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14 março 2017

Sobre a morte - David Monducci



SOBRE A MORTE

"Quase tão difícil quanto definir quando a vida começa é tentarmos definir e determinar quando ocorre a morte"

Para a Doutrina Espírita a morte é uma simples mudança de estado para o Espírito, que se desfaz de uma forma física que não possui mais as condições necessárias para atendê-lo. A extinção da vida orgânica provoca a separação da alma e do corpo, pela ruptura do laço fluídico que os une.

Na antiguidade não existiam critérios confiáveis para o diagnóstico de morte e o sepultamento era quase imediato. Tais procedimentos não apenas causavam muita confusão como, também nos ajudam a entender algumas das mais fascinantes passagens dos Evangelhos.

Em Matheus IX - 23 a 26, Marcos V - 35 a 43 e Lucas VIII - 49 a 56 podemos ler a passagem sobre a filha de Jairo que fora considerada morta, mas que Jesus informou estar apenas dormindo.

Em João XI vemos o mesmo padrão de relato para o caso de Lázaro. Por outro lado, todos os evangelistas relatam a morte de Jesus seguida do seu quase imediato sepultamento. Mas, o relato mais curioso é o que podemos ler nos Atos dos Apóstolos, capítulo V, concernente à fraude de Ananias e da sua esposa Safira.

Neste relato, Ananias, surpreendido em mentira, cai morto perante o apóstolo Pedro e o seu corpo é retirado e sepultado. Três horas mais tarde chega a sua esposa que ainda não sabe do ocorrido. Flagrada na mesma mentira do seu marido, Safira também caiu morta aos pés do apóstolo Pedro sendo retirada e sepultada ao lado do seu marido.

Nestes relatos vemos dois diagnósticos errados de morte física e outros dois de diagnósticos extremamente rápidos de morte com sepultamento quase imediato. Até meados do século XVIII muito pouca coisa havia mudado, apesar da utilização de métodos um tanto quanto esquisitos para o diagnóstico de morte.

Contudo começaram a surgir alguns relatos de pessoas que foram enterradas vivas e em 1785 um médico inglês mostrou que era possível ressuscitar um homem considerado morto por afogamento enchendo seus pulmões de ar. A partir de então, quando alguém era dado como morto esperava-se alguns dias de observação até que começassem a aparecer sinais de putrefação para que o corpo pudesse ser sepultado.

Em 1846 o médico francês Eugene Bouchut estabeleceu um conjunto de três parâmetros para definir a morte orgânica e prevenir os sepultamentos prematuros. Os sinais de morte segundo Bouchut eram a ausência da respiração, de batimentos cardíacos e da circulação por 10 minutos. Foi deste procedimento que derivou a tradição moderna de associarmos a morte com a perda da função cardio-respiratória.

Entretanto, poucas décadas mais tarde os patologistas sabiam que o coração de algumas pessoas decapitadas continuava a bater por até uma hora após a execução, o que exigiu uma revisão dos critérios em voga. Aos sinais de morte postulados por Bouchut foi acrescentado o exame das pupilas.

Na virada do século XX o diagnóstico de morte exigia a confirmação da ausência de sinais de função cardio-respiratória mais a constatação de que as pupilas estavam dilatadas e não reagiam a um feixe de luz.

Tais critérios permaneceram soberanos até meados dos anos 60 quando entraram em cena os primeiros modelos de respiradores artificiais e a criação das Unidades de Terapia Intensiva (UTI). Apesar das novidades a situação parecia estar sob controle, todavia o primeiro transplante de coração realizado por Cristian Bárnard, em 1967, precipitou de maneira inevitável uma discussão sobre o estabelecimento de critérios para o diagnóstico de morte com o máximo de antecedência possível.

Em 1968 foi formado um comitê de notáveis na Universidade de Harvard com a finalidade de estabelecer quais seriam os critérios mínimos para se definir a morte. Começava a surgir o conceito de morte cerebral que evoluiu até a idéia atual de morte encefálica. A consequência desses estudos nos últimos 38 anos resultou na compreensão de que a morte é um processo lento e gradual no qual é possível distinguir-se uma morte clínica, uma morte biológica e uma morte encefálica.

Embora a vida e a morte sejam eventos de ordem natural, ou até justamente por serem eventos naturais, eles são considerados fatos jurídicos, pois é deles que se origina o Direito. Esta tese sustenta a resolução 1480/97 do Conselho Federal de Medicina que regulamenta no Brasil os critérios de morte encefálica e do doador cadáver de órgãos para transplante, pois a morte encefálica tem o mesmo status de morte clínica.

Neste ponto, alguns confrades adotam uma postura de extrema reserva perante a doação de órgãos para transplantes com doador-cadáver, alegando que o estado de morte encefálica não implica em desencarnação e que, nestas circunstâncias, a retirada de órgãos para transplante equivaleria a um homicídio.

Um estudo mais aprofundado d'O Livro dos Espíritos nos ensina que a parada da função cardíaca não é a única lesão que causa a morte (pergunta 69), portanto ante O Livro dos Espíritos podemos admitir que o estado de morte encefálica é equiparável ao de morte clínica.

A questão 136a nos informa que a vida orgânica pode animar um corpo sem alma, mas a alma não pode habitar corpo sem vida orgânica. E, na pergunta 156, os Espíritos informaram que "na agonia, às vezes, a alma já deixou o corpo, que nada mais tem do que a vida orgânica.... O corpo é uma máquina que o coração põe em movimento. Ele se mantém enquanto o coração lhe fizer circular o sangue pelas veias e para isso não necessita da alma".

A questão 19 d'O Livro dos Espíritos nos diz que a ciência nos foi dada para o nosso adiantamento em todos os sentidos. Os recursos técnicos disponíveis atualmente permitem ao médico fazer um diagnóstico de morte encefálica com segurança, diferenciando este estado de outras condições neurológicas. Se dispomos dos meios para identificar com segurança um doador-cadáver de órgãos e se podemos ajudar a outros através da tecnologia dos transplantes, qual o motivo para não o fazermos??


Dr. David Monducci - Jornal Espírita - Fevereiro/07


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