O PARTIDO ESPÍRITA
Toda
ideia nova, quando surge, sempre enfrenta contraditores, gratuitos ou
não, interessados em destruir no nascedouro aquilo que, supõem, possa
interferir em seus interesses. Com o Espiritismo não foi diferente.
Allan Kardec teve de enfrentar muitos seguidores mal-intencionados e os
perseguidores de plantão. Teve problemas com a Igreja, com a corporação
médica, com a imprensa francesa. A Igreja veio com a novidade de que o
Espiritismo era uma religião e, portanto, viria disputar adeptos, fazer
prosélitos e dividir o rebanho cristão. Os médicos chamavam o
Espiritismo de “fábrica de loucos” e muitos deles imaginavam ser a nova
doutrina nascente, uma questão de saúde pública. Kardec, que era médico,
mas nunca exerceu a profissão, sabia com qual tipo de máfia estava
lidando.
Rejeitou tanto a
invenção da Igreja, representada pelo Abade Chesnel, como a pexa de
“usina de loucos varridos”. Kardec não alimentava polêmicas, mas também
não fugia de nenhuma.
Já as
polêmicas que travou com a imprensa da época, notadamente contra os
artigos de materialistas e jornalistas levianos e comprometidos, estão
bem descritas na Revista Espírita, um depositário de fatos sobre a
história do Espiritismo.
Uma das
controvérsias mais interessantes foi à acusação estampada em alguns
jornais franceses de que estava surgindo na França mais um partido, o
Partido Espírita (RE - julho/agosto de 1868).
Kardec aceitou a tese e ridicularizou o temor de que o novo partido
pudesse se constituir numa grande força política. O caso foi parar no
Senado e vários jornais publicaram a notícia, servindo ainda mais para
despertar a curiosidade sobre o Espiritismo.
Um partido de bobos foi o que alguns políticos declararam. Ora, mesmo
os bobos têm o direito de constituírem um partido, considerou o fundador
do Espiritismo, vendo neste fato mais uma alavanca para a divulgação da
Doutrina. E foi o que aconteceu.
Interessante mesmo foi a sua análise acerca do duplo sentido que a
palavra partido abriga. Se de um lado tem o sentido de facção, de cisão,
de luta e agressão, por outro, há o sentido de força física ou moral
que tende a se contrabalançar com outras opiniões.
Kardec rejeitou a primeira acepção, mas, aceitou a ideia de que o
Espiritismo se constitui, não somente, numa “escola filosófica”, segundo
sua própria expressão, mas também numa corrente de opinião sem perder a
qualidade essencial de “doutrina FILOSÓFICA moralizadora, que constitui
a sua glória e a sua força”.
E
completa: “A palavra partido, aliás, não implica sempre a ideia de luta,
de sentimentos hostis. Não se diz: o partido da paz? O partido das
criaturas honestas? O Espiritismo já provou, e provará que pertence a
esta categoria.”
Nesse sentido,
os espíritas constituem um partido, uma corrente de opinião que não pode
ser ignorada, seja no recenseamento ou na análise estratégica de
qualquer político que queira ser eleito. Constituímos uma força
política, não no sentido partidário, mas em seu sentido mais abrangente,
como força moral e ideológica.
A
Enciclopédia Britânica estima em cerca de 12 milhões o número de
espíritas no mundo. Só no Brasil há cerca de 8 milhões de adeptos e 30
milhões de simpatizantes, segundo ampla matéria sobre o Espiritismo
publicada na revista Veja (26/07).
Todavia, temos de considerar que as correntes e facções são tão
numerosas quanto as igrejas evangélicas.
A cada dia surgem
“missionários” com ideias exóticas e personalistas. Médiuns que se acham
predestinados e criam invencionices, práticas esdrúxulas, tudo em nome
do Espiritismo.
Há momentos em
que falar do pensamento kardecista é como pregar no deserto. Os poucos
que dão ouvidos reagem com animosidade e intolerância.
É preciso ter a consciência de que em meio a esse tremendo balaio de
gatos que é o Espiritismo brasileiro e mundial, há espíritas que não
compactuam com os rumos que o movimento espírita vem tomando desde o
desencarne de Kardec, desde que a Doutrina apareceu por aqui no século
passado, a partir de 1860.
O
projeto de um Espiritismo sem rótulos, verdadeiramente kardecista, sem
os prejuízos que o religiosismo cristão vem causando na divulgação
doutrinária é uma tarefa que exige uma tomada de consciência. Significa
tomar partido, se constituir mesmo num partido, ainda que informal, mas
naquele sentido que Kardec admitiu para o próprio movimento espírita. O
de força moral, de ideias, sem cisão, sem animosidade, sem faccionismo,
com abertura e tolerância para com aqueles que pensam e sentem o
Espiritismo de forma diferenciada.
Eugenio Lara
Em: Agosto de 2000 - São Vicente-SP. Artigo publicado originalmente no jornal de cultura espírita Abertura, em agosto de 2000.
Fonte: PENSE -"Pensamento Social Espírita"
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