Quem de nós imaginaria passar por uma pandemia ou por um isolamento social? As nossas famílias enfrentaram algo inusitado e inesperado. Além das diversas perdas, que emocionalmente não devem ser comparadas, as pessoas estiveram consumidas pelo medo devido à alta possibilidade de um ou mais membros se contaminarem, também sentiram medo devido ao agravamento dos sintomas com possibilidade de morte após o contágio do vírus, e o nosso medo foi sendo reforçado diariamente conforme aumentava o número de infectados e mortos em todo o mundo.
A perda é um dos processos mais desorganizadores da vida humana. Não somente a perda de pessoas, mas qualquer processo de mudança de vida pelo fato de implicar o desaparecimento de uma antiga e conhecida condição, com a obrigatória passagem para uma nova e desconhecida fase. Isso descreve exatamente o que passamos. Rotinas bem estabelecidas precisaram ser readequadas às exigências sanitárias com restrições sociais. Com o coronavírus, na condição do isolamento, tudo mudou e repentinamente. Vimos correria aos supermercados e as pessoas desesperadas em busca de álcool em gel 70%, máscaras e outros... Tudo isso, já evidenciando um processo de adaptação à nova realidade que nos estava sendo imposta. Toda aquela realidade que conhecíamos estava sendo desfeita. Cada pessoa foi buscando se reorganizar à sua maneira, de acordo com os seus recursos disponíveis internos e externos, a essa nova condição de sobrevivência.
Além do mais, Baricca (2008) fala sobre a angústia que nós sentimos quando nos deparamos com a possibilidade de morte. Ela diz que a “angústia de morte significa, portanto, viver a presença imponente de uma ameaça à nossa existência.” [...] “Assim, pensar a própria morte, ou a sua possibilidade, provoca forte sentimento no ser humano, de modo que a angústia desencadeada é transformada, defensivamente, em medos e dificuldades.”
Tivemos uma preocupação com o movimento das nossas famílias durante essa crise que, podemos dizer, ainda atravessamos. A palavra crise na sua etiologia, pressupõe crescimento, oportunidade. Toda crise desestabiliza o que existia e abre uma oportunidade “sagrada” de reinvenção; uma oportunidade para a mudança. Para que a gente possa atravessar uma crise como algo sagrado, a gente precisa se perguntar qual é o meu propósito para hoje? E a família em crise pandêmica pode ser estimulada a enxergar o propósito de reinvenção daquele sistema; repensar o modo de relacionar uns com os outros como uma oportunidade de aproximação e aumentar a intimidade entre os membros da família; corrigir os erros, pedir perdão; propiciar novas formas de interação, o resgate de brincadeiras há tempos deixadas de lado; ou até novas receitas culinárias.
Considerando os cuidados com as nossas famílias, compreendemos a sua importância como matriz no desenvolvimento biopsicossocial do indivíduo – um sistema de vínculos afetivos por meio do qual se gera e se desenvolve a organização psíquica do indivíduo. Nesse sentido, esperamos que a família seja um lugar de segurança, cuidado e afeto. Esslinger (2008) corrobora com o conceito que Carter e McGoldrick definiram sobre família dizendo que é um “sistema movendo-se através do tempo, com papéis, funções e relacionamentos insubstituíveis. Esse sistema, por sua vez, tem seus ciclos, os quais podem ser facilitadores ou dificultadores na aceitação de mudanças, dentre elas, as perdas”.
Portanto, as famílias estão amedrontadas. O medo é instintivo e foi necessário na preservação enquanto espécie. O medo que desenvolvemos do novo coronavírus é algo natural, impossível de ser evitado. Esse medo tem dois lados: o positivo está em cuidar da vida, em não se colocar em situações de risco. O negativo ocorre quando o medo causa muito sofrimento, quando impede a continuidade da vida. Porque sentir medo nos serve como instinto de sobrevivência, que nos prepara para a luta ou fuga. Quando isso acontece, somos protegidos. Só não podemos viver o tempo todo assim como um alarme com defeito, pois teremos um desgaste psíquico.
