mulher, sofrer a mesma pena, segundo a lei de Moisés? Pois o Profeta do
Sinai ordenou, no caso de adultério, a condenação tanto do homem
quanto da mulher(13); logo, ambos deveriam ser condenados, mas com o
passar do tempo, a punição passou a ser aplicada apenas à mulher, tendo
em vista tratar-se de uma sociedade patriarcal e machista.
O adultério, como “ato de se relacionar
com terceiro na constância do casamento”, é considerado uma grave
violação dos deveres conjugais por quase todas as civilizações de quase
toda a história, sendo que algumas sociedades puniam gravemente o
cônjuge adúltero e/ou a pessoa com quem praticava o ato, sendo ambos
passíveis de morte. Com o passar do tempo a prática de adultério passou a
ser criminalmente mais grave quando praticado pela mulher em relação ao
homem. Hoje em dia, embora tal discriminação não exista nas leis dos
países ocidentais, ou tenha perdido sua eficácia sociológica, na prática
do dia a dia a conduta continua a ser vista de forma diferenciada,
dependendo do gênero de quem realiza o adultério. Hoje essa violação
ainda é punível severamente, inclusive com a pena de morte, como ocorre
em algumas partes do mundo, geralmente nos grupos muçulmanos, como
fizeram os jihadistas. Nos países do ocidente a punição se dá muito mais
brandamente, embora ainda se constitua em causa eficiente para o
divórcio ou rescisão do casamento.
Diz o Espirito Emmanuel o seguinte: “qual
ocorre aos flagelos da guerra, da pirataria, da violência e da
escravidão que acompanham a comunidade terrestre, há milênios,
diluindo-se, muito pouco a pouco, o adultério (…) ainda permanece, na
Terra, por instrumento de prova e expiação, destinados naturalmente a
desaparecer, na equação dos direitos do homem e da mulher, que se
harmonizarão pelo mesmo peso, na balança do progresso e da vida”.(14)
Profere também o mentor de Chico Xavier
que “tantos foram os desvarios dos Espíritos em evolução no planeta –
espíritos entre os quais muitos raros de nós, companheiros da Terra, não
nos achamos incluídos – que decerto Jesus, personalizando na mulher
sofredora a família humana, pronunciou a inesquecível sentença,
convocando os homens, supostamente puros em matéria de sexualidade, a
lançarem sobre a companheira infeliz a primeira pedra”(15)
Diante daquela adúltera, conforme narra o
evangelista, recordemos que Jesus era o único que naquela circunstância
possuía autoridade moral para julgar. No entanto não julgou e não
condenou, nem disse se deveriam apedrejá-la ou não. Jesus apenas
aguardou e pronunciou: “Atire-lhe a primeira pedra aquele que estiver
sem pecado”. Esta sentença faz da indulgência um dever para nós outros,
porque ninguém há que não necessite, para si próprio, de indulgência.
Ela nos ensina que não devemos julgar com mais severidade os outros do
que nos julgamos a nós mesmos, nem condenar em outrem aquilo de que nos
absolvemos. Antes de condenarmos a alguém uma “falta”, vejamos se a
mesma censura não nos pode ser feita”.(16)
Notas e referências bibliográficas:
- Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Religi%C3%B5es_abra%C3%A2micas acessado em 16/09/2014
- Terroristas religiosos cometido por extremistas islâmicos com o propósito de atingir variadas metas políticas e/ou religiosas.
- Êxodo 20:14
- Mateus 5:27-28
- Marcos 10:11-12
- Ezequiel 22:11
- Provérbios 5:19-20
- Jeremias 5:7
- Jeremias 23:14
- Ezequiel 16: 32-38
- Oséias 1:2
- João 8:4-11
- “Se um homem cometer adultério com a mulher de outro homem, com a mulher do seu próximo, tanto o adúltero quanto a adúltera terão que ser executados”. Levítico 20:10
- Xavier, Francisco Cândido. Vida e Sexo – Cap. “Adultério e prostituição”, ditado pelo espírito Emmanuel, RJ: Ed. FEB, 2001
- Xavier, Francisco Cândido. Vida e Sexo – Cap. “Adultério e prostituição”, ditado pelo espírito Emmanuel, RJ: Ed. FEB, 2001
- Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo, Capítulo X, item 13, RJ: Ed FEB, 1999
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