AVALIAÇÃO
Um pouco de
realismo pragmático, de objetivismo ou objetividade, não fazem mal a
ninguém, são parte da racionalidade, que só ajuda em toda e qualquer
situação.
Puxar pela razão, deixar as emoções de lado e, com a
cabeça fria, os pés no chão, bem lucidamente, agir — eis uma receita que
serve para tudo. Inclusive para o movimento espírita.
Estamos
diante de um fato consumado, um perfeito “já era”, aquela situação em
que nossas avós diziam — “o que não tem remédio, remediado está”. O
movimento espírita em sua maioria fez uma decidida opção pela
religiosidade, mandando às favas tudo que Kardec disse a respeito. A
minoria que não fez isso é muito pequena, não tem como e não pode sequer
pretender mudar nada: trata-se de uma manifestação de livre-arbítrio de
pessoas conscientes, maiores, vacinadas, que já sabem contar até dez.
Por que teríamos nós que perder tempo com quem já se decidiu claramente
pelo que quer? “Fi-lo porque qui-lo”.
É a hora de entender que
nada mais há a fazer. Tudo que precisava ser dito, ser informado,
divulgado, colocado como argumentação e orientação, já foi feito. Vai já
para uma década a campanha de revelação feita por confrades sinceros e
dedicados, que não fizeram segredo nenhum e em linguagem muito clara
puseram ao alcance de todo mundo a informação-bomba: para Kardec, o
Espiritismo nunca foi uma religião; essa ideia foi inventada pela Igreja
e Kardec combateu-a, repeliu-a.
Não é mais hora de continuar
polemizando e batalhando por nada mais: os espíritas estão divididos
entre religiosos e não-religiosos e cada facção deve assumir seu próprio
destino e prepara-se para seguirem assim, separados, procurando salvar
apenas um relacionamento pacífico, harmonioso, solidário, entre si.
Afinal, somos civilizados.
O problema só em parte é de
informação. A revelação de que Kardec não aceitava a ideia de uma
“religião espírita” nunca foi secreta, reservada, sigilosa ou escondida.
Esteve sempre onde está: no bojo da “Revista Espírita”, em muitos
livros da Codificação. Só não topou com esses textos quem é alienado,
não lê ou se lê o faz mal, pela metade, cabeceando de sono, apenas por
dever, tropeçando nas palavras, sem analisar.
Kardec foi bem
claro, bem explícito: “O Espiritismo não é uma religião. Do contrário,
teria culto, templos, ministros. Os fatos protestam contra essa
qualificação”. “É uma doutrina filosófica que tem consequências
religiosas, mas em absoluto não constituiu uma religião, pois não tem
ritos, nem culto, templo e ninguém entre os adeptos tomou ou recebeu o
grau de ministro ou grão ministro. A crítica é que inventou isso”.
Então
a questão não é tanto de revelar, informar, divulgar: os textos estão
aí mesmo, é só acessá-los. A questão é bem outra: é de amadurecimento, é
de preferência, de opção.
A maioria esmagadora das pessoas
entrou para o Espiritismo, mas não deixou ainda, efetivamente, o
Espiritismo entrar na cabeça delas. Ao mesmo tempo, elas saíram das
igrejas, mas não saíram ainda da religião.
Com esse quadro,
compreendemos que não dá mesmo para acontecer outra coisa senão isso que
já ocorreu: quem é religioso por convicção, por limitação, não está a
fim de pensar em coisa diferente disso e sente-se no Espiritismo como se
estivesse em apenas “uma outra religião”.
Pode chover Kardec na
cabeça delas que não adiantará nada: um bloqueio intelectual impedirá
fatalmente que pensem algo diferente do que se autolimitaram pensar e só
entenderão o movimento por essa ótica autofabricada — como uma
religião, a “sua religião”, a religião delas, as pessoas que assumiram
isso. Isso, na verdade, bem pouca diferença faz: pensar o Espiritismo
assim ou assado, pouco o afeta, realmente; ele continua essencialmente
como sempre foi, tal como produzido por Kardec — como ciência e
filosofia. A opinião que fazem dele tem muitíssimo pouco efeito real
sobre sua natureza: durante milênios acreditou-se que o sol rodava em
redor da terra e nem por isso o sol deixou de ser o que é.
Mas há
um subproduto indesejável desse fato: a predominância dos religiosos, o
predomínio que eles têm, ocupando todos os espaços do movimento, gera
um quadro muito claro de afastamento, barramento, impedimento de quem
não pensa religiosamente. Quem não afina com a maioria vai para a cerca,
numa eterna “regra-três” e desse ostracismo não se volta mais. Pode ser
sócio, ser lembrado para soltar dinheiro nas listas, comprar rifas etc;
mas aproveitado, considerado, convidado para cargos, chamado para
colaborar, ser ouvido e cheirado — isso nunquinha.
O
espírito religioso é separatista, é exclusivista, age por banimento de
quem é diferente, de quem não pensa igual, é sectarista e isso tem sido
demonstrado repetitivamente, monotonamente, ao longo destes anos todos
que durou — sim, pois já acabou, tornou-se fato consumado — a escalada
de conquista do poder pelos religiosos.
Em lugar de se ficar
disputando espaço com quem não está a fim de ceder ou conceder nada, o
que se tem de fazer é largar tudo na mão deles e retirar-se: com isso,
cada instituição que optou pelo religiosismo ficará homogênea, sem
oposições internas, sem dissidentes. Por outro lado, os que se retiram
devem agrupar-se formando novas instituições, que nos respectivos
estatutos se declararão não-religiosas, ficando homogêneas também,
igualmente sem oposições e dissidências internas.
Krishnamurti de Carvalho Dias
Fonte: Espiritismo
e Unificação, fevereiro/março de 1987, Ano XXXIV, nº 410/411. Periódico
publicado pela Divulgação Cultural Espírita Editora (Dicesp) -
Santos-SP.
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