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03 março 2017

Erraticidade e fantasias espirituais - Iso Jorge Teixeira



ERRATICIDADE E FANTASIAS ESPIRITUAIS


Natureza da vida depois da morte

O Espiritismo é uma Doutrina consoladora por excelência, ele demonstra por fatos patentes a imortalidade da alma, a sua individualidade após a morte e a necessidade de reencarnação para o aperfeiçoamento, pois somos perfectíveis. Todos esses princípios estão resumidos nas questões 149, 150, 152, 166, 166-a, 166-b, 166-c e 223 de O Livro dos Espíritos de ALLAN KARDEC.

Destino das almas depois da morte

Que acontece com a alma após a morte? A dos bons irão para o céu e a dos maus para o inferno? Haveria um purgatório, um lugar determinado para a ascensão ao céu ou como preparativo para a reencarnação daquelas almas necessitadas de purificação?…

Essas perguntas, exceto a primeira, seriam respondidas com um sim pela maioria dos religiosos brasileiros… Inclusive DANTE ALIGHIERI em sua A Divina Comédia, descreve minuciosamente INFERNO, PURGATÓRIO e CÉU, de maneira genial, embora com os ensinamentos e os conhecimentos “científicos” e míticos medievais e o não menos genial GUSTAVO DORÉ ilustrou magistralmente tal obra, a bico-de-pena.

Curiosamente, alguns confrades sincretizam tais conceitos de céu, inferno e purgatório e admitem coisas semelhantes àquelas descritas n’ A Divina Comédia – do obscurantismo medieval –dizendo que após a morte seremos encaminhados para um “Pronto – Socorro Espiritual” e daí, para “colônias espirituais”. No entanto, não é isso que está explícito e implícito na Doutrina dos Espíritos; por isso, julgamos importante tratar aqui da questão básica relativa à erraticidade e dos Espíritos errantes…

Que seremos ao desencarnarmos?

Estamos encarnados na Terra para provas e expiações, por isso somos, na esmagadora maioria, Espíritos inferiores. Ao desencarnarmos seremos, na quase totalidade, Espíritos errantes e isso está bem claro na resposta à questão 224 de O Livro dos Espíritos de ALLAN KARDEC, ou seja, nos intervalos da encarnações a alma é um “Espírito errante, que aspira a um novo destino e o espera”.

A erraticidade não é um sinal de inferioridade entre os Espíritos, pois estes ali existem em todos os graus (cf. resposta à questão 225, op.cit.), mas somente os Espíritos Puros não sãoerrantes, pois seu estado é definitivo (cf. resposta à questão 226, op. cit.).

Enfim, Espíritos errantes são aqueles em trânsito, que esperam uma oportunidade de reencarnação em nosso planeta ou em outro… Embora possamos evoluir no estado errante – através do estudo do nosso passado e observando os lugares que percorrermos, ouvindo os homens esclarecidos e captando os conselhos dos espíritos mais elevados (cf. resposta à questão 227, op. cit.) –, é através da existência corpórea que pomos em prática as idéias adquiridas na erraticidade (resposta à questão 230 ‘in fine’).

Ora, há uma série de livros mediúnicos em que aparecem Espíritos, com falsa modéstia indisfarçável, que se dizem “imperfeitos” e que estariam “ajudando os irmãozinhos encarnados”, durante séculos na erraticidade. Como um deles, num Centro em que freqüentamos, que dizia ser o “pai Joaquim”, que – após uma troca de idéias, preparatória, para uma sessão mediúnica –, dirigiu-se diretamente a nós, dizendo:

–– Dr., o Sr. tem preconceito contra os pretos – velhos?

Ao que respondemos, então:

–– É por não ter preconceito que não entendo porque o Sr. se intitula “pai Joaquim”!

Em seguida, ele fez uma longa explanação, aliás repetida em muitos Centros, de que a encarnação preferida dele foi a de um escravo, por isso se intitulava assim. E finalmente disse:

–– Estou aqui neste plano há mais de 300 anos, tenho muitas imperfeições, mas procuro ajudar os irmãozinhos encarnados.

Retrucamos, então:

–– Se está há tanto tempo aí, e com imperfeições, por que não reencarna?… A seguir, ele (não sei se o Espírito ou o médium) mostrou-se desconcertado, hesitante, sem graça; tropeçou nas palavras e não trouxe nenhum ensinamento novo, somente frases – feitas…

Ou seja, determinados livros mediúnicos estão afastando cada vez mais as pessoas da Doutrina dos Espíritos, pois algumas excrescências doutrinárias são tidas como verdadeira Doutrina…

As chamadas “colônias espirituais” são de existência questionável

Há uma grande falha em nosso movimento espírita ao admitir que fiquemos, quase enclausurados em “colônias espirituais”, a receber conselhos de Espíritos, como se aí estivéssemos encarnados, como naquelas imagens de DORÉ sobre a Divina Comédia de DANTE… Até um tal “vale dos suicidas” é creditado como verdadeira Doutrina dos Espíritos!… Contudo, nas obras de KARDEC não há a menor referência nem às colônias espirituais nem ao vale dos suicidas. Seria uma omissão imperdoável da Espiritualidade Superior!