Nesse momento de tantas perdas, precisamos compreender que cada pessoa lida com rompimentos afetivos à sua maneira. E precisamos saber respeitar o tempo de processo de luto individual. A mente do enlutado, no primeiro momento, está confusa com todo o desmoronar na vida dele. Dependendo do que falamos ao enlutado, podemos ajudar ou ferir ainda mais. Na verdade, quanto menos falar, melhor. Então, um abraço, um olho no olho, e o principal, apenas dizer “estou aqui com você”, já é o suficiente! Frases como “Agora ele já não sofre mais”; “O tempo cura tudo”; “É a vida, todos vamos morrer”; “Olha, que há pessoas que estão pior”; “Você é jovem, pode se casar novamente/ter outro filho”. Essas frases podem ser inadequadas de imediato e machucar ainda mais.
Entretanto, podemos dizer “Sinto muito pelo que está passando”; “Nem posso imaginar o que você está passando”; “Você é uma pessoa muito importante pra mim, pode contar comigo”; “Quer falar? Posso te ouvir”. Lembrando que a pessoa em luto se questiona sobre a capacidade do cuidador em o ajudar verdadeiramente: “Será que posso confiar em você? Será que realmente vai me entender?”
Devemos cuidar para não minimizar as nossas perdas cotidianas. Sofrimento não deve ser comparado. Cada qual sabe o quanto aquela perda lhe faz falta. Talvez, buscar formas de lidar com nossas perdas nesse tempo de pandemia seja o mais interessante, pois todos já passamos ou passaremos por algum tipo de perda significativa em algum momento da vida. As pessoas podem procurar ajuda em grupos de apoio ao luto; na conversa amiga e confiável; como também, buscar ajuda de um profissional de saúde, especialmente, um psicólogo. As pessoas precisam falar sobre o que estão enfrentando ao vivenciar suas perdas, para que possam seguir no curso do seu processo adaptativo do luto.
A perda é um dos processos mais desorganizadores da vida humana. Não somente a perda de pessoas, mas qualquer processo de mudança de vida pelo fato de implicar o desaparecimento de uma antiga e conhecida condição, com a obrigatória passagem para uma nova e desconhecida fase. Isso descreve exatamente o que passamos. Rotinas bem estabelecidas precisaram ser readequadas às exigências sanitárias com restrições sociais. Com o coronavírus, na condição do isolamento, tudo mudou e repentinamente. Vimos correria aos supermercados e as pessoas desesperadas em busca de álcool em gel 70%, máscaras e outros... Tudo isso, já evidenciando um processo de adaptação à nova realidade que nos estava sendo imposta. Toda aquela realidade que conhecíamos estava sendo desfeita. Cada pessoa foi buscando se reorganizar à sua maneira, de acordo com os seus recursos disponíveis internos e externos, a essa nova condição de sobrevivência.
Além do mais, Baricca (2008) fala sobre a angústia que nós sentimos quando nos deparamos com a possibilidade de morte. Ela diz que a “angústia de morte significa, portanto, viver a presença imponente de uma ameaça à nossa existência.” [...] “Assim, pensar a própria morte, ou a sua possibilidade, provoca forte sentimento no ser humano, de modo que a angústia desencadeada é transformada, defensivamente, em medos e dificuldades.”
Tivemos uma preocupação com o movimento das nossas famílias durante essa crise que, podemos dizer, ainda atravessamos. A palavra crise na sua etiologia, pressupõe crescimento, oportunidade. Toda crise desestabiliza o que existia e abre uma oportunidade “sagrada” de reinvenção; uma oportunidade para a mudança. Para que a gente possa atravessar uma crise como algo sagrado, a gente precisa se perguntar qual é o meu propósito para hoje? E a família em crise pandêmica pode ser estimulada a enxergar o propósito de reinvenção daquele sistema; repensar o modo de relacionar uns com os outros como uma oportunidade de aproximação e aumentar a intimidade entre os membros da família; corrigir os erros, pedir perdão; propiciar novas formas de interação, o resgate de brincadeiras há tempos deixadas de lado; ou até novas receitas culinárias.
