Total de visualizações de página

07 dezembro 2013

O Real e o Virtual - Eugenio Lara


O REAL E O VIRTUAL

Interessante observar as similaridades entre o conceito espírita de mundo extrafísico e a realidade virtual. Quando se adentra e se imerge num mundo onde não há o espaço nem o tempo e, portanto, não influem em nossa percepção simplesmente porque não existem, a realidade muda completamente, bem como nossa percepção dessa mesma realidade. Não há lugar, não há sucessão temporal.

Na realidade virtual parece não haver conflito entre o objetivo e o subjetivo. O sujeito/objeto e o objeto/sujeito se acham imersos em um mundo atópico, acrônico, características essenciais do mundo virtual. Num certo sentido, o mundo virtual gerado pela cibernética, pela internet, as redes sociais, o ciberespaço, é um mundo com características semelhantes ao mundo extrafísico, é seu reflexo, mas não há lugar, não há espaço e o tempo deixa de ser contado, deixa de existir. Não há corpo, não há espaço, não há tempo. É o eterno presente, a realidade on-line.

Atopia é a ausência de espaço, de lugar, como aquela estranha e engraçada casa do poema de Vinícius de Morais: “não tinha teto não tinha nada”, não tinha chão, não tinha parede... E Acronia é a inexistência do tempo, de sua não decorrência, da insucessão das coisas. O mundo virtual se define por ser atópico e acrônico, particularidades basilares do mundo extrafísico, do mundo dos espíritos, sem tempo e sem espaço.

A percepção do tempo e do espaço se dá através da experiência corporal, das sensações físicas, no enfrentamento das vicissitudes. Na visão espírita, vicissitude é um conjunto de necessidades, de limitações físicas, psíquicas e psicológicas. Trata-se do enfrentamento da materialidade no processo evolutivo, no embate, no entrechoque de toda e qualquer vicissitude, segundo a causalidade e a casualidade.

Pela causalidade, em função da materialidade como causa eficiente, fatal, do processo reencarnatório e, da casualidade, devido à inexistência de fatalidade nas ações humanas, volitivas e delineadas pelo livre-arbítrio. É o acaso, descartado pelos espíritos, na época, em função do padrão newtoniano vigente, mas que sob outra ótica, quântica, exerce importante papel na realidade, seja ela física ou extrafísica, real ou virtual.

E a simulação do real pelo virtual é tão intensa e impregnante que há quem tenha predileção pela vida virtual em detrimento da real, como naquele famoso game “Second Life”. É a segunda vida, vida paralela, adjacente, contígua e que transcende a vida atual, real. Há quem se realize no Facebook e nas redes sociais, prefira o ser virtual ao ser real.

A realidade virtual se renderiza; o espírito se materializa, se corporifica, reencarna. O corpo ensina a consciência. A consciência se expande através do corpo, que recebe os impulsos mentais durante a encarnação, mas possui sua própria determinação, suas próprias leis. O mecanismo da vida não depende do espírito para existir, ele simplesmente existe, resultante da seleção natural, da evolução universal.

A superação das vicissitudes, seu enfrentamento permanente, gerou a cultura e a tecnologia, criou formas de convivência interpessoal, social e de relações econômicas e de poder, forjou a civilização. Desde a Revolução Industrial, cada vez mais o corpo se expande mediante a comunicação, os meios de transporte, no telescópio e no microscópio, na parabólica e no satélite, na internet. Corpo e consciência, inseparáveis, em perfeita simbiose e integração. O ser é o corpo. O corpo é o ser. A consciência se expande através do corpo.

O virtual colocava-se no plano da possibilidade, do vir a ser, de algo quase que totalmente possível, daí as expressões “o virtual candidato”, “o virtual campeão”. Expressões que hoje fornecem outro entendimento, ganharam outro significado, porque o virtual conquistou autonomia, é “existente”, a realidade simulada, a hiper-realidade, o simulacro de que falava o filósofo pós-moderno Baudrillard: “É a geração pelos modelos de um real sem origem nem realidade: hiper-real”. (Jean Baudrillard – “Simulacros e Simulação”).

O advento da realidade virtual recoloca a histórica questão entre a matéria e o espírito, entre a alma e o corpo, entre o físico e o extrafísico. Do mesmo modo que podemos simular a realidade extrafísica através do mundo virtual, suponho que a recíproca também seja verdadeira. No extrafísico, a simulação do físico, reproduzindo de forma artificial o físico na realidade extrafísica, o que permitiria, teoricamente, ao espírito na erraticidade, permanecer de modo indefinido nesse estado transitório, sem precisar reencarnar, ato que dependerá, tão-somente, de seu livre-arbítrio.

Se na astronáutica simulamos a ausência da gravidade, de modo análogo, no extrafísico, pode-se simular o físico, em um processo inverso ao da realidade virtual. É como se o virtual se apoderasse do real, na metáfora da Matrix, da simulação da realidade, mera aparência, o que daria razão à tese orientalista de que vivemos em um mundo de aparências, no mundo de Maya ou num mundo de simulacros, segundo Baudrillard.

Ou, de modo verossímil, na ideia de Avatar, da consciência em outro corpo, virtual, simulado, mas que promove reações no corpo originário da consciência encarnada. Interessante lembrar que a palavra Avatar vem do sânscrito e significa a encarnação de uma consciência imortal, de uma suprema criatura como Krishna, na filosofia hindu. Na linguagem cristã, Jesus seria um Avatar: “o verbo que se fez carne”, assim como no agênere Katie King, nas experiências de ectoplasmia conduzidas pelo grande físico inglês William Crookes: um simulacro da encarnação.

Por outro lado, lembremos de Allan Kardec ao afirmar que o mundo extrafísico é o mundo primitivo, originário: “O mundo espírita é o mundo normal, primitivo, eterno, preexistente e sobrevivente a tudo. O mundo corporal é secundário; poderia deixar de existir ou nunca ter existido, sem alterar a essência do mundo espírita”. (Allan Kardec – “O Livro dos Espíritos”, Introdução).

Não é um juízo de valor. São apenas mundos de naturezas diferentes, essencialmente diferenciados. Algo próximo à tese do universo holográfico, desenvolvida pelo físico quântico David Bohm em parceria com o neurofisiologista Karl Pribram, que consiste na ideia de que todo o universo não passaria de um gigantesco holograma (reprodução tridimensional por meio do laser), da imagem formulada e criada pela mente como um campo único, material e consciencial. De que o universo é uma grande projeção, de um nível de realidade além do tempo e do espaço e, quem sabe, a projeção de uma Grande Consciência, da Inteligência Suprema.


Eugenio Lara 


Nenhum comentário: