AS LUZES DO ESPIRITISMO
“E Deus disse: Que haja Newton! E tudo se fez luz.”
Alexander Pope (1688-1744), poeta britânico.
Luz
e iluminação são palavras muito usadas pelos espíritas. Não somente no
discurso, na oratória, mas, sobretudo, em publicações e na denominação
das sociedades espíritas. “Mensageiros da Luz”, “Missionários da Luz”,
“Vinha de Luz”, “A Caminho da Luz” são alguns dos nomes bem populares de
obras do médium mineiro Chico Xavier. Entidades espíritas,
influenciadas por essa literatura religiosa de feição cristã, também
adotam nomes semelhantes: “Caridade, Luz e Amor”, “Caminheiros da Luz”,
“Luz e Verdade”, “Luz Eterna” etc.
E no dia-a-dia, é comum o uso
de expressões do tipo: “espíritos de luz”, “luz interior”, “iluminação”,
“era de luz” ou comentários e reflexões “à luz do Evangelho”. No
entanto, apesar de simpáticas e politicamente corretas, essas expressões
passam ao largo do que deveria ser uma verdadeira iluminação sob a
ótica da filosofia espírita. Ao invés de serem esclarecedoras, soam como
algo místico, esotérico, inatingível, que nada explica, um lance
metafísico e transcendental, seguindo assim um caminho contrário a uma
concepção mais humanista do Espiritismo.
Para os cristãos, o Fiat Lux
(faça-se a luz), também citado pelos espíritos, tem um sentido mágico,
criacionista. “Deus disse: faça-se a luz e a luz foi feita.” Luz e
Trevas, os dois opostos. Lúcifer, o anjo decaído, que no Cristianismo
tornou-se o príncipe das trevas, tem seu nome associado à iluminação, à
luminosidade celestial porque significa “portador da luz”, “aquele que
leva a luz”, “aquele que brilha”.
Na Kardequiana, além do
sentido usual, físico, o fundador do Espiritismo usa a palavra “luz”
como sinônimo de esclarecimento, elucidação, a fim de se clarear a
compreensão acerca de determinada questão. Curiosamente, o Espiritismo
surge em 1857 na chamada Cidade-Luz, Paris, em um momento de grandes
mudanças. O século 19, a exemplo do século 18, é também considerado como
o Século das Luzes.
Todavia, a expressão Século das Luzes está
associada principalmente ao século 18, graças ao Iluminismo, movimento
cultural, filosófico, humanista e anticlerical que floresceu na Europa,
também denominado de Era da Razão. Nada a ver, portanto, com o sentido
religioso que os espíritas costumam dar ao Espiritismo, filosofia
delineada e estruturada sob influência muito grande do pensamento
iluminista.
Allan Kardec, um dos grandes humanistas de seu
tempo, teve seu pensamento formado não somente no positivismo, mas
principalmente no Iluminismo, onde as ideias de Rousseau se destacam em
sua formação intelecto-moral. Na infância e juventude Kardec foi educado
na escola de Pestalozzi, em Yverdun, Suíça, cuja orientação pedagógica
era nitidamente rousseauniana. Como pedagogo, sempre permaneceu fiel à
educação pestalozziana.
No pensamento kardequiano, que nada tem
de irracional, “a luz” mostra-se simplesmente como uma metáfora do
esclarecimento, da compreensão, segundo o poder da razão, da observação e
experimentação. Para Kardec, o Espiritismo é uma questão de “razão e
bom senso”, sem nenhum tipo de acesso ao conhecimento, ao saber,
mediante posturas místicas, religiosistas e dogmáticas.
Diante
desse irracionalismo exacerbado que invade o mundo, com a proliferação
de ideologias fundamentalistas, o revigoramento das religiões
monoteístas, amiúde disfarçadas e travestidas de “científicas”, como o
Criacionismo Científico e o Design Inteligente, a alternativa é a busca
de uma nova racionalidade onde o saber, a ética e a espiritualidade
mostrem-se irmanados.
A Filosofia Espírita tem plenas condições
de contribuir para a construção dessa nova racionalidade, seja sob o
rótulo de pós-moderna ou hipermoderna. Para isso, terá que vislumbrar a
luz kardecista no fim do túnel místico e igrejeiro em que os espíritas
se meteram, sob pena de ficarem imersos nas trevas da ignorância, como
naquela metáfora da caverna de Platão.
O Espiritismo é um dos
filhos diletos do Iluminismo e sua vocação humanista necessita ser
retomada a fim de que as luzes do saber espírita não fiquem aprisionadas
nos porões da irracionalidade e do misticismo.
Eugenio Lara
E-mail: eugenlara@hotmail.com
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