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25 novembro 2013

O Partido Espírita - Eugenio Lara


O PARTIDO ESPÍRITA
   
Toda ideia nova, quando surge, sempre enfrenta contraditores, gratuitos ou não, interessados em destruir no nascedouro aquilo que, supõem, possa interferir em seus interesses. Com o Espiritismo não foi diferente.

Allan Kardec teve de enfrentar muitos seguidores mal-intencionados e os perseguidores de plantão. Teve problemas com a Igreja, com a corporação médica, com a imprensa francesa. A Igreja veio com a novidade de que o Espiritismo era uma religião e, portanto, viria disputar adeptos, fazer prosélitos e dividir o rebanho cristão. Os médicos chamavam o Espiritismo de “fábrica de loucos” e muitos deles imaginavam ser a nova doutrina nascente, uma questão de saúde pública. Kardec, que era médico, mas nunca exerceu a profissão, sabia com qual tipo de máfia estava lidando.

Rejeitou tanto a invenção da Igreja, representada pelo Abade Chesnel, como a pexa de “usina de loucos varridos”. Kardec não alimentava polêmicas, mas também não fugia de nenhuma.

Já as polêmicas que travou com a imprensa da época, notadamente contra os artigos de materialistas e jornalistas levianos e comprometidos, estão bem descritas na Revista Espírita, um depositário de fatos sobre a história do Espiritismo.

Uma das controvérsias mais interessantes foi à acusação estampada em alguns jornais franceses de que estava surgindo na França mais um partido, o Partido Espírita (RE - julho/agosto de 1868).

Kardec aceitou a tese e ridicularizou o temor de que o novo partido pudesse se constituir numa grande força política. O caso foi parar no Senado e vários jornais publicaram a notícia, servindo ainda mais para despertar a curiosidade sobre o Espiritismo.
 
Um partido de bobos foi o que alguns políticos declararam. Ora, mesmo os bobos têm o direito de constituírem um partido, considerou o fundador do Espiritismo, vendo neste fato mais uma alavanca para a divulgação da Doutrina. E foi o que aconteceu.

Interessante mesmo foi a sua análise acerca do duplo sentido que a palavra partido abriga. Se de um lado tem o sentido de facção, de cisão, de luta e agressão, por outro, há o sentido de força física ou moral que tende a se contrabalançar com outras opiniões.

Kardec rejeitou a primeira acepção, mas, aceitou a ideia de que o Espiritismo se constitui, não somente, numa “escola filosófica”, segundo sua própria expressão, mas também numa corrente de opinião sem perder a qualidade essencial de “doutrina FILOSÓFICA moralizadora, que constitui a sua glória e a sua força”.
 
E completa: “A palavra partido, aliás, não implica sempre a ideia de luta, de sentimentos hostis. Não se diz: o partido da paz? O partido das criaturas honestas? O Espiritismo já provou, e provará que pertence a esta categoria.”

Nesse sentido, os espíritas constituem um partido, uma corrente de opinião que não pode ser ignorada, seja no recenseamento ou na análise estratégica de qualquer político que queira ser eleito. Constituímos uma força política, não no sentido partidário, mas em seu sentido mais abrangente, como força moral e ideológica.

A Enciclopédia Britânica estima em cerca de 12 milhões o número de espíritas no mundo. Só no Brasil há cerca de 8 milhões de adeptos e 30 milhões de simpatizantes, segundo ampla matéria sobre o Espiritismo publicada na revista Veja (26/07).

Todavia, temos de considerar que as correntes e facções são tão numerosas quanto as igrejas evangélicas. 

A cada dia surgem “missionários” com ideias exóticas e personalistas. Médiuns que se acham predestinados e criam invencionices, práticas esdrúxulas, tudo em nome do Espiritismo.

Há momentos em que falar do pensamento kardecista é como pregar no deserto. Os poucos que dão ouvidos reagem com animosidade e intolerância.

É preciso ter a consciência de que em meio a esse tremendo balaio de gatos que é o Espiritismo brasileiro e mundial, há espíritas que não compactuam com os rumos que o movimento espírita vem tomando desde o desencarne de Kardec, desde que a Doutrina apareceu por aqui no século passado, a partir de 1860.

O projeto de um Espiritismo sem rótulos, verdadeiramente kardecista, sem os prejuízos que o religiosismo cristão vem causando na divulgação doutrinária é uma tarefa que exige uma tomada de consciência. Significa tomar partido, se constituir mesmo num partido, ainda que informal, mas naquele sentido que Kardec admitiu para o próprio movimento espírita. O de força moral, de ideias, sem cisão, sem animosidade, sem faccionismo, com abertura e tolerância para com aqueles que pensam e sentem o Espiritismo de forma diferenciada.

Eugenio Lara

Em: Agosto de 2000 - São Vicente-SP.  Artigo publicado originalmente no jornal de cultura espírita Abertura, em agosto de 2000.

Fonte: PENSE -"Pensamento Social Espírita"


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