Considerando os cuidados com as nossas famílias, compreendemos a sua importância como matriz no desenvolvimento biopsicossocial do indivíduo – um sistema de vínculos afetivos por meio do qual se gera e se desenvolve a organização psíquica do indivíduo. Nesse sentido, esperamos que a família seja um lugar de segurança, cuidado e afeto. Esslinger (2008) corrobora com o conceito que Carter e McGoldrick definiram sobre família dizendo que é um “sistema movendo-se através do tempo, com papéis, funções e relacionamentos insubstituíveis. Esse sistema, por sua vez, tem seus ciclos, os quais podem ser facilitadores ou dificultadores na aceitação de mudanças, dentre elas, as perdas”.
Portanto, as famílias estão amedrontadas. O medo é instintivo e foi necessário na preservação enquanto espécie. O medo que desenvolvemos do novo coronavírus é algo natural, impossível de ser evitado. Esse medo tem dois lados: o positivo está em cuidar da vida, em não se colocar em situações de risco. O negativo ocorre quando o medo causa muito sofrimento, quando impede a continuidade da vida. Porque sentir medo nos serve como instinto de sobrevivência, que nos prepara para a luta ou fuga. Quando isso acontece, somos protegidos. Só não podemos viver o tempo todo assim como um alarme com defeito, pois teremos um desgaste psíquico.
Nesse momento de tantas perdas, precisamos compreender que cada pessoa lida com rompimentos afetivos à sua maneira. E precisamos saber respeitar o tempo de processo de luto individual. A mente do enlutado, no primeiro momento, está confusa com todo o desmoronar na vida dele. Dependendo do que falamos ao enlutado, podemos ajudar ou ferir ainda mais. Na verdade, quanto menos falar, melhor. Então, um abraço, um olho no olho, e o principal, apenas dizer “estou aqui com você”, já é o suficiente! Frases como “Agora ele já não sofre mais”; “O tempo cura tudo”; “É a vida, todos vamos morrer”; “Olha, que há pessoas que estão pior”; “Você é jovem, pode se casar novamente/ter outro filho”. Essas frases podem ser inadequadas de imediato e machucar ainda mais.
Entretanto, podemos dizer “Sinto muito pelo que está passando”; “Nem posso imaginar o que você está passando”; “Você é uma pessoa muito importante pra mim, pode contar comigo”; “Quer falar? Posso te ouvir”. Lembrando que a pessoa em luto se questiona sobre a capacidade do cuidador em o ajudar verdadeiramente: “Será que posso confiar em você? Será que realmente vai me entender?”
Devemos cuidar para não minimizar as nossas perdas cotidianas. Sofrimento não deve ser comparado. Cada qual sabe o quanto aquela perda lhe faz falta. Talvez, buscar formas de lidar com nossas perdas nesse tempo de pandemia seja o mais interessante, pois todos já passamos ou passaremos por algum tipo de perda significativa em algum momento da vida. As pessoas podem procurar ajuda em grupos de apoio ao luto; na conversa amiga e confiável; como também, buscar ajuda de um profissional de saúde, especialmente, um psicólogo. As pessoas precisam falar sobre o que estão enfrentando ao vivenciar suas perdas, para que possam seguir no curso do seu processo adaptativo do luto.
Referências Bibliográficas:
BARICCA, A. M. Viver e Conviver com HIV/AIDS, In: Morte e existência humana: caminhos de cuidados e possibilidades de intervenção. Coord.: Kovács, M. J. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008. Cap. I
ESSLINGER, I. De quem é a vida, afinal? Cuidando dos cuidadores (profissionais e familiares) e do paciente no contexto hospitalar. In: Morte e existência humana: caminhos de cuidados e possibilidades de intervenção. Coord.: Kovács, M. J. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008. Cap. IX
ESSLINGER, I. De quem é a vida, afinal? Cuidando dos cuidadores (profissionais e familiares) e do paciente no contexto hospitalar. In: Morte e existência humana: caminhos de cuidados e possibilidades de intervenção. Coord.: Kovács, M. J. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008. Cap. IX
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