Acreditamos em que, ao desencarnarmos, a nova vida é eminentemente espiritual, nada de mundos especiais, “cópias aperfeiçoadas dos objetos da Terra”, como dizem alguns confrades. O mundo da erraticidade é um mundo de reflexão em que nos preparamos para uma nova encarnação, mas essa preparação não tem nada de material.

Alguns argumentam que aqueles Espíritos mais terra-a-terra não conseguiriam viver sem a matéria !!! Ora, se não conseguirem viver sem a matéria, ao desencarnarem não sairão daqui do orbe terrestre, é o que se infere do início da resposta à questão 232 de O Livro dos Espíritos, isto é: “(…) Quando o Espírito deixou o corpo ainda não está completamente desligado da matéria e PERTENCE ao mundo em que viveu ou um mundo do mesmo grau(…)“– o destaque é nosso.  

Espíritos superiores não podem reencarnar-se? 

Nunca devemos esquecer-nos de que estamos rodeados de espíritos desencarnados, errantes, e são eles que nos dão boas ou más inspirações. Embora aqui na Terra predominem os maus espíritos, temos também Espíritos Superiores, em menor número, é o caso dos Espíritos – Guias de cada um de nós…

A propósito, é um sofisma afirmar-se que um Espírito Superior teria dificuldade de vir à Terra e seria impossível, em determinado caso, a sua reencarnação terrena; pois, argumentam, o seu fluido é muito diáfano para suportar os fluidos terrenos. Ora, o perispírito é extraído do planeta em que o indivíduo está encarnado (cf. questão 94, op. cit.) ou situado; obviamente, há variações individuais, mas a sua constituição é sempre a mesma para cada orbe.

A Doutrina dos Espíritos é bem clara neste aspecto, ela nos diz em relação aos Espíritos

Superiores, os de segunda ordem: “Quando, por exceção, se encarnam na Terra, é para cumprir uma missão de progresso e, então, nos oferece o tipo de perfeição a que a humanidade pode aspirar neste mundo.“(cf. item 111, ‘in fine’, de O Livro dos Espíritos). Um exemplo maravilhoso deste caso foi a encarnação de JESUS (cf. questão 625 , op. cit.) e a este respeito disse KARDEC:

“Jesus é para o homem o tipo de perfeição moral a que pode aspirar a humanidade na Terra(…)” (cf. Comentário ab initio à questão 625, op. cit.).

Sabemos que o assunto é polêmico em relação a JESUS, pois alguns julgam-no um Espírito Puro, de primeira ordem e, por isso, não mais sujeito à encarnação. Mesmo admitindo que JESUS seja um Espírito Puro, qual a impossibilidade de sua encarnação ?… Em nosso modo de entender não há nenhuma impossibilidade, tanto assim que ele reencarnou de fato e há provas disso. Mas não entraremos nesta discussão, pois não é o escopo deste estudo.

Enfim, na erraticidade não existe céu, inferno nem purgatório, em lugares determinados; eles existem sim, na consciência individual. Muitas vezes esses Espíritos atraem-se porsintonia, mas, como Espíritos não são capazes de formar quadrilhas, como do Comando Vermelho, Terceiro Comando, aqui da Terra. São espíritos cujo “inferno” consiste – quando renitentes no mal –, em não poderem por em prática os seus maus pendores e isto está bem claro na resposta à questão 970, ‘in fine’, de O Livro dos Espíritos:

“Desejam todos os gozos e não podem satisfazê-los. É isso que os tortura”.

Muitos confrades temem os obsessores numa reunião mediúnica, alegando até que alguns são chefes de falanges infernais!… Mais importante que doutrinar o obsessor (o que é mais fácil) é levar o obsidiado a desprender-se da sintonia que o liga ao seu algoz, pois afinal de contas ambos são algozes – vítimas.

Epílogo

O Céu, o Inferno, o Purgatório, as Colônias espirituais, são fantasias espirituais sem nenhuma sustentação científico – doutrinária, são elucubrações místicas de Espíritos ainda apegados à matéria e de algumas pessoas simplórias que não conseguem conceber o mundo espiritual sem materialidade.

Ao desencarnarmos na Terra, um planeta inferior, por melhores que sejamos não atingiremos , imediatamente, a condição de Espíritos Puros e por mais obstinados que sejamos no mal, não ficaremos eternamente nessa condição de “legionários infernais”, pois a Providência Divina nos dá o livre-arbítrio, propiciando-nos o arrependimento. A Lei Divina é Misericordiosa…


Iso Jorge Teixeira 
CREMERJ:52-14472-7 
Psiquiatra. Livre-Docente de Psicopatologia e Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